Especial: A desinformação nos atos golpistas e as mulheres de Tejucupapo
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Os atos golpistas de 8 de janeiro completam dois anos hoje. Esta edição lembra como as peças falsas e o discurso de ódio nas redes contribuíram para os ataques a Brasília. Também resgatamos documentos sobre o Golpe de 1964 e seus impactos nas periferias. Fecham este especial as histórias de mulheres – desde as heroínas do povoado pernambucano de Tejucupapo, que expulsaram invasores holandeses no século 17, até as famosas rendeiras de Alagoas.
As edições regulares voltam no próximo dia 13.
Boa leitura!
🔸 A desinformação foi peça-chave para a articulação de pessoas pelo Whatsapp e pelo Facebook para os atos golpistas de 2023. Além de falas do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) disseminadas nas redes, os grupos nas plataformas digitais fomentaram a ida de pessoas a Brasília para os ataques. Em um minidocumentário, a Lupa traz uma entrevista exclusiva com Sheila Mantovani, professora e uma das pessoas presas em decorrência da invasão aos prédios dos Três Poderes, investigada por incitação ao crime e associação criminosa. O vídeo busca entender o que a moveu a participar e como discurso de ódio contribuiu para os atos antidemocráticos.
🔸 Outro golpe – o de 1964 – completou 60 anos em 2024. Novos documentos revelaram como o maior órgão de espionagem da ditadura, o Serviço Nacional de Informações (SNI), atuou mesmo depois do fim da ditadura militar. Mais de 300 mil brasileiros foram fichados pelo SNI durante o regime, muitos deles presos, torturados e mortos. Na série de reportagens em memória do golpe, a Agência Pública mergulha no acervo do SNI, que criou um estudo sigiloso, ainda no início de 1985, sobre a atuação de agências de inteligência em democracias e em regimes totalitários. O estudo reflete sobre o limite entre a segurança do Estado e a privacidade dos cidadãos, um dilema frente à transição democrática brasileira, e mostra que o SNI buscou preservar as atividades mesmo após o fim da ditadura, por meio, por exemplo, de lobby no Congresso, tentando ativamente influenciar parlamentares e participar de debates na Assembleia Nacional Constituinte.
🔸 Nas periferias da Grande São Paulo, a ditadura também gerou impactos diretamente ligados aos territórios. Com a repressão do movimento operário, dos sindicatos e lideranças comunitárias, os bairros periféricos foram fortemente marcados pela desigualdade durante o período e pela intensa segregação da população pobre. A Agência Mural detalha como as áreas mais afastadas do centro de São Paulo foram utilizadas para encobrir valas clandestinas para enterrar vítimas de tortura. Além disso, a reportagem especial conta como a Comissão Nacional da Verdade trouxe à tona histórias sobre as consequências da ditadura nas periferias e sobre a resistência dos movimentos democráticos nestas regiões.
🔸 O relatório do Ministério dos Direitos Humanos sobre a população de rua no país ignora a identidade de gênero. A falta de dados e políticas públicas deixa mulheres trans e travestis ainda mais vulneráveis às violações de direitos, como revela a série especial “Com Nome, Mas Sem Endereço”, produzida pelo Colabora. Sem acesso ao direito básico da moradia, elas sofrem com violências verbais, físicas e sexuais. Embora os fatores que levam essa população às ruas sejam múltiplos, a não aceitação da família sobre a identidade de gênero costuma ser um motivo crucial: “A humilhação e o sofrimento mental que causam ao não entender a transexualidade é um dos principais pontos que faz as pessoas saírem de casa, o que eu, na verdade, não considero como ‘sair de casa’, mas sim como sendo expulsas”, afirma Wescla Vasconcelos, pesquisadora e diretora do Fórum Estadual de Travestis e Transexuais do Rio de Janeiro.
🔸 Munido de água fervente, pimenta, paus e panelas, um grupo de mulheres expulsou invasores holandeses do povoado Tejucupapo, da atual cidade de Goiana (PE), em 1646. Elas ficaram conhecidas como “Heroínas de Tejucupapo”, e, desde 1993, a história de resistência, luta e vitória é todos os anos encenada pelo Grupo Cultural Heroínas de Tejucupapo, em um espetáculo a céu aberto. Na série “Tamborim”, a Cajueira detalha a atuação “das quatro Marias” e lembra que o teatro recebeu o título de Patrimônio Vivo da Cultura do Povo de Pernambuco em 2022.
🔸 As mulheres rendeiras de Alagoas fazem viver a tradição do bordado de filé. À beira das Lagoas Manguaba e Mundaú, elas usam fios coloridos amarrados em nós que lembram redes de pesca. As “filezeiras” alagoanas têm como marca a escolha por cores vibrantes, inspiradas no viço das casas, dos barcos e dos figurinos das manifestações folclóricas regionais. O Nós, Mulheres da Periferia descreve o trabalho e reúne imagens do bordado que é reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial do país e também uma importante fonte de renda para as comunidades do Complexo Estuarino das Lagoas Mundaú-Manguaba, envolvendo 15 mil rendeiras, principalmente em Maceió.
🔸 Pioneira do mototáxi no Morro do Vidigal, Patricia Brito Mendes começou no ofício, majoritariamente masculino, há 23 anos. “Eu não me acho uma heroína, mas me vejo como uma Fênix porque eu sempre ressurjo das cinzas. Para trabalhar no mototáxi é preciso ter muita fé, disposição e garra. Eu já sofri muito preconceito, mas também adquiri muito conhecimento e fiz muitas amizades. Muito me orgulha representar todas essas mulheres guerreiras”, conta ao Voz das Comunidades a mototaxista, de 46 anos. Se no passado enfrentou preconceito, hoje ela diz que a profissão “faz a cabeça” das mulheres dentro e fora da favela. “Tem muito passageiro e muita gente que prefere andar com mulher por se sentir mais seguro, principalmente as mulheres”, afirma.
🔸 A escala 6x1 é ainda mais cruel para as mulheres, uma vez que fazem 85% do trabalho do cuidado no Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Enquanto as mulheres dedicam em média 21h semanais à casa e à família, os homens usam apenas 11h para isso. O “Elas no Congresso”, newsletter da revista AzMina, mostra como as desigualdades de gênero também devem ser um fator a ser considerado nas discussões sobre jornada de trabalho e tarefas não remuneradas. “Para além do tempo, há mães e filhos penalizados por esse modelo de trabalho de várias formas. Não importa se quem está na escala 6X1 é a mulher ou homens que vivam com ela: a carga segue mais pesada para o mesmo lado”, escreve a jornalista Ana Carolina Araújo.
🔸 Uma lei estadual de Nova York proíbe que as plataformas digitais utilizem os feed algorítmicos para menores de idade. É o primeiro grande projeto de lei a ser aprovado nos Estados Unidos abordando o design das redes sociais. A legislação se vale de uma ideia chamada de “feed viciante”, definida como as peças de mídia que são recomendadas para exibição a um usuário com base em informações associadas a ele ou ao seu dispositivo. O Fast Company Brasil destaca que essa pode ser uma era “pós-algoritmo” em relação às big techs, com legisladores mirando na forma como as plataformas podem afetar as pessoas e pensando em políticas de redução de danos.