Especial: A ciência indígena na Amazônia e as lideranças dos povos na COP30
Uma curadoria do melhor do jornalismo digital, produzido pelas associadas à Ajor. Novos ângulos para assuntos do dia
Olá, bom dia!
Estamos encerrando mais um Abril Indígena, período que celebra a identidade e a resistência dos povos originários do Brasil. Este é um tema caro para muitas das associadas à Ajor que alimentam todos os dias nossa newsletter. É por isso que criamos esta edição, reunindo conteúdos sobre o tema que a Brasis apresentou ao longo do mês. Além de um convite à reflexão, este especial é uma mostra da importância do jornalismo como ferramenta para amplificar a voz de populações invisibilizadas e promover transformações na sociedade.
Boa leitura!
🔸 Os saberes ancestrais e as práticas milenares de manejo da floresta a partir da observação da natureza e da interação com os espíritos que a habitam são a base da ciência indígena na Amazônia. O “Olhos d’Água”, produção da Amazônia Latitude, explora como o conhecimento tradicional revela caminhos para a conservação e restauração dos ecossistemas amazônicos. Acadêmico indígena do povo Utã pino pona-Tuyuka, Justino Rezende tem atuado como ponte entre os conhecimentos ancestrais e as metodologias acadêmicas ocidentais: “Nossos conhecimentos também são elaborados por pessoas que se especializaram em diversas áreas de conhecimentos, os territórios, como compreendem as árvores, frutas, ciclos de vida, ciclos de constelações, enchente dos rios, época de secas”.
🔸 Em 2024, foram mapeadas 241 entidades criadas por mulheres indígenas no Brasil, número 160% maior do que as registradas em 2020 (92). O reconhecimento de seus saberes tradicionais, a preservação do meio ambiente, a demarcação de territórios e o combate à violência de gênero estão entre as principais razões pelas quais as mulheres indígenas se articulam. A revista AzMina destrincha as informações da pesquisa, feita pelo Instituto Socioambiental e pela Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade. “Na aldeia nós temos nossos costumes. Nós temos nossas danças, nós temos nossa língua, na cidade a gente não tem esse espaço para continuar nossa cultura indígena”, afirma Suiyãne Txukarramãe, da Associação das Mulheres Indígenas do Centro-Oeste Paulista, em Bauru (SP).
🔸 Crianças do povo Xetá, tradicional do noroeste do Paraná, foram raptadas por famílias não indígenas durante o processo de extermínio e expulsão dos indígenas de seu território a partir de 1950 para a expansão agrícola. Durante décadas, reforçou-se a narrativa de “extinção” da população. Espalhados pelo Paraná e outros estados, os Xetá lutam ainda hoje pelo direito de existir. “A voz corrente era: eles não têm memória, eles não se lembram de nada, como se criança não tivesse memória”, afirma a antropóloga Carmen Lúcia da Silva. “Criança tem memória, principalmente crianças que passam por trauma.” O Plural narra o reencontro de alguns sobreviventes, como Tikuein, Tuca e Kuein – raptados na infância –, em busca de resgatar a memória de seu povo e lutar por reparação.
🔸 A demarcação de terras indígenas como uma das metas da política climática do país: este é um dos principais objetivos dos povos originários para a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), em Belém (PA). A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), que representa 180 povos dos nove estados da Amazônia Legal, tem se articulado para defender essa estratégia. Segundo a InfoAmazonia, a entidade vai compor o Círculo de Liderança Indígena, grupo de representantes técnicos que vão aconselhar os negociadores durante a conferência. “Está comprovado que as terras indígenas são os territórios que menos desmataram e que conseguem aprisionar uma grande quantidade de carbono, impedindo sua liberação na atmosfera. Então, se as terras indígenas têm tudo isso a oferecer, por que não torná-las parte da política climática, uma política pública dos países?”, questiona Toya Manchineri, coordenador executivo da Coiab.
🔸 Os povos indígenas, aliás, pedem equiparação de suas lideranças a chefes de Estado na COP30. Durante o Acampamento Terra Livre, organizações indígenas da Amazônia, do Pacífico e da Austrália lançaram uma declaração conjunta exigindo que seus líderes tenham voz e poder no evento. O Colabora conversa com lideranças sobre a carta e traz a íntegra do documento. “Enquanto os governos seguem a lógica egoísta de ‘cada um por si’, nós, em uma união de povos, tecemos uma rede de resistência e esperança entre as terras da Amazônia e os mares do Pacífico. Nossos saberes ancestrais e nossos corações batem juntos, protegendo a terra, o ar e as águas, garantindo que o canto das florestas e oceanos nunca se apague”, diz um trecho da declaração.
🔸 O Pará vai destinar apenas R$500 mil para a educação indígena em 2025, orçamento 85% menor que o destinado para em 2024. O valor corresponde a 0,001% do orçamento total do estado, que é de cerca de R$ 48 bilhões, segundo a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2025, aprovada na Assembleia Legislativa no final do ano passado, e a 0,005% do total da Secretaria de Educação do Pará. O Amazônia Vox detalha a redução de investimento na educação indígena paraense. “O impacto financeiro é significativo e parece ser uma estratégia do governo para sucatear a educação indígena, que já é precária devido à falta de apoio do Estado”, afirma o professor indígena Marcelo Borari, que atua há 10 anos na região do baixo rio Tapajós.
🔸 Falando em educação… Pela primeira vez desde a implementação do Vestibular dos Povos Indígenas, em 2001, quatro estudantes indígenas se formaram na Universidade Estadual de Londrina (UEL), no Paraná. A Rede Lume conta que, até hoje, 30 indígenas se formaram na instituição. A evasão desses estudantes, que chegou a ser de 54%, hoje é de apenas 9%. Para Tereza Ferreira, do povo Kaingang, que se formou aos 60 anos em Geografia, “o governo deveria abrir mais vagas, apesar dos desafios que encontramos para permanecer”. Ana Lúcia Ortiz Martins, do povo Guarani Nhandewa, recém-formada em Psicologia, detalha esses desafios: “As dificuldades não são apenas acadêmicas, envolvem questões culturais, sociais, financeiras, emocionais, e a questão da linguagem – especialmente para mim, que ainda falo minha língua materna”.
🔸 Em áudio: Em 2004, a então recém-formada antropóloga Lílian Panachuk participava do grupo de pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais que encontrou um sepultamento de uma criança indígena. Os ossos estavam guardados dentro de uma casca de árvore, todos tingidos de vermelho. Naquela época, o caminho de Lílian se cruzou, em um salão de cabeleireiro, com uma criança chamada Bibi Nhatarâmiak cujo sonho era ser arqueóloga e ficou fascinada com a história. O segundo ato do “Rádio Novelo Apresenta”, produção Rádio Novelo, narra como Bibi se tornou a primeira indígena bioarqueóloga do Brasil e tomou como missão honrar o sepultamento da criança encontrada pelo grupo de Lílian.
🔸 Héloa e Danielle Hinch são as diretoras da primeira série indígena de Sergipe, “Originários”. Financiada pela Lei Paulo Gustavo, a produção terá seis episódios e contará histórias, lutas e tradições dos povos Xocó, Kariri-Xocó e Fullkaxó, que vivem às margens do rio São Francisco. Em entrevista à Mangue, elas contam que a série surgiu do desejo de ampliar a representação indígena no audiovisual. Héloa, multiartista afroindígena, e Danielle, produtora executiva, começaram a desenvolver o projeto em 2020, durante a pandemia, com entrevistas online com indígenas de diferentes etnias. “Tive a oportunidade de conhecer diversas etnias no Brasil e parentes de vários lugares, e perceber o quão rica a história do nosso país é a partir da ótica indígena. A aldeia, assim como eu, mantém a chama, a força viva de se reconhecer povos indígenas no Brasil”, afirma Héloa.
🔸 “Me parece que quando a gente entender a história do povo indígena no Nordeste, talvez a gente entenda o Brasil”, afirma a jornalista e pesquisadora indígena Raquel Paris, gestora da Escola de Ancestralidades Kariri. Em entrevista à Cajueira, ela fala sobre o apagamento das identidades indígenas do Nordeste e a resistência desses povos para a preservação da cultura, dos saberes tradicionais e do bioma Caatinga. “Eu já morei no Rio de Janeiro, no Sul e gosto muito de andar pelo Norte. Mas nunca vi, em parte alguma, tirando o Nordeste, o povo comendo todo dia cuscuz, tapioca e macaxeira. Deitar em rede o povo da região Norte também faz. Só que, como a gente chama tudo isso de cultura nordestina, a gente não vê que é cultura indígena.”