ESPECIAL: As candidatas para empretecer o STF, Conceição Evaristo e a Marcha das Mulheres Negras
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Oi, gente! Bom dia.
Com uma vaga aberta no Supremo Tribunal Federal, o país tem diante de si uma oportunidade histórica: a de ver, pela primeira vez em 134 anos, uma mulher negra ocupar um assento na mais alta Corte do país. Organizações como Nós, Mulheres Negras Decidem, Coalizão Negra por Direitos e Instituto Juristas Negras levaram ao presidente uma lista de juristas qualificadas – entre elas Adriana Cruz, Lívia Sant’Anna Vaz e Edilene Lôbo – e um lembrete incontornável: pessoas negras são 55% da população brasileira, mas seguem distantes dos espaços de decisão.
Nesta edição especial, reunimos reportagens que partem desse ponto de urgência e ampliam o olhar sobre representatividade e poder. Mostramos a diferença entre as candidaturas femininas e os nomes preferidos de Lula; explicamos os entraves que mantêm o Judiciário masculino e branco e reforçamos a necessidade de empretecer o STF. A força das mulheres negras também ecoa fora das instituições: na preparação para a segunda Marcha Nacional das Mulheres Negras, nas homenagens à Conceição Evaristo, na mobilização por justiça fiscal, na história de um Clube da Leitura Preta no interior da Bahia e em trajetórias de artistas como Eliane Brasil que lutam contra o apagamento das mulheres negras na arte.
Entre a vaga no Supremo e as ruas do país, o que se reivindica é representação e reparação, instrumentos para a construção de um futuro mais justo e igualitário.
Boa leitura!
🔸Em 134 anos, só quatro pessoas negras foram empossadas no STF – todos homens. Organizações da sociedade civil, como Mulheres Negras Decidem, a Coalizão Negra por Direitos e o Instituto Juristas Negras, fizeram um protesto no Rio de Janeiro, onde Lula participava de um evento. Em nota, as entidades sugeriram nomes de juristas negras ao presidente: Adriana Cruz, Vera Lúcia Santana Araújo, Lívia Sant’Anna Vaz, Edilene Lôbo, Mônica Melo, Manuelita Hermes, Karen Luise Vilanova, Soraia Mendes, Sheila de Carvalho, Lívia Casseres, Lucineia Rosa e Flávia Martins. A Alma Preta lembra que esta é a terceira vez que movimentos populares se organizam pela indicação da primeira mulher negra no STF. Em 2023, a campanha por uma jurista negra alcançou mais de 3 milhões de pessoas. “O que nós temos agora é mais uma oportunidade de trazer essa reflexão e recuperar um argumento que é muito fundamental para a construção da democracia e da sociedade que nós queremos. Ter a participação das maiorias sociais em espaços de poder e de tomada de decisão é imprescindível para avançarmos como sociedade”, ressalta Taináh Pereira, coordenadora do Mulheres Negras Decidem.
🔸 É preciso desnaturalizar “a apresentação de apenas homens nas listas de cotados, de melhores apostas e de possíveis indicações.” A afirmação é de Luciana Zaffalon, da Justa, entidade que compõe a iniciativa Nós, ao lado das organizações Themis e Fórum Justiça. A Agência Pública comparou os currículos de 13 candidatas indicadas pela Nós com os nomes de homens apontados como favoritos a receber indicação do presidente – o advogado-geral da União, Jorge Messias, e o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, além do senador Rodrigo Pacheco. Das mulheres indicadas pelas organizações, nove são negras. Entre elas, estão as ministras substitutas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Edilene Lôbo e Vera Lúcia Santana, além da juíza auxiliar no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Karen Luise Vilanova, e da promotora de justiça no Ministério Público da Bahia (MPBA), Lívia Sant’Anna Vaz. A análise mostra que as 13 candidatas têm, em média, cinco anos a mais de carreira e paridade em formação e publicações: são seis doutoras, três mestres e demais bacharéis/advogadas. Entre os homens, Messias e Dantas são doutores, e Pacheco é bacharel. Das 13 candidatas, nove são mulheres negras.
🔸 Atualmente, entre os 11 ministros do STF, apenas uma (Cármen Lúcia) é mulher. Em sua terceira indicação para a Corte, Lula voltou a escolher um homem, a despeito de mobilizações e campanhas de entidades e organizações da sociedade civil para que uma mulher negra fosse indicada para ao menos um dos postos. Em 134 anos de Corte, as únicas ministras foram Ellen Gracie (a primeira a entrar no STF, nos anos 2000), Cármen Lúcia e Rosa Weber. O Nexo explica o que trava a indicação de mulheres para a Corte, desde critérios subjetivos até a participação feminina nos tribunais. Luciana Ramos, pesquisadora do Núcleo de Gênero e Direito da FGV São Paulo, lembra que os indicados normalmente ocupam cargos-chave dentro da administração pública ou do Legislativo. “E qual é o problema? A gente não tem muitas mulheres que são indicadas para altos cargos. Nunca tivemos uma presidenta do Congresso. A AGU e a PGR só tiveram uma mulher”, afirma. Para Luciana Zaffalon, diretora executiva da plataforma Justa, o entrave está numa “visão ultrapassada de que a democracia pode se configurar sem essa representatividade”.
🔸“Há mais uma vaga para ministro do STF aberta. Entre os distintos membros do clã da branquitude judicial, já há lobby para que o presidente Lula escolha mais um homem branco para compor a Corte que defende a ‘Constituição Cidadã’. Uma Corte que, à primeira vista, poderia facilmente ser da Suíça ou da Noruega – embora seja do segundo país com a maior população negra do mundo, atrás somente da Nigéria”, escreve Jessica Santos, em artigo na Ponte. Ela lembra que as mulheres negras formam a maioria da população do país, mas são ignoradas para cargos de decisão. Os números do Judiciário confirmam: dos 1.563 desembargadores do Brasil, só 45 são mulheres negras. Num universo de 3.265 juízas titulares, apenas 365 se declaram como negras. A jornalista destaca que os movimentos da sociedade civil já elaboraram listas de candidatas ao cargo no STF. Ela defende “uma justiça que fale menos latim e se pareça mais com quem julga, que seja antirracista e antissexista, que proteja direitos e não corrobore com a violência de Estado, com o genocídio de populações pretas, periféricas, quilombolas e indígenas, entre outras constantes violações de direitos humanos”.
🔸Em novembro, Brasília será ocupada pela segunda Marcha Nacional das Mulheres Negras, dez anos depois da primeira edição, que reuniu mais de 100 mil manifestantes. O encontro pretende reunir agora um milhão de mulheres de todo o país para reivindicar reparação e bem viver. O “Conversa de Portão”, produção do Nós, Mulheres da Periferia, resgata cinco movimentos marcantes que ajudaram a construir a marcha por meio de associações e grupos locais que começaram a se articular desde os anos 1950 e ganharam mais força nas décadas seguintes, como o primeiro Encontro Nacional de Mulheres Negras no Brasil, em 1988, e a Marcha Zumbi dos Palmares contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida, em 1995.
🔸“Mulheres negras, que historicamente sustentam este país com seu trabalho, foram sistematicamente excluídas das discussões sobre política econômica”, afirma a jornalista Andressa Franco, em artigo na Revista Afirmativa, que, em parceria com o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), lança o “Guia Desigualdade no Bolso – Justiça Fiscal para Mulheres Brasileiras”. O material mostra como a tributação sobre consumo pesa proporcionalmente mais sobre quem tem menos, especialmente mulheres negras, maioria do país e grandes consumidoras de itens altamente tributados, mas pouco alcançadas por serviços públicos. O guia traz entrevistas com personagens de nomes fictícios: Margarida, costureira de 67 anos, Sônia, trabalhadora doméstica de 45 anos, Fátima, de 57 anos, pedagoga e professora de reforço escolar, e Luana, jovem de 27 anos formada em gestão cultural, que trabalha como vendedora no comércio.
🔸Em Jequié, no interior da Bahia, está o Clube da Leitura Preta, voltado para adolescentes quilombolas. Criado há três anos, o projeto promove o letramento racial e o fortalecimento da identidade por meio de autores e autoras negras. O público: jovens de 13 a 16 anos do Colégio Estadual Doutor Milton Santos, uma instituição de ensino quilombola. O Mundo Negro narra como a escritora e pesquisadora Jessika Oliveira concebeu o clube de leitura: quando estagiária na escola, ela percebeu que os alunos não se interessavam pelos livros disponíveis. Foi então que decidiu mudar a forma como a literatura era apresentada aos estudantes. O clube rapidamente se tornou refúgio de pertencimento para os adolescentes. “O que mais me impactou foi quando alguns deles me disseram que não sabiam que tinham escritores parecidos com os pais deles ou avós e começaram a desengavetar escritos também”, conta a pesquisadora.
🔸“Pensar a escrevivência é também pensar na materialidade, como esse texto nasce, como esse texto é produzido. A minha escrevivência acontece na dinâmica da vida. Apesar de eu não ter um tempo específico para escrever – ou justamente por eu não ter –, existe uma possibilidade de me retirar do cotidiano para produzir uma escrita”, afirma a escritora Conceição Evaristo. Referência para diversas gerações de escritoras negras, a autora mineira de 78 anos inspirou a 36ª Bienal de São Paulo deste ano, será homenageada na Festa Literária das Periferias (Flup) de novembro e também no Carnaval carioca de 2026, com o enredo do Império Serrano. Ao cunhar o conceito de “escrevivência”, revolucionou a literatura negra no país. Em entrevista à Quatro Cinco Um, Evaristo reflete sobre sua escrita, fala sobre seus novos projetos e aborda sua representação em diferentes espaços. “O fato de eu ser uma escritora negra desperta curiosidade. Em qualquer função, a pessoa negra que escapole de uma situação esperada chama atenção. Você percebe os olhares, tem que ter uma justificativa para estar lá.”
🔸“A arte apareceu para salvar mesmo a minha vida. Porque eu nunca tive essa comunicação em casa. A minha tia que me criou, essa mulher guerreira, que cuidava de toda a família e que nem sequer estudou, não me levava pra fazermos um passeio cultural. Ela nem tinha esse tempo. Na escola onde eu passei a infância, o que a gente aprendia não era arte, eram atividades para subsistência”, afirma a artista visual Eliane Brasil, do Coletivo Ero Ere Mulheres Artistas. O Plural conversa com a artista para revisitar sua trajetória, da difícil infância em Belo Horizonte (MG) à sua “construção” em Curitiba (PR). Para Eliane, o fazer manual – inicialmente aprendido como ofício – tornou-se uma ferramenta central em sua arte como símbolo de resistência e ancestralidade. Durante a graduação em Artes Visuais na Universidade Federal do Paraná passou a questionar o apagamento das mulheres negras na arte. Foi a partir desse movimento que ajudou a criar o coletivo do qual faz parte.

