Um ano depois das enchentes no RS e o preço do livro no país
Uma curadoria do melhor do jornalismo digital, produzido pelas associadas à Ajor. Novos ângulos para assuntos do dia
🔸 Um ano depois das enchentes de 2024, menos de 25% do Plano Rio Grande, criado para reconstruir o Rio Grande do Sul, foi concluído. A Agência Pública revela que, dos 121 projetos do plano, a maioria está apenas “em andamento” – sem detalhes do que isso significa –, e iniciativas estruturantes, como reforço de diques e sistemas de alerta, nem sequer saíram do papel. As enchentes e deslizamentos de terra no estado em maio do ano passado deixaram 183 mortos, 27 ainda desaparecidos e 806 feridos. “Se acontecesse uma tragédia daquele tamanho hoje, teria efeitos piores do que os do ano passado, porque muito pouco foi feito”, afirma o procurador regional dos Direitos do Cidadão Adjunto do Ministério Público Federal (MPF) em Porto Alegre, Fabiano de Moraes. Especialistas criticam ainda a falta de transparência, a ausência de participação social e a falta de foco na prevenção de novos desastres.
🔸 “Fiquei com um problema nos braços de tanto lavar paredes imundas e tirar barro. Móveis e eletrodomésticos dá para comprar de novo, mas fotos dos filhos e outras memórias se perderam”, lembra a professora aposentada Carla Martins, moradora de Montenegro, cidade a 60 km da capital Porto Alegre. O saldo dos temporais de maio de 2024 incluiu mais de 100 mil casas destruídas ou avariadas e 81 mil pessoas desabrigadas. Segundo o governo gaúcho, 400 ainda estão sem abrigo. O Eco destaca que atividades como a dragagem de rios e canais avançam em áreas atingidas pelos alagamentos. “Cabeceiras de rios e bacias hidrográficas são desmatadas para cultivos como o da soja. Isso escoa água e sedimentos muito mais rápido e causa alagamentos que se concentram na Região Metropolitana”, avalia Paulo Brack, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
🔸 Em Maceió (AL), as chuvas agravam a situação já crítica de moradores atingidos pelo crime ambiental da Braskem. No bairro de Bebedouro, as comunidades de Flexal de Cima e Flexal de Baixo estão isoladas socioeconomicamente depois do afundamento do solo causado pela extração de sal-gema pela mineradora. Segundo a Alma Preta, obras que teriam sido realizadas para beneficiar a região tiveram o efeito oposto, ampliando o impacto das chuvas no cotidiano das comunidades. “Quando choveu [em fevereiro], a água deixou de escoar como antes, o que agravou ainda mais a situação dos moradores. Um rapaz teve parte da casa desmoronada. Isso não aconteceu apenas por causa da chuva, mas também devido à movimentação das máquinas durante as obras”, conta o comerciante Valdemir Alves dos Santos, de 54 anos, que mora há mais de 30 anos no Flexal de Cima.
🔸 Falando em mineração… Parlamentares têm usado verbas públicas para anunciar nas redes sociais campanhas sobre a extração de minérios. Análise da InfoAmazonia mostra que três deputados da Frente Parlamentar da Mineração Sustentável (FPMin) – Zé Silva (Solidariedade-MG), Zequinha Marinho (Podemos-PA) e Keniston Braga (MDB-PA) – financiaram 23 campanhas na internet desde 2023. Há indícios de “greenwashing”, estratégia de comunicação que se vale do discurso de “sustentabilidade” sem revelar impactos ambientais. “É muito difícil afirmar que a mineração pode ser sustentável — na prática, isso se mostra contraditório e extremamente difícil de ser aplicado”, diz o pesquisador Maurício Angelo. Em tempo: Os parlamentares também atuam para flexibilizar leis ambientais, com projetos que ampliam benefícios fiscais e legalizam garimpos em áreas de pesquisa.
📮 Outras histórias
Em quatro meses, sete filhotes de peixe-boi da Amazônia foram resgatados no Amazonas pelo Projeto Peixe-Boi do Instituto de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Os animais ficaram órfãos devido à caça ilegal, conta o Amazonas Atual. “Os caçadores matam a mãe e o filhote não tem como se alimentar porque é uma espécie que mama até os dois anos de idade”, afirma a pesquisadora do Inpa Vera da Silva. Redes de pesca, conhecidas como malhadeiras, também representam uma ameaça para a espécie Trichechus inunguis. Os filhotes resgatados passam por uma reabilitação no Inpa e, quando aptos, são soltos em áreas protegidas e monitorados.
📌 Investigação
Apesar dos potenciais impactos ambientais dos data centers – infraestrutura física gigante com máquinas para processar o uso de internet – devido ao grande uso de água e energia, o governo federal escanteou o Ministério do Meio Ambiente (MMA) das conversas sobre a política nacional voltada para o tema. O Intercept Brasil apurou que, desde o início da gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), foram feitas mais de 80 reuniões com pelo menos 200 autoridades federais na Esplanada dos Ministérios, mas a pasta não participou de nenhuma. Uma das ações sugeridas pela política nacional foi a desburocratização com a dispensa de licenciamentos pelo MMA. O órgão, porém, informou que não foi comunicado. A Agência Nacional de Águas também afirmou que não recebeu pedidos de outorgas de direitos de uso para data centers e não tem participado de discussões sobre a política nacional.
🍂 Meio ambiente
A região da Amacro – divisa dos estados Amazonas, Acre e Rondônia – se consolidou como a nova fronteira do desmatamento na Amazônia, a partir da ampliação das áreas de monocultura e da pecuária. Em 2003, o Acre contava com 1,6 milhão de cabeças de gado, já em 2022, o número foi de 4,3 milhões, uma variação de 219,6%. O Varadouro reúne os principais dados científicos do livro “Amacro – a Reorganização do Capital no Campo na Amazônia”, do pesquisador Afonso Chagas, que analisa a expansão agropecuária na região, levando o desmatamento para os vales do Purus e do Juruá. A obra detalha as dinâmicas de conflitos fundiários na Amacro e a pressão sobre unidades de conservação e territórios indígenas.
📙 Cultura
Apenas 16% dos brasileiros acima de 18 anos compram livros, e o preço é um dos principais obstáculos, de acordo com a pesquisa Panorama do Consumo de Livros, de 2024. O Nonada ouviu especialistas do mercado editorial para entender os fatores que influenciam no preço dos livros, como a cadeia produtiva – editores, ilustradores, diagramadores e revisores –, as matérias-primas para impressão, a aquisição de direitos autorais e os custos de transporte. “Nenhum editor quer pôr o preço tal como ele está hoje em dia. Esse valor é feito do menor valor possível para a subsistência das editoras”, afirma Rita Mattar, diretora editorial e fundadora da editora Fósforo. Entre as principais estratégias apontadas para enfrentar a crise, estão a formação de público leitor, as políticas públicas de regulação, o fortalecimento do mercado editorial e a valorização do livro no imaginário social.
🎧 Podcast
Apesar do crescimento da leitura em dispositivos eletrônicos, o livro físico ainda terá uma longa existência, segundo José Mario Pereira, editor e fundador da editora Topbooks. “A ideia de convivência, de prazer, de fruir o livro em casa permanece. Não conheço quem tenha jogado toda sua biblioteca no sebo e passado a existir apenas como um leitor digital”, afirma. O “Diálogos com a Inteligência”, produção do Canal Meio, recebe o editor e articulista para falar sobre o futuro do livro, do mercado editorial e do próprio conceito de produção autoral com a inteligência artificial. Para Pereira, as novas ferramentas têm potencial de auxiliar a criação autoral e seu impacto para o mercado literário é inevitável.
🙋🏾♀️ Raça e gênero
A necessidade comprovação da violência doméstica para acessar à lei que garante tratamentos odontológicos gratuitos às vítimas pelo SUS pode afastá-las da política pública. O Nós, Mulheres da Periferia conversa com Masra Abreu, da Articulação de Mulheres Brasileiras, sobre a importância da nova legislação: “O acesso passa a ser prioritário. Isso significa que o SUS terá que criar protocolos específicos para essas mulheres – inclusive com a oferta de reconstrução dentária, algo que antes era praticamente inexistente dentro da estrutura pública”, explica. Para ela, a exigência de documentos comprobatórios da violência é um problema. “Nenhuma mulher vai chegar num posto de saúde com o corpo desconfigurado dizendo que foi um mero acidente. Mas obrigar essa mulher a passar por todo o processo na delegacia – que muitas vezes não está preparada – e fazer exame de corpo de delito pode ser, para muitas, um risco à própria vida.”