A resposta dos empresários ao trabalho escravo e uma universidade na Rocinha
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🔸 Após o resgaste de mais de 200 pessoas que trabalhavam na safra da uva em condições análogas à escravidão, em Bento Gonçalves (RS), empresários gaúchos não só se eximiram da responsabilidade, mas também apontaram programas sociais do governo como culpados. O Plural traz a íntegra da nota do Centro da Indústria, Comércio e Serviços de Bento Gonçalves. O texto afirma que “as vinícolas envolvidas no caso desconheciam as práticas da empresa prestadora do serviço sob investigação e jamais seriam coniventes com tal situação”. A nota segue: “Há uma larga parcela da população com plenas condições produtivas e que, mesmo assim, encontra-se inativa, sobrevivendo através de um sistema assistencialista que nada tem de salutar para a sociedade”. Os trabalhadores resgatados cumpriam jornadas de 15 horas diárias, eram forçados a comer alimentos estragados e, se não trabalhassem, podiam receber choques elétricos ou jatos de spray de pimenta.
🔸 Somou-se à nota dos empresários a fala xenofóbica de um vereador de Caxias do Sul, como informa o Sul21. Na tribuna, Sandro Fantinel (Patriota) defendeu as vinícolas e disse que os empresários não devem mais contratar pessoas “lá de cima”, referindo-se ao estado da Bahia, de onde vinha a maior parte dos trabalhadores. “A única cultura que eles têm é viver na praia tocando tambor, era normal que se fosse ter esse tipo de problema. Deixem de lado, que isso sirva de lição. Deixem de lado aquele povo que é acostumado com Carnaval e festa pra vocês não se incomodarem novamente”, completou o vereador.
🔸 Os produtos das três vinícolas (Aurora, Garibaldi e Salton) que exploravam os trabalhadores foram cortados da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil). O sistema, vinculado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, promove os produtos brasileiros no exterior. O Notícia Preta explica que a suspensão se dá até que as investigações sejam concluídas.
🔸 O Senado vai expandir a comissão da crise humanitária na terra indígena Yanomami. Antes, eram cinco os senadores e, agora, passam a ser oito. O aumento foi um pedido de Eliziane Gama (PSD-MA) e Humberto Costa (PT-PE). Como destaca o Congresso em Foco, os dois se preocupavam com o fato de a bancada roraimense, simpática aos garimpeiros, ocupar ⅔ da comissão original. No pedido, Eliziane Gama lembrou ainda que o Conselho Indigenista Missionário recomendou a mudança da estrutura do colegiado justamente para evitar que se tornasse uma comissão pró-garimpo.
🔸 Para entender o novo preço da gasolina, que fica mais cara a partir de hoje. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou ontem a volta da cobrança de impostos na gasolina, de R$ 0,47, e no etanol, de R$ 0,02. Mas como isso afeta o bolso do brasileiro? Na prática, detalha o Metrópoles, o consumidor deve pagar R$ 0,25 a mais pela gasolina na bomba, segundo a Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom). Isso porque, apesar do reajuste anunciado por Haddad, a Petrobras decidiu, ainda na manhã de terça, redução de R$ 0,13 no produto.
📮 Outras histórias
Um projeto de lei para criar a Universidade Federal da Rocinha chegou à Câmara de Deputados, em Brasília. Apresentado em fevereiro por Áureo Ribeiro (SD-RJ), o texto prevê a oferta de ensino superior, desenvolvimento de pesquisas e promoção da extensão universitária na Rocinha, favela na zona sul do Rio de Janeiro. O Fala Roça apurou que o PL tem fortes chances de avançar, já que a gestão Lula vem afirmando que os investimentos em educação são prioridade do governo federal. O deputado não apresentou, no entanto, uma estimativa de custo para a implementação da UFRocinha nem as possibilidades de terreno para sua instalação. A reportagem lembra que não há estudos sobre o número de estudantes universitários na Rocinha. Por meio da Lei de Acesso à Informação, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) informou que 18 moradores da comunidade se matricularam em algum curso de graduação na universidade em 2022.
📌 Investigação
Ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, Anderson Torres é alvo do Ibama e usou a mãe como laranja de empresa de “comércio varejista de animais vivos e artigos e alimentos para animais de estimação”. Antes, a firma registrada no endereço de Torres era de “criação de pássaros”. A Agência Pública revela que, na sexta-feira, técnicos do Ibama e do Instituto Brasília Ambiental (Ibram), encontraram 60 aves em sua residência, incluindo espécies ameaçadas de extinção, como bicudos e curiós. Os órgãos ambientais identificaram diversas irregularidades, que acarretaram em uma multa de R$54 mil ao ex-ministro. Durante o governo Bolsonaro, a operação de fiscalização, criada em 2009, para combater o tráfico de pássaros, foi suspensa, após lobby da Confederação Brasileira de Criadores de Pássaros Nativos (Cobrap) – esta, aliás, homenageou Torres em outubro de 2021.
🍂 Meio ambiente
Das 69 terras indígenas que estão no entorno da rodovia BR-319, a Terra Indígena Karipuna, em Rondônia, foi a mais desmatada. É o que aponta relatório inédito do Observatório da BR-319, organização da sociedade civil que reúne informações sobre a influência da estrada na região. Segundo o InfoAmazonia, o projeto para reconstrução da rodovia, retomado pela gestão de Bolsonaro, é apontado como um dos principais fatores do aumento do desmatamento, com atuação de organizações criminosas na extração ilegal de madeira.
Organizações de direitos socioambientais, a brasileira Comissão Pastoral da Terra e a francesa Notre Affaire À Tous, entraram na Justiça da França pedindo que os financiamentos do maior banco do país, o BNP Paribas, ao frigorífico brasileiro Marfrig sejam bloqueados. A Repórter Brasil conta que a instituição financeira é o principal investidor francês na pecuária do Brasil. Registros de 2022 apontam que as gigantes da indústria da carne no país, envolvidas com o desmatamento na Amazônia, receberam investimentos de quase US$ 456,5 milhões do banco. A ação judicial pede que o BPN Paribas seja multado em 10 mil euros por dia ou que os empréstimos sejam condicionados à aplicação de uma rigorosa análise de risco e a um plano de prevenção socioambiental.
📙 Cultura
Qual é o limite ético para representar grandes tragédias em obras audiovisuais? O Farofafá aborda as principais críticas às produções que narram o incêndio da Boate Kiss, que aconteceu no dia 27 de janeiro de 2013 e deixou 242 mortos. Enquanto a série “Todo Dia a Mesma Noite” (Netflix), de Julia Rezende, mistura ficção e realidade, o documentário “Boate Kiss – A Tragédia de Santa Maria” (Globoplay), de Marcelo Canellas, concentra-se em imagens de arquivo. A linha entre a memória e a revitimização das famílias, porém, é tênue.
A poeta Midria Pereira se vale da poesia para falar sobre o direito à cidade. Embora sua ligação com a literatura a acompanhasse desde o ensino fundamental, a temática urbana veio apenas durante a faculdade. Ao Desenrola E Não Me Enrola Midria afirma que as longas horas que passava no transporte se refletiram também em sua obra, além de se conectar com movimentos sociais que lutam pela mobilidade em São Paulo. Em seus poemas, a autora deixa claro qual seu anseio: “Eu quero que as distâncias dessa cidade sejam encurtadas/ e que a mobilidade não restrinja mais nossos caminhos de vida/ Mas isso não significa que eu queira chegar mais rápido até o centro/ Eu quero um fura-fila pra cultura e pra todas as vias de desenvolvimento/ bem ali perto de mim, na quebrada/ Na zl, na zs, na zo, na zn/ Que toda periferia seja reconhecida em sua pluralidade/ Na sua gama de interminável de possibilidades”.
🎧 Podcast
Um dos principais quadrinistas da atualidade no Brasil, Marcelo D’Salete participa do podcast “451 MHz”, produção da Quatro Cinco Um, para falar sobre seu lançamento mais recente, “Mukanda Tiodora”, em que conta a história da escravidão em São Paulo no século 19 a partir da vida de Tiodora, uma negra escravizada, e as sete cartas que possuía. Por volta de 1867, essas correspondências, que ainda não haviam sido enviadas, foram apreendidas pela polícia, a mando do senhor. Segundo o quadrinista, é um caso raro da escravidão no Brasil e de boa parte da América porque mostra uma mulher negra que fala sobre sua condição. “Não é apenas um inquérito policial sobre um determinado escravizado e o que ele fazia. Você consegue visualizar cada um dos personagens que ela cita na carta.”
✊🏽 Direitos humanos
Símbolo da resistência negra por décadas, o punho cerrado foi alvo de ataques pelo presidente da escola de samba X9 Paulistana, Mestre Adamastor, que afirmou que o gesto “não representa p… nenhuma”. A Alma Preta conversa com especialistas em questões raciais para explicar por que o sinal, que já foi motivo para punições e polêmicas, gera tanto incômodo. “É um símbolo de solidariedade e apoio às causas relacionadas a conflitos sociais, como racismo, xenofobia, sexismo, entre outras mazelas que fragilizam as relações humanas. Também é utilizado como uma saudação para expressar unidade, força, desafio ou orgulho de pertencer a um grupo social politicamente minorizado”, afirma o sociólogo Tadeu Matheus.