O efeito Trump no tráfico de animais e a educação indígena do Pará
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🔸 “Nós não podemos admitir que as pessoas venham com aquele tipo de tratamento, inclusive correndo riscos maiores porque o avião poderia ter sofrido acidentes e problemas mais graves”, disse o chanceler Mauro Vieira, referindo-se aos brasileiros deportados pelo governo dos Estados Unidos e que chegaram ao Brasil algemados com denúncias de abuso e maus-tratos durante o voo. O ministro das Relações Exteriores falou à imprensa depois de uma reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O governo brasileiro pediu explicações aos EUA sobre a forma como os deportados foram tratados. Segundo o Metrópoles, quando questionado se existe acordo formal que vede o uso de algemas nos cidadãos brasileiros, Vieira afirmou: “Em solo nacional, não pode e não deve haver”.
🔸 A postura truculenta nas deportações serve para Donald Trump marcar sua política migratória de forma simbólica e reforçar seu discurso nacionalista. “Trump pode ter alterado um pouco a forma como esses voos acontecem, agora com esses relatos de abusos, justamente porque ele quer mandar uma mensagem aos imigrantes: ‘não venham’”, afirma Oliver Stuenkel à Agência Pública. Doutor em ciência política e pesquisador visitante na Universidade Harvard, ele explica que, ao tratar a América Latina como fonte de ameaças – ligadas a imigração, drogas e crime – e sem oferecer alternativas positivas, Trump empurra governos da região para diversificar suas parcerias, fortalecendo a presença chinesa. “Nos anos 1990, provavelmente esse estilo Trump poderia ter dado certo, porque os países não tinham alternativa. Se o Brasil fosse humilhado, ia buscar quem? Mas agora o mundo é multipolar.”
🔸 As medidas de Trump já mostram seus impactos também no meio ambiente. A suspensão temporária do financiamento de programas internacionais pelo governo dos Estados Unidos afeta diretamente a Freeland, uma organização que combate o tráfico de animais silvestres e tem atuação no Brasil. Em entrevista à Conexão Planeta, Juliana Ferreira, diretora da Freeland Brasil, alerta que a medida pode levar ao cancelamento de atividades, cortes de salários e demissões. “Essa suspensão, mesmo que temporária, terá impactos muito negativos na nossa habilidade de apoiar instituições governamentais e combater o tráfico de fauna ao redor do mundo”, diz a bióloga. Segundo ela, projetos financiados pelos EUA resultaram em apreensões de animais traficados e operações de grande porte, como a repatriação de araras-azul-de-lear e micos-leões-dourados, além do desmonte de redes internacionais de caça ilegal.
🔸 A desinformação segue um modelo de negócio. Um estudo inédito mapeou uma rede de quase 5 milhões de usuários em comunidades conspiracionistas no Telegram na América Latina e Caribe. São grupos que lucram vendendo falsas curas para doenças como câncer e autismo. Também promovem medicamentos sem comprovação científica, como o dióxido de cloro, apresentado como um “detox vacinal”, revela o Conversation Brasil. As quase duas mil comunidades analisadas somam 55 milhões de mensagens trocadas num intervalo de dez anos, entre 2016 e 2025 – e o Brasil lidera tanto em número de participantes quanto em volume de conteúdos publicados.
📮 Outras histórias
O Complexo da Maré está a uma passarela de distância do Hospital Federal de Bonsucesso. Não por acaso, muitos moradores da favela na zona norte do Rio de Janeiro nasceram na maternidade do hospital. Nos últimos anos, o descaso levou ao fechamento de leitos, a emergência encerrou as atividades e até um prédio deixou de funcionar depois de um incêndio. O Ministério da Saúde decidiu terceirizar os serviços e contratou uma empresa do Rio Grande do Sul para fazer a gestão. O Maré de Notícias resgata a história do hospital e conta que os funcionários não concordam com a mudança. “Vieram sem fazer um intercâmbio com os funcionários, sem conhecer o hospital. Querem abrir na marra a emergência e 18 leitos da cardiologia, uma trapalhada”, avalia Júlio Noronha, presidente do corpo clínico do hospital. “O que temos medo é, pelo grupo desconhecer o hospital, acabar encerrando serviços, como as 35 especialidades pediátricas, que são um santuário”, completa o médico.
📌 Investigação
Danilo Gentili usa o programa “The Noite”, que apresenta no SBT, para divulgar sua própria marca de charutos, a “My Fucking Cigar”. Ele inclui o produto em vinhetas, distribui para entrevistados, fuma durante as gravações e faz até publicidade. O marketing de tabaco, no entanto, é proibido no Brasil desde 2000. Em seu Instagram, o apresentador também publica links para a compra online do charuto. O comércio de fumo na internet também é ilegal. O Joio e O Trigo revela ainda que a marca de Gentili nem sequer tem registro junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), ou seja, os charutos não poderiam ser comercializados – o que ocorre pelo menos desde o fim de 2022.
🍂 Meio ambiente
O rio Acre já perdeu 40% – ou 4,5 mil hectares – de toda a extensão da mata ciliar desde o início da ocupação de suas margens pela atividade agropecuária, intensificada a partir da década de 1970. Em parceria com a InfoAmazonia, O Varadouro analisa a degradação da Bacia do Rio Acre, localizada na região leste do estado, onde está 70% da área desmatada da Amazônia no Acre. Ao perder quase metade de sua vegetação nativa, o rio ficou mais vulnerável aos eventos climáticos extremos, provocando grandes inundações que invadem cidades e comunidades ribeirinhas no inverno, e volumes críticos de vazante que comprometem a segurança hídrica de metade da população acreana no verão.
📙 Cultura
Cinquenta anos depois do lançamento, o livro “Catatau”, de Paulo Leminski, desafia leitores por sua linguagem única e experimental. “Muitos tentaram lê-lo, milhares fracassaram. Entre os desistentes, muito provavelmente estão aqueles que foram intimidados por sua absurda naturalidade em criar uma linguagem nunca antes experimentada”, escreve Jotabê Medeiros, em artigo no Farofafá. A obra é considerada como um romance filosófico que confronta o racionalismo cartesiano com a realidade brasileira. “Catatau injetou na literatura brasileira um germe de experimentação que nunca mais foi igualado”, afirma o jornalista. Ele lembra ainda que Leminski andava pelas ruas de Curitiba com páginas da obra para mostrar aos interlocutores. O escritor “sempre soube do tamanho de sua façanha literária, embora seu eco estivesse muito longe de se ouvir naqueles anos 1970”.
🎧 Podcast
Em pleno arco do desmatamento, na transição entre a Amazônia e o Cerrado, o calango-da-mata resiste às mudanças climáticas, com uma capacidade de adaptação genética diante do estresse ambiental. O “Rádio Novelo Apresenta”, produção da Rádio Novelo, mergulha em uma pesquisa científica que destaca o passado genético dos calangos-da-mata para entender sua resiliência em áreas cada vez mais devastadas e em mutação. No segundo ato, o episódio descreve o estresse psicológico da população de Santa Bárbara (MG), onde há uma barragem de rejeitos, com sirenes de emergência que já dispararam indevidamente pelo menos seis vezes desde a instalação, causando pânico nos moradores.
👩🏽🏫 Educação
O Pará vai destinar apenas R$500 mil para a educação indígena em 2025, orçamento 85% menor que o destinado para em 2024. O valor corresponde a 0,001% do orçamento total do estado, que é de cerca de R$ 48 bilhões, segundo a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2025, aprovada na Assembleia Legislativa no final do ano passado, e a 0,005% do total da Secretaria de Educação do Pará. O Amazônia Vox destrincha a redução de investimento na educação indígena paraense. “O impacto financeiro é significativo e parece ser uma estratégia do governo para sucatear a educação indígena, que já é precária devido à falta de apoio do Estado”, afirma o professor indígena Marcelo Borari, que atua há no Sistema de Organização Modular de Ensino Indígena (Somei) há 10 anos na região do baixo rio Tapajós.
Muito boa curadoria! Parabéns!
Legal a edição, mas um dos textos chama o autismo de "doença", o equiparando ao câncer. Autismo não é doença, nem é mais considerado um transtorno, sendo melhor chamar de neurodivergência ou condição.