O efeito da tornozeleira em Bolsonaro e a aprovação do ‘PL da Devastação’
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🔸 “Jair Bolsonaro (PL) deu motivos para ser preso preventivamente, e não só usar tornozeleira eletrônica. Alexandre de Moraes escolheu poupá-lo”, afirma Rafael Mafei, professor de Direito na USP e na ESPM, sobre as medidas cautelares contra o ex-presidente tomadas na sexta-feira. Em artigo na revista piauí, o advogado explica que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) tinha os três requisitos para determinar a prisão preventiva do ex-presidente: indícios de crimes, autoria e risco à aplicação da lei penal. “Comecemos pelos crimes: nem a família Bolsonaro nega que Eduardo [Bolsonaro] viajou aos Estados Unidos no intuito de conseguir sanções pessoais às autoridades que investigam e processam seu pai”, escreve. “É certo que o risco de fuga nunca pode ser calculado com exatidão, e os apoiadores de Bolsonaro dirão que ele estava longe de pegar um jatinho dando uma banana para o Brasil (...). Mas, se o objetivo de uma medida cautelar é se antecipar ao dano, podemos dizer que Moraes foi até generoso”, completa Mafei.
🔸 Depois da tornozeleira em Bolsonaro, os ministros do STF foram alvo de retaliação dos Estados Unidos. Na sequência da decisão de adotar medidas cautelares – assinada pelo relator Alexandre de Moraes e referendada pela 1ª Turma do Supremo –, Donald Trump decidiu suspender os vistos de oito dos 11 ministros da Corte. A medida anunciada pelo secretário de Estado norte-americano Marco Rubio foi justificada pela suposta “caça às bruxas” a Bolsonaro. A CartaCapital conta que a Corte reagiu de forma coesa. Mesmo os três ministros que não foram alvos diretos da suspensão de vistos – André Mendonça, Kassio Nunes Marques e Luiz Fux – manifestaram solidariedade aos colegas e reforçaram o compromisso conjunto com a independência do Judiciário.
🔸 Em tempo: a “concreta possibilidade de fuga” do ex-presidente foi fator determinante para que fossem impostas medidas cautelares, segundo a Procuradoria-Geral da República. A PGR também destacou a participação de Bolsonaro em ações do filho para pressionar os EUA a impor sanções ao Brasil, em troca de impunidade. O Aos Fatos detalha os motivos que levaram Alexandre de Moraes a determinar tornozeleira eletrônica, recolhimento noturno e outras restrições a Jair Bolsonaro. A decisão do STF citou ainda as transferências de dinheiro feitas por Bolsonaro ao filho – que somam R$ 2 milhões –, além de publicações que associam a sobretaxa americana à defesa do ex-presidente.
🔸 Pouco depois de colocar a tornozeleira, Bolsonaro afirmou que a acusação da PGR é “vazia”. A checagem da Lupa mostra o oposto: o documento do órgão reúne provas materiais e testemunhos que ligam o ex-presidente à tentativa de golpe, incluindo áudios, planos armados e minutas de ruptura. Bolsonaro também negou ter cogitado fugir, embora tenha se refugiado na embaixada da Hungria em 2024 e dito ao New York Times que cogitaria pedir asilo. O réu no STF ainda contradisse o filho Eduardo, que admitiu articulações com o governo Trump e comemorou o tarifaço contra o Brasil.
🔸 Em meio ao processo de recuperação da popularidade de Lula, o Planalto se preocupa agora com o efeito político da atuação do Supremo. A avaliação é de que as medidas de Moraes, ao reforçarem o papel político de Bolsonaro, podem prejudicar a melhora da aprovação de Lula. E também movimenta o cenário político para 2026: depois de um período de silêncio, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), aproveitou a operação da Polícia Federal para demonstrar lealdade ao ex-presidente e se reposicionar junto ao bolsonarismo. O candidato “favorito da Faria Lima” às eleições presidenciais fez uma defesa genérica de “eleições livres” e criticou “sucessão de erros”, tentando agradar tanto à base radical quanto ao centro. O Jota informa que, apesar dos acenos, Bolsonaro reafirmou sua intenção de manter a candidatura até o fim, frustrando os planos de Tarcísio e do Centrão de construir uma alternativa viável à direita. Impedido de usar redes sociais, o ex-presidente tem recorrido a entrevistas, nas quais sustenta que é o único capaz de derrotar Lula.
📮 Outras histórias
Italiano que escolheu viver na comunidade de Mãe Luiza, em Natal, a partir dos anos 1980, padre Sabino Gentili deixou importante legado na capital do Rio Grande do Norte: o Centro Sócio-pastoral Nossa Senhora da Conceição, que segue ativo com creches, cursos, escola, ginásio, casa de idosos e ações comunitárias que impactam cerca de mil pessoas por dia. A Saiba Mais relembra a trajetória do clérigo, morto em 2006, aos 60 anos. Inspirado pela Teologia da Libertação e pela Conferência de Puebla, ele “radicalizou” e foi para o morro, como afirma o padre e amigo Robério Camilo, sucessor de Sabino em Mãe Luiza. “Ele teve a coragem e a ousadia de entrar num processo de conversão pessoal. Deixou o conforto da sua vida salesiana e veio morar numa casa simples em Mãe Luiza. E o motivo foi a dor, o grito do povo aqui de Mãe Luiza e o desejo de fazer uma experiência evangélica mais radical. De fato, ele fez. Plantou sementes. Nós estamos colhendo frutos e adubando as árvores que essas sementes produziram aqui no território de Mãe Luiza”, diz Camilo.
📌 Investigação
Com aprovação do PL 2.159/2021, o “PL da Devastação”, terras indígenas (TIs) não homologadas poderão ser excluídas das exigências formais de análise nos processos de licenciamento ambiental, impactando diretamente sítios arqueológicos da Amazônia Legal. Análise inédita da InfoAmazonia, em parceria com o projeto Amazônia Revelada, mostra que, entre 109 TIs não homologadas, foram identificados pelo menos 90 sítios arqueológicos cadastrados no Sistema Integrado de Conhecimento e Gestão do Patrimônio Cultural (SICG), do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Além dos sítios cadastrados, existem milhares de registros arqueológicos que permanecem fora das ferramentas oficiais de proteção: 2.114 sítios já foram identificados em campo, mas ainda não possuem informações suficientes para o registro completo no SICG, fazendo com que não sejam considerados em análises de impacto territorial.
🍂 Meio ambiente
“O ‘PL da devastação’ tem sido promovido como um alívio de burocracia para projetos de ‘baixo impacto’, mas é muito mais do que isso. Primeiro, a definição de projetos de ‘baixo’ e ‘médio’ impacto é vaga, permitindo que projetos com impactos maiores sejam beneficiados”, afirma Philip Fearnside, biólogo e pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Em artigo no Conversation Brasil, ele analisa as implicações do projeto de lei 2.159/2021, aprovado pelo Congresso na semana passada. A proposta tem potencial para essencialmente extinguir o sistema de licenciamento ambiental brasileiro, contrapondo o discurso ambiental do Executivo. “Mesmo que o presidente vete a lei após sua aprovação, os blocos antiambientais no Congresso Nacional terão mais do que os 60% dos votos necessários em cada casa para derrubar o veto.”
📙 Cultura
Com mais de cinco décadas de dedicação às artes plásticas, João Cândido da Silva vive na zona norte de São Paulo, longe dos circuitos de arte. Em 1973, integrou a 1ª Mostra Coletiva da Cultura Negra no Museu de Arte de São Paulo (MASP). Em 1982, ele expôs seu trabalho em Nápoles, na Itália, e em 1994 participou da 2ª Bienal Brasileira de Arte Naïf. Entre pintura, escultura, colagens e instalações, com cores vivas, João retrata cenas populares marcadas pela ancestralidade negra e pela cultura afro-brasileira, como caboclos, terreiros, escolas de samba e favelas. O Nonada narra a trajetória do artista, que hoje, aos 92 anos, sonha em transformar seu ateliê caseiro, onde reúne dezenas de obras, arquivos e documentos históricos, em centro cultural para estudantes, pesquisadores e moradores da região. “A arte tem que circular, tem que chegar nas crianças”, afirma.
🎧 Podcast
“A população negra é a mais impactada [por desastres causados por barragens]”, afirma a bióloga e pesquisadora em geociências Maíra Silva, a partir de levantamentos das populações afetadas pelo rompimento das barragens em Brumadinho, em 2019, e em Mariana, em 2015. O “Cena Rápida”, produção do Desenrola e Não Me Enrola, traça o histórico de construção e uso dessas estruturas – como abastecimento de água, mineração e hidrelétrica – ao longo dos anos e o que representam para o meio ambiente e para as populações dos territórios. “Esses empreendimentos são construídos no que chamamos de ‘zonas de sacrifício’, e o Estado, ao permitir, demonstra a não importância em relação a essas pessoas.”
👩🏾⚕️ Saúde
Sancionada em maio, a Política Nacional de Humanização do Luto Materno e Parental, que será incorporada ao SUS, trata do acolhimento a famílias que enfrentam a perda de um filho durante ou até 27 dias depois da gestação – período neonatal. A lei garante que as mães enlutadas sejam acomodadas em alas separadas na maternidade e o direito à realização ou não de rituais fúnebres e de atribuir nome ao natimorto. Além disso, assegura às mulheres que tiveram perdas gestacionais o acesso aos exames necessários para a investigação do motivo do óbito, à assistência psicológica e ao acompanhamento específico em uma próxima gestação. Segundo a Gênero e Número, apesar do avanço legal, a política ainda esbarra no despreparo dos profissionais de saúde. “O nascimento é um evento comemorativo. Quando ele acontece com um feto morto, muitas vezes o próprio profissional da saúde não sabe como lidar com isso”, diz a ginecologista e obstetra Inessa Beraldo, vice-presidente da Comissão Nacional Especializada em Gestação de Alto Risco da Federação Brasileira das Associações em Ginecologia e Obstetrícia.
Ótimo retorno pessoal!! A audiência continua alta!! Parabéns!