O domínio de homens nas eleições e um primata sob ameaça na Caatinga
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🔸 “O processo de destruir é sempre mais rápido do que o de reconstruir”, diz Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima. Quando trata de destruição, ela se refere à gestão de Jair Bolsonaro (PL), quando políticas públicas e a fiscalização ambiental foram enfraquecidas. Agora, quando o Brasil concentra mais de 70% das áreas afetadas pelo fogo na América Latina, ela afirma que o governo está focado em ações de curtíssimo, médio e longo prazos. Em entrevista ao Intercept Brasil, a ministra explica: “No curtíssimo prazo, é o enfrentamento que nós estamos fazendo. No médio, são medidas de natureza mais preventiva. No longo prazo, é que a gente consiga ter uma população que entenda que o uso do fogo em um contexto de mudança climática, de eventos climáticos extremos, não tem força humana que consiga conter se as pessoas não pararem de queimar”.
🔸 Com brigadas comunitárias, um projeto piloto no Baixo Tapajós (PA) pode ser modelo de prevenção e combate ao fogo para a Amazônia e outros biomas. O sucesso da iniciativa foi comprovado em julho de 2024, quando incêndios foram controlados rapidamente graças à participação dessas brigadas e à cooperação com o ICMBio. Em artigo no The Conversation, a bióloga Angela Pellin e o geógrafo Fernando Rodovalho detalham a iniciativa que adota a estratégia do manejo integrado do fogo e se vale de brigadas comunitárias (aquelas ligadas ao território) e voluntárias (quando pessoas se voluntariam para atuar num território). Ambas precisam ser treinadas e trabalhar com os equipamentos adequados. “O papel dessas brigadas vai muito além do combate aos incêndios florestais. A maioria desses coletivos atua com ações de educação ambiental e prevenção, e tem capacidade de articulação e diálogo nos territórios onde vivem ou atuam.”
🔸 Os homens continuam a dominar os recursos de campanha eleitoral no país, embora as mulheres sejam a maioria da população. Eles concentram 71,5% do montante declarado à Justiça Eleitoral, segundo levantamento da plataforma 72horas.org, feito em parceria com o Congresso em Foco. A análise dos dados mostra que R$ 2,4 bilhões foram distribuídos entre os candidatos, e R$ 972 milhões entre as candidatas. Os números são atualizados a cada 72 horas. A maior desproporcionalidade entre gêneros está nas doações privadas: os homens recebem 82% desses recursos (cerca de R$ 358 milhões, segundo atualização da semana passada). “Isso é um reflexo da nossa cultura. Normalmente, os homens são os que mais participam na política, homens que não são políticos, mas que estão virando ‘sócios’ do candidato, é onde o dinheiro está. Aqui está a sociedade”, afirma Drica Guzzi, cofundadora da plataforma.
🔸 Não bastasse a desigualdade de recursos, as candidatas sofrem misoginia e transfobia nas redes sociais. Mulheres como Tabata Amaral (PSB-SP), Maria do Rosário (PT-RS) e Duda Salabert (PDT-MG) têm suas propostas ofuscadas por ataques que difamam seu trabalho e até sua vida pessoal. É o que expõe o MonitorA, observatório de violência política de gênero online do Instituto AzMina, Núcleo Jornalismo e InternetLab. A ferramenta analisou dados de transmissões de debate em Natal (RN), Goiânia (GO), Belo Horizonte (MG), São Paulo (SP), Curitiba (PR) e Porto Alegre (RS). Eram 18 homens candidatos e oito mulheres. Foram ao todo 1.680 comentários ofensivos, dos quais 11% foram classificados como ataques diretos e 24,3% como insultos.
🔸 A violência armada nas eleições: somente neste ano, cinco pessoas, entre candidatos, políticos, assessores ou apoiadores, foram baleadas e morreram. Em menos de uma semana, no Pará, foram três casos contra candidatos. O Fogo Cruzado contabilizou ao todo 13 ataques com pessoas envolvidas em política em 2024 e lembra que a violência armada aumenta no período eleitoral. No entanto, os dados sobre o tema são escassos, tampouco existe uma política pública para reduzir a violência.
📮 Outras histórias
Seis “afrotecas” serão instaladas em municípios da região oeste do Pará. “Composta por livros, jogos, brinquedos e instrumentos musicais, a afroteca é uma tecnologia educacional antirracista construída para acolher crianças, cuidar, educar e ler em perspectiva afrocentrada”, explica ao Obidense Luiz Fernando França, coordenador do projeto “Kiruku: educação para relações raciais e literatura infantil antirracista nos CEMEIs do município de Santarém (PA)”. Ele se reuniu com secretários municipais de Belterra, Monte Alegre, Alenquer e Oriximiná, cidades que receberão as novas afrotecas pelo projeto, que é financiado pelo Ministério da Igualdade Racial.
📌 Investigação
Cinco territórios indígenas da Amazônia Legal pendentes da assinatura do ministro Ricardo Lewandowski (Justiça e Segurança Pública) estão três vezes mais pressionados pela agropecuária do que os três declarados pela pasta no início deste mês. Segundo análise da InfoAmazonia, no raio de 10 km das terras indígenas (TIs) encaminhadas para sanção presidencial, foram desmatados 18,6 mil hectares entre 1985 e 2022. Já nas cinco TIs pendentes, o desmatamento somou 67,6 mil ha no mesmo período, uma proporção 3,6 vezes maior do que o dos territórios recém-declarados pelo ministério.
🍂 Meio ambiente
O avanço dos pastos sobre a Caatinga deixa os guigós-da-caatinga cada vez mais desprotegidos. Essa espécie endêmica de macaco é considerada “Criticamente Em Perigo de Extinção”, pela avaliação nacional do ICMBio, e já foi até mesmo considerada um dos 25 primatas mais ameaçados do mundo pela publicação internacional “Primates in Peril”. Sua área de ocorrência está associada às florestas da Caatinga, da Bahia até o oeste de Sergipe, uma região cada vez mais desmatada para o avanço da pecuária. O Eco detalha que apenas entre 1985 e 2021 – o equivalente ao tempo de vida de quatro a cinco gerações de guigós – mais de um quarto da vegetação nativa do bioma no habitat do guigó foi abaixo para virar pastagem.
📙 Cultura
Crônicas policiais publicadas em jornais de Recife (PE) nos anos 1960 e 70 associavam gays e travestis ao crime, com um julgamento moral que ampliava a violência contra essa população. “A crônica policial dos jornais, a exemplo do que também ocorria no cinema e no teatro, explorava o estereótipo da travesti como figura exagerada e de personalidade histriônica”, escreve o jornalista Alexandre Figueirôa na série “Antes do Orgulho”, da revista O Grito!. “Os redatores se esmeravam em descrever o comportamento delas com a clara intenção de ridicularizá-las e, embora entre os fatos noticiados muito deles não tivessem grande valor jornalístico, serviam para corroborar o senso comum de que a homossexualidade era uma ameaça a sociedade, justificando o controle e o seu combate pelas forças de segurança.”
🎧 Podcast
Iniciativas de escolas do sertão nordestino contextualizam a convivência com o Semiárido para combater os preconceitos sobre o território, reduzir a estigmatização e fortalecer a noção de pertencimento. O primeiro episódio da série “Sertão do Futuro”, produção da Cajueira, narra uma visita à comunidade de Massaroca, em Juazeiro (BA), para acompanhar a rotina das crianças da Escola Municipal de Tempo Integral Professora Valdete Bispo Gama que, em seu processo educativo, valoriza e conecta o ensino à cultura local. O especial é resultado das Bolsas de Reportagem “A Primeira Infância como Pauta Prioritária”, promovidas pela Associação de Jornalismo Digital (Ajor) e pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal.
🧑🏽🏫 Educação
Inauguradas em diversas cidades brasileiras, as "bebetecas" – bibliotecas para bebês – promovem a formação literária na primeira infância. São espaços pensados para incentivar o brincar, com mobiliários e brinquedos educativos, e devem incluir também os cuidadores. O Porvir explica como funcionam as bebetecas e seus benefícios para o desenvolvimento infantil. “A questão do livro é muito cara e muito especial nesse espaço, porque também é um convite, um instrumento poderoso para esse adulto e para essa criança estarem ali juntos, fortalecendo seu vínculo nesse mundo imaginário e importante da formação leitora”, afirma a empreendedora social Ana Maria Bastos, fundadora da produtora Descobrir Brincando.