Uma casa da ditadura ao lado da Rocinha e o legado de MC Marcinho
Uma curadoria do melhor do jornalismo digital, produzido pelas associadas à Ajor. Novos ângulos para assuntos do dia
Oi, gente,
Hoje a Brasis completa um ano. A edição de estreia saiu exatamente em 1º de setembro de 2022. Estávamos em meio às eleições, e a newsletter buscava equilibrar as notícias quentes e as investigações jornalísticas de um país em polvorosa com narrativas de fora do eixo Rio-São Paulo, histórias das periferias das metrópoles, o cotidiano dos povos das florestas – tudo produzido pelo melhor do jornalismo digital brasileiro.
Desde então, seguimos o caminho da curadoria pela via da pluralidade, para cumprir a proposta de apresentar novas perspectivas do noticiário e ampliar a visibilidade de assuntos menos explorados pela imprensa tradicional.
Obrigada a vocês que nos acompanham todos os dias. E vida longa para a Brasis!
Audrey Furlaneto
editora
🔸 Ao lado da Rocinha, durante a ditadura, havia uma casa de tortura. Não se sabe a localização exata, mas os detidos lembram-se de sentir o cheiro do mar e ver o Hotel Nacional, em São Conrado, bairro vizinho da favela, na zona sul do Rio de Janeiro. Com a construção do então Túnel Dois Irmãos (atual Zuzu Angel), em 1971, é provável que tenha sido demolida. Embora não existam registros de moradores da Rocinha vítimas de tortura na casa, a comunidade vivia intensa mobilização de lutas populares nos anos 1970 e 1980. O Fala Roça obteve documentos segundo os quais Antonio de Oliveira Lima, um antigo líder comunitário da Rocinha, tornou-se vítima da repressão, foi perseguido, preso e torturado. Também o jornal comunitário pioneiro da favela, O Tagarela, não escapou da ditadura e se valia de estratégias para contornar a censura do regime.
🔸 Os ministros Cristiano Zanin e Luis Roberto Barroso votaram contra o marco temporal. Com isso, o placar do julgamento no Supremo Tribunal Federal está em 4 a 2 contra a tese segundo a qual os povos indígenas só teriam direito às áreas que ocupavam em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição. O Nexo destaca que, depois de votos que desagradaram a base do governo, Zanin, que foi indicado por Lula ao cargo, classificou a tese defendida por ruralistas como um “retrocesso”. O julgamento será retomado na semana que vem.
🔸 Em vídeo: “Bolsonaro deixou nosso Supremo Tribunal Federal com dois ministros conservadores. Lula acaba de botar o terceiro. Basta que o próximo presidente eleito venha do bolsonarismo, e esta não é uma hipótese absurda, e indique mais três ministros para que o nosso Supremo se torne uma Corte de maioria conservadora”, afirma Pedro Doria no “Ponto de Partida”, do Meio. Segundo ele, o direito ao casamento homoafetivo no Brasil, por exemplo, seria a “primeira vítima”. “A escolha de Zanin pode ter sido um erro trágico”, completa.
🔸 Nos oito depoimentos simultâneos que a PF coletou ontem, os interrogados adotaram estratégias diferentes. Michelle e Jair Bolsonaro (PL) ficaram em silêncio, bem como outros assessores do ex-presidente. Não foi o caso de Mauro Cid, o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. A CartaCapital informa que ele falou à Polícia Federal ao longo de nove horas. Um dos objetivos da PF é confirmar se Bolsonaro recebeu dinheiro pela venda das joias recebidas por ele em viagens oficiais.
📮 Outras histórias
Única associação de Pernambuco autorizada a produzir maconha medicinal, a Aliança Medicinal tem um laboratório em Olinda desde 2020. É uma das quatro do país liberadas pela Justiça para cultivar e fabricar o óleo medicinal da cannabis. Surgiu a partir de uma luta pessoal: Hélida Lacerda, hoje presidente da associação, buscava alternativas para o tratamento do filho, que tinha cerca de 80 convulsões por dia. A produção aos poucos se expandiu para ajudar mais pessoas – hoje são 3 mil associados e cerca de 30 colaboradores, entre outros, médicos e farmacêuticos. O Marco Zero narra a história da Aliança Medicinal e descreve, em vídeo, como se dá a produção do óleo medicinal, do cultivo à extração e comercialização.
📌 Investigação
A expansão do cultivo de soja tem aumentado a incidência de câncer e o risco de morte. O InfoAmazônia apresenta uma análise inédita realizada em conjunto com Tatiane Moraes, pesquisadora colaboradora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que estima as chances de desenvolver câncer quando em contato com lavouras com uso intensivo de agrotóxicos. De acordo com a reportagem, “o levantamento revela que crianças de municípios mato-grossenses com mais de 5% da área dedicada à produção de soja podem chegar a ter 33% a mais de chances de desenvolver linfoma não-Hodgkin e 26% de desenvolver ou morrer de leucemia até os 19 anos”. Atingindo crianças e adolescentes, os casos de leucemia cresceram 145% de 2008 até 2017 no norte do Mato Grosso, onde se concentra a produção de soja.
🍂 Meio ambiente
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, barrou a exploração de petróleo no Arquipélago de Abrolhos, litoral da Bahia. “A gente não vai ficar enrolando empreendedor. Não vai ter licença para exploração de petróleo em Abrolhos”, explica ela. O epbr conta que Abrolhos está localizado a cerca de 70 km de Caravelas, no sul da Bahia. A partir de pareceres ambientais que apontam restrições ambientais no litoral do estado, o Ministério Público Federal já se opôs à oferta de blocos para empresas petrolíferas no passado. Rodrigo Agostinho, presidente do Ibama, conta que a equipe técnica do órgão recebeu um pedido de reconsideração enviado pela Petrobras que segue tentando reverter a negativa para a perfuração na Bacia da Foz do Amazonas.
Com a chegada da primavera, o tráfico de animais aumenta – e a fiscalização se intensifica. O mês de setembro marca a chegada das flores, das matas mais verdes, com mais frutos e também mais animais silvestres se reproduzindo. O Fauna News descreve a época como um cenário propício para o tráfico, principalmente de ovos e filhotes. A reportagem explica que os traficantes mapeiam locais onde as aves vão colocar ovos e aguardar o momento da “choca”. Em geral localizados em mata fechada, são pontos de difícil fiscalização. O monitoramento para combater o tráfico acontece com maior eficácia quando os caçadores se valem de armadilhas de espera ou até mesmo armas.
📙 Cultura
A cantora Bebel Gilberto faz uma homenagem ao pai, João Gilberto, com o álbum “João”. São releituras da obra do compositor, um dos maiores nomes da história da música brasileira, morto há quatro anos. Segundo o Farofafá, as 11 faixas do disco trazem um aspecto afetivo e fazem “uma ponte entre tempos históricos diversos”. Além de se aproximar das vivências do pai ao regravar as letras musicais, Bebel também remete o ouvinte à voz de Miúcha, sua mãe, que morreu em 2018. O álbum conta com clássicos como “Undiú” e “Valsa”, compostas por João; “Eu Vim da Bahia” (1965), de Gilberto Gil; “Ela É Carioca”, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes; e o bolero “Eclipse”, da cubana Margarita Lecuona.
O longa-metragem “As Vitrines” dá vida à história de brasileiros refugiados em meio ao golpe do Chile. Foi na embaixada da Argentina, que estava acolhendo pessoas em busca de asilo, que o casal Elisabeth Vargas e Jorge encontraram refúgio em 1973. A Quatro Cinco Um destrincha as vivências do casal, que tentou fugir da ditadura brasileira e, em seguida, viu “o sonho do governo socialista democrático do Chile ser bombardeado junto com o La Moneda”, como descreve a reportagem. O filme reuniu atores argentinos, uruguaios e brasileiros e tem estreia prevista para 2024.
🎧 Podcast
As visões pré-estabelecidas atrapalham o desenvolvimento socioeconômico das cidades? Este é o tema central do “AutentiCIDADES”, produção do Juicyhub em parceria com o Geopanoramas. No episódio piloto, Estela Damato, especialista em economia das cidades, economia urbana e políticas públicas, debate sobre a otimização do território urbano. Nas próximas semanas, o programa abordará temas como a saúde mental nas cidades ou ainda aspectos dos territórios que possam ir além de tecnologia, infraestrutura, arquitetura e urbanismo. Educação como agente de mudança nas cidades, o impacto do jornalismo local e a vulnerabilidade social também são alguns dos assuntos que norteiam a discussão sobre uma cidade mais justa e sustentável.
💆🏽♀️ Para ler no fim de semana
Conhecido como o príncipe do funk, MC Marcinho deixa vasto legado aos artistas das periferias. O cantor, que morreu no último sábado após complicações de uma parada cardíaca, marcou o cenário musical dos anos 1990. A Agência Mural reúne relatos de MC Soffia, MC Lalao do TdS e Valesca Popozuda, que contam a influência de Marcinho dentro do funk melody. Com letras românticas e beat mais lento, as composições do cantor ditaram o rumo da música na época e se tornaram referência também para a nova geração. “Pra mim, o que fica de importante é ele ter aberto as portas com muita luta para que os artistas jovens de hoje estivessem em melhores condições de trabalho, cachê e reconhecimento”, diz a cantora MC Soffia.
Acompanho a Brasis há alguns meses e tenho gostado muito. Parabéns pelo trabalho e vida longa!!
Vida longa para umas das melhores newsletters do Brasil (e que por muito pouco também não faz parte da longa lista de newsletters que aniversariam em agosto)!