A dispersão da Cracolândia pela polícia e a queda no desmatamento no país
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🔸 O presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Ednaldo Rodrigues, foi, mais uma vez, destituído do cargo. A decisão partiu do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, com base numa denúncia de que a assinatura usada para mantê-lo no posto era falsa. A assinatura seria do ex-presidente da CBF “coronel Nunes”, apontado como incapaz cognitivamente. A nova crise se desenrola depois que a revista piauí revelou gastos suspeitos e denúncias de assédio na CBF, aumentando a pressão sobre o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que havia reconduzido Rodrigues ao cargo em 2024. O magistrado tem laços próximos com a CBF: além de indicar diretores, a organização da qual o ministro é sócio mantém um contrato milionário da entidade. Depois de críticas públicas após a reportagem, Gilmar Mendes recuou: determinou a reabertura do processo no TJ-RJ, abrindo caminho para que o desembargador Gabriel Zefiro – aliado da família Zveiter, opositora de Rodrigues – emitisse a liminar de afastamento.
🔸 A condenação da deputada Carla Zambelli (PL-SP) a dez anos de prisão pelo STF gerou um impasse jurídico e político sobre a perda de seu mandato. O ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, defende a extinção automática da função parlamentar, com base no artigo 55, da Constituição, alegando que a prisão superior a 120 dias impede Zambelli de comparecer a um terço das sessões. Já aliados da deputada e integrantes do PL e do Centrão contestam essa leitura: argumentam que só o plenário da Câmara pode cassar um mandato, como prevê outro inciso do mesmo artigo. A disputa amplia o conflito institucional entre Congresso e STF. A CartaCapital ouviu juristas sobre o embate – e as opiniões divergem. Lenio Streck e Alexandre Rollo defendem que a perda de mandato deve ser automática; já Acacio Miranda avalia que Moraes errou na fundamentação.
🔸 “A Cracolândia não acabou.” A afirmação é de Marcel Segalla, integrante do movimento social Craco Resiste, que acompanha a Cracolândia, na região central de São Paulo desde 2016. Desde domingo, o principal ponto de concentração dos usuários, a rua dos Protestantes, está esvaziado. Em entrevista à Agência Pública, ele explica que a dispersão não foi voluntária, mas sim motivada pela violência da Guarda Civil Municipal (GCM) que usou ameaças de morte e agressões para remover os usuários de drogas da região. “Fomos a campo, buscando as pessoas que conhecemos, e foi bastante difícil encontrar algumas delas. As pessoas saíram porque estavam apanhando demais, sobretudo nesta última semana, da GCM. Apanham sobretudo no rosto, quase como uma predileção, até parece uma orientação institucional. Isso caracteriza uma humilhação muito grande, em alguns casos a pessoa não consegue comer, beber água. Como se já não fosse difícil acessar água e comida na situação delas”, afirma Segalla. A dispersão, completa ele, dificulta o acompanhamento social e de saúde, interrompendo tratamentos e destruindo vínculos com famílias.
🔸 Também no centro de São Paulo, moradores da favela do Moinho foram alvo de violência policial nos últimos dias: a Polícia Militar paulista passou a escoltar operários da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU) para demolições na comunidade no contexto da revitalização da região central pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos). A comunidade está a menos de um quilômetro da Praça Princesa Isabel, para onde Tarcísio pretende levar parte da sede administrativa do governo. Ontem, informa a Ponte, os moradores celebraram o anúncio de um acordo entre os governos federal e estadual que garante subsídio total para a compra de imóveis de até R$ 250 mil. “Moradia não é mercadoria. A gente tem que ser exemplo para outras comunidades e para o Brasil inteiro. Que acontece isso com todas as pessoas pobres. É isso que a gente sempre cobrou: moradia com dignidade”, diz Yasmin Flores, presidente da Associação de Moradores da favela do Moinho.
📮 Outras histórias
Mesmo tendo recebido mais de 190 mil turistas em 2023, a Rocinha segue invisível no mapa oficial de turismo da Riotur: enquanto outros pontos da cidade têm indicações para turistas, as favelas do Rio de Janeiro são marcadas em amarelo, mas sem informações culturais ou turísticas. O apagamento também afeta outras comunidades como o Vidigal. O Fala Roça destaca que o turismo na Rocinha tem história desde os anos 1970 e hoje movimenta a economia local com mais de 200 iniciativas culturais. Guias locais denunciam que a falta de inclusão oficial reforça estigmas e inibe visitantes. “Soa como um alerta. Se o mapa oficial indica isso, vou achar que é perigoso”, diz Kamila Carvalho, baiana de 28 anos, que planeja visitar o Rio pela primeira vez. A promessa da Riotur de atualizar o mapa em 2023 nunca se concretizou.
📌 Investigação
Depois de descobrir que a filha de 13 anos foi estuprada, Rosie (nome fictício) iniciou os procedimentos legais, como boletim de ocorrência, exame de corpo de delito, profilaxia pós-exposição e pílula do dia seguinte. A gravidez, no entanto, só veio à tona após 23 semanas, e então se iniciou a saga pelo aborto legal. Emocionalmente abaladas, mãe e filha foram pressionadas pela Rede Nacional em Defesa da Vida e da Família até desistirem da interrupção da gestação. Um ano depois, a adolescente lida com depressão e ideações suicidas, enquanto Rosie lida com dificuldades financeiras para criar o bebê. O Catarinas e o Intercept Brasil revelam que o grupo antiaborto, formado por médicos, militares e religiosos e com atuação nacional e internacional, nunca mais apareceu para prestar apoio à família. “A juventude dela foi roubada. É como se um bandido tivesse entrado na minha vida e arrancado a minha filha de mim e tivesse ficado só o corpo dela aqui”, afirma Rosie.
🍂 Meio ambiente
Os alertas de desmatamento tiveram uma queda generalizada nos biomas brasileiros em 2024, de acordo com a nova edição do Relatório Anual do Desmatamento no Brasil, do MapBiomas. A área total desmatada no país recuou 32,4% em relação a 2023, enquanto o número de alertas do monitoramento feito pela organização caiu 26,9%. Apesar dos dados positivos, o Colabora lembra que o Cerrado foi o bioma com mais perda de vegetação nativa pelo segundo ano consecutivo. Em 2024, foram devastados 652.197 hectares, o que equivale a mais da metade do desmatamento em todo o país. A região do Matopiba – fronteira agrícola que abrange partes do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia – concentrou 75% do desmatamento do bioma e cerca de 42% de todo o país.
📙 Cultura
“Ler e interpretar uma obra literária, criando associações com outros conhecimentos, ajuda a nomear pensamentos que ainda não estão formulados simbolicamente”, afirma a psiquiatra, psicanalista e poeta Vanessa Corrêa. O Emerge Mag mostra como saraus e coletivos literários nas periferias criam uma rede de afeto e acolhimento em meio a violações de direitos que afetam a saúde mental dos moradores, como o racismo, a violência urbana e o desemprego. Segundo uma pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em parceria com o Ministério da Cultura, que mapeou a atuação de 292 dessas organizações nas periferias brasileiras em nove estados e no Distrito Federal, 89% dos entrevistados afirmam que a conexão entre literatura e saúde pode promover maior participação social e enfrentar o cenário de violações.
🎧 Podcast
Mais de uma década antes do lançamento do filme “Ainda Estou Aqui”, a jornalista Juliana Dal Piva entrevistou o militar Paulo Malhães, torturador à época da ditadura. Ele então admitiu a participação no assassinato e no desaparecimento do ex-deputado Rubens Paiva – foi o responsável pela ocultação do cadáver. Na “Rádio Escafandro”, produção da Rádio Guarda-Chuva, Dal Piva fala sobre os desafios de entrevistar torturadores e as tentativas de responsabilizar militares que cometeram crimes durante o regime, que seguem até hoje impunes. A jornalista lembra seu período na Argentina e como o país vizinho lidou com a punição de envolvidos com a ditadura e também com a memória dos mortos e desaparecidos, a quem chamam de “vítimas de terrorismo do Estado”.
💆🏽♀️ Para ler no fim de semana
“A sociedade valoriza o filho biológico porque tem o mesmo sangue. Família, a gente não mede pelo sangue, são os laços de afeto que legitimam as pessoas dizerem que são pai, mãe, filho, filha ou filhe”, afirma Erica Schwartz, mãe adotiva de Joey Amarante dos Anjos, hoje com 19 anos. A adoção aconteceu quando a menina tinha 9 anos, e a nova família apoiou seu processo de transição de gênero posteriormente. “Essa nossa relação de mãe e filha é rara para nós mulheres trans, ao mesmo tempo que é tão essencial para o nosso desenvolvimento pessoal. Fico muito feliz de poder ser quem sou e ter o apoio de quem mais importa pra mim”, relata Joey. A Agência Mural narra histórias de famílias periféricas que adotaram crianças mais velhas, da expectativa de ser chamada de “mãe” pela primeira vez ao acolhimento mútuo na construção dos vínculos afetivos e no enfrentamento de preconceitos.