

Discover more from Brasis
Os dez anos de junho de 2013 e os Racionais MC's na academia
Uma curadoria do melhor do jornalismo digital, produzido pelas associadas à Ajor. Novos ângulos para assuntos do dia
🔸 Mais uma vez, o Supremo Tribunal Federal (STF) adiou o julgamento sobre o marco temporal. Retomada na semana passada, na véspera do feriado, a análise da ação parou após um pedido de vistas do ministro André Mendonça, indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Para ele, o caso é complexo e exige mais tempo. Antes dele, já havia votado o ministro Alexandre de Moraes, que, seguindo o relator Edson Fachin, votou contra o marco temporal. O Eco informa que o placar agora está em dois votos contra e um a favor da tese, segundo a qual são passíveis de titulação apenas as terras indígenas ocupadas na data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988. Segundo o regimento do STF, o julgamento precisa ser retomado em, no máximo, 90 dias.
🔸 Diante do adiamento, movimentos indígenas prometem intensificar as mobilizações em Brasília, além de manter o acampamento na Esplanada dos Ministérios. A Mídia Caeté conta ainda que diversas estratégias já foram traçadas para manter os atos durante os 90 dias, até que o STF retome o julgamento. Os movimentos temem que a demora na votação possa alterar os votos na Corte. Há uma tendência de que os ministros apontem inconstitucionalidade no marco temporal, o que derrubaria o projeto de lei aprovado pela Câmara em regime de urgência. “Não podemos ser reféns de bancadas ruralistas, evangélicos fanáticos, que põem em risco toda a humanidade. Não se trata de uma causa dos indígenas, e sim da humanidade”, afirma Marcos Sabarú, da Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo.
🔸 “Consideramos a Mãe Terra como a primeira mulher indígena. Quando uma mulher indígena nasce, é parte da Mãe Terra que se expande. (...) Cuidar da Terra significa garantia de continuidade da vida. Uma Terra fértil apresenta, como consequência, diversidade de vidas. Esse corpo-mulher precisa ser cuidado o tempo todo.” A partir dessa perspectiva, Danielle Gonzaga de Brito, do povo Munduruku, articuladora nacional do coletivo Mulherio das Letras Indígenas, escreve artigo contra o marco temporal na Gênero e Número. Segundo ela, “entender a Terra como um recurso que precisa ser apenas consumido desequilibra a relação entre todos os que a ela pertencem”. Danielle completa: “A tese [do marco temporal] nega e anula qualquer contribuição dos povos indígenas para esse território. Nega nossas práticas de sobrevivência. Nega nossas tecnologias, ciências, epistemes, nossos grafismos, nossos corpos. Nega toda nossa cosmogonia. Dessa maneira, nega ainda a contribuição dos povos indígenas para o planeta”.
🔸 Transporte público, direito à cidade, black blocs, gastos públicos, repressão policial: não eram poucas as pautas e reivindicações nas manifestações de junho de 2013. O ato de ocupar as ruas para manifestações, desde então, ganhou diferentes capítulos na história recente do país. No especial “10 anos de Brasil nas ruas”, a Agência Pública apresenta uma série de reportagens que vai desde o momento atual do Movimento Passe Livre, que deu o pontapé em 2013, até a ocupação das ruas pela direita e o perfil dos manifestantes no país.
📮 Outras histórias
Em Pernambuco, há uma cidade onde é raro alguém nascer. Localizada no agreste do estado, a 117 km de Recife, Surubim já teve filhos ilustres, como Chacrinha, e até possui um hospital-maternidade, mas as cesáreas são feitas apenas se estiverem agendadas e exclusivamente às terças-feiras, único dia da semana em que estão presentes o médico obstetra e o anestesista. Segundo a Marco Zero, se uma gestante chegar ao Hospital São Luiz precisando de uma cesárea de emergência, é preciso fazer sua transferência para outra cidade. Também não são feitos partos normais, a não ser que a gestante esteja em período expulsivo (quando a mãe está com dez centímetros de dilatação e já faz força para o bebê nascer). A falta de equipe e a violência obstétrica deixaram marcas em mulheres da cidade, que relatam à reportagem situações traumáticas nos momentos que antecedem o parto.
Vereadores de Curitiba aprovaram um pedido para que a prefeitura pare de distribuir comida à população vulnerável que vive no centro da cidade. O argumento é higienista: o vereador Eder Borges (PP) afirma que a distribuição de alimentos, além de atrapalhar o comércio local, estimula o surgimento de “pessoas más” na região da Praça Tiradentes, onde ocorre o projeto Mesa Solidária. O Plural lembra que já são várias as medidas higienistas desde o início da gestão de Rafael Greca (PSD). Houve, por exemplo, a troca de abrigos no centro por outros mais periféricos. O próprio Mesa Solidária tentou proibir a população de oferecer comida a pessoas em situação de rua, sob pena de multa. O prefeito recuou da ideia depois de o caso se tornar um escândalo nacional.
📌 Investigação
O governo Bolsonaro desidratou o Mais Médicos e criou um órgão “entre amigos”. Criada em março de 2020 por decreto presidencial, a Agência para o Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde (Adaps) tinha como plano colocar o Programa Médicos pelo Brasil em funcionamento para substituir o antigo Mais Médicos, criado pelo Partido dos Trabalhadores (PT). A revista piauí revela que o projeto se mostrou um “ninho de falcatruas”. Ao andar provisoriamente durante a pandemia, os prazos de inscrições eram curtos, com poucos concorrentes, e o cenário na agência era de jogo de interesses e várias irregularidades. “A composição do quadro de colaboradores foi pensada para pessoas com alguma ligação familiar, profissional ou de amizade. Muitos aprovados e contratados não tinham currículo para exercer o cargo. Existia perseguição e isolamento quando um chefe ou seu protegido era contrariado”, relata um funcionário.
🍂 Meio ambiente
O popular peixe corvina e a lagosta estão ameaçados. O ritmo de captura dos últimos anos está maior do que a capacidade de reprodução dos animais. Segundo o Projeto Colabora, os dados levantados pela Oceana, organização internacional focada exclusivamente nos oceanos, na Auditoria da Pesca, mostram que, de 117 espécies exploradas comercialmente no Brasil, apenas oito tinham sua situação cientificamente avaliada. Além disso, mais da metade das pescarias brasileiras não possui um bom conjunto de regras para promover o uso sustentável dos recursos e não tem qualquer monitoramento.
“Tinha papagaio, tatu, rã, vassourinha, araucária, araçá, cambuci, gabiroba, goiaba.” Maria Amélia Palma, de 76 anos, lembra da paisagem de Cidade Ademar, na zona sul de São Paulo, nos anos 1950. Para os biólogos, a descrição indica um típico cenário de Mata Atlântica, semelhante ao que se vê hoje na região de Parelheiros, no extremo sul. A Agência Mural compara o antes e depois do distrito da capital paulista e explica a ocupação desordenada do local como consequência das desigualdades sociais, além da série de impactos na vida da população. Com a perda das árvores e o processo de impermeabilização do solo, os pontos de absorção das águas das chuvas diminuíram. Somado à falta de saneamento e ao acúmulo de lixo, os rios entopem e ocasionam as enchentes.
📙 Cultura
A primeira coletânea de artigos acadêmicos sobre os Racionais MC’s foi lançada no último mês, intitulada de “Racionais MCs: Entre o Gatilho e a Tempestade”. “São pioneiros em vários aspectos, e têm uma produção estética que poucos grupos artísticos, seja na literatura, nas artes plásticas, no cinema, alcançam na história do Brasil”, afirma Acauam Oliveira, professor de Literatura da Universidade de Pernambuco (UPE), que assina um artigo na obra e é autor do prefácio da versão livro do álbum “Sobrevivendo no Inferno”. A Ponte, em texto publicado no Terra, detalha os caminhos que levaram o grupo, que completa 35 anos, a integrar cada vez mais os conteúdos nas universidades, em artigos, em referências de vestibular, além da presença em exposições e documentários.
O escritor Leo Motta já foi uma pessoa em situação de rua e hoje tenta chamar a atenção para o tema. Motta viveu durante seis meses debaixo das marquises na região conhecida como “cracolândia da Avenida Brasil”, no Rio de Janeiro, até ser resgatado por seu irmão e viver em uma associação por outros sete meses. Após voltar a trabalhar, decidiu criar uma conta nas redes sociais para contar as histórias de outras pessoas que vivem nas ruas. Em 2019, lançou o livro “Há Vida Depois das Marquises” e se tornou a primeira pessoa a ter vivido nas ruas a palestrar na Bienal Internacional do Livro na capital fluminense. O Maré de Notícias narra a trajetória do escritor, que lançou mais um livro e agora também está produzindo raps para que seus relatos cheguem ainda mais longe.
🎧 Podcast
O nhanderekó, como é chamado o sistema de vida dos Mbyá-Guarani, orienta todos os princípios do povo, inclusive a culinária, como explica a liderança indígena Kerexu Yxapyry, secretária de direitos ambientais e territoriais indígenas do Ministério dos Povos Indígenas. Além dela, o primeiro episódio da nova temporada do “Alimentação Ancestral”, produção do Catarinas, conversa com Kennedy Karai, liderança indígena e professor, sobre a importância do nhanderekó na alimentação. A indígena Mbyá-Guarani Lucia Benites e Julio Mariano, rezador da comunidade na TI Morro dos Cavalos, na Grande Florianópolis (SC), também compartilham seus saberes sobre a culinária ancestral de seu povo.
✊🏽 Direitos humanos
A infância da publicitária Sônia Maria Haas foi marcada pelo “desaparecimento” de um de seus irmãos mais velhos, João Carlos Haas Sobrinho, conhecido como Doutor Juca. Sem saber que vivia em uma ditadura ou o que significava isso, ela tinha 11 anos, em 1969, quando já não recebia mais qualquer informação sobre ele. “Eu não tinha muita consciência do que estava ocorrendo. Quando João viajou, não sabíamos que ele já estava envolvido com o partido [o PCdoB]”, afirma. O Nonada relata como Sônia tem buscado há décadas uma memória digna para João Carlos, que lutou na Guerrilha do Araguaia, no fim da década de 60 e início de 70. Ela passou também a investigar a própria história do irmão. “A história de João também desenha a minha história. Ela vai delineando minhas pegadas, meu caminhar, porque fui indo atrás da história dele e construindo a minha”, conta.