A despedida a Zé Celso e os órfãos dos feminicídios no país
Uma curadoria do melhor do jornalismo digital, produzido pelas associadas à Ajor. Novos ângulos para assuntos do dia
🔸 “Me despedi, desejei boa noite, o Zé falou que estava muito frio em São Paulo.” O dramaturgo e diretor Fernando de Carvalho havia conversado mais uma noite com José Celso Martinez Corrêa, com quem trabalhava de segunda a sábado, entre 20h e meia-noite, no projeto de adaptação do livro “A Queda do Céu”, de Davi Kopenawa. Antes de dormir, Zé Celso ligou o aquecedor. “Entre sete e oito da manhã da terça-feira, seu quarto estava em chamas, ao que tudo indica provocadas por algum problema com o aparelho elétrico”, narra a jornalista e escritora Maria Carolina Maia na revista piauí. Zé Celso não resistiu às queimaduras e morreu ontem, aos 86 anos. Nome incontornável da cultura brasileira, era ainda jovem quando se embrenhou na dramaturgia e, aos poucos, encontrou um caminho político, ao lado de colegas como Renato Borghi, Amir Haddad e de outros artistas com quem fundou o Teatro Oficina, em 1958, na Faculdade de Direito da USP. Em plena ditadura, criou a anárquica versão de “O Rei da Vela”, de Oswald de Andrade. A escritora conversa com atores e diretores forjados no Oficina e repassa a trajetória do artista: “Discípulo oswaldiano, Zé Celso casou Brasil e Grécia, Exu e Dionísio, a tropicália e o coro da tragédia”.
🔸 O estilo anárquico que marcaria toda sua obra jamais se curvou à ditadura. Depois de “O Rei da Vela”, ele levou aos palcos “Roda Viva”. “No dia 18 de julho de 1968, após mais uma noite de apresentação no galpão do Teatro Ruth Escobar (SP), cerca de 20 homens encapuzados do CCC (Comando de Caça aos Comunistas), armados de cassetetes e soco inglês sob as luvas, invadiram o local, depredaram o cenário, destruíram os equipamentos e espancaram os atores, principalmente as mulheres”, lembra a revista O Grito!. “Marília Pêra estava no elenco e foi agredida no camarim. Primeiro lhe bateram com um cassetete, depois suas roupas foram rasgadas e ela foi arrastada nua para a avenida.” A peça foi censurada.
🔸 Para ouvir: a arquitetura do Teatro Oficina faz do público um sujeito da cena. O prédio foi destruído por um incêndio, ainda nos anos 1960, e reconstruído. A história do edifício na rua Jaceguai, região central de São Paulo, é costurada à vida e à obra de Zé Celso. O “Durma com Essa”, podcast do Nexo, explica o contexto histórico em que o Oficina foi erguido e destaca que o espetáculo “O Rei da Vela” surgiu num ano histórico para o Brasil – 1967, quando Glauber Rocha lançou “Terra em Transe”, e Caetano Veloso, Gilberto Gil e companhia apresentaram ao país o tropicalismo.
🔸 A reforma tributária foi aprovada ontem, com folga, na Câmara dos Deputados. A sessão foi longa – começou às 11h e só terminou na madrugada de hoje – e havia resistência dos parlamentares. Num gesto simbólico, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), foi ao palanque para defender o texto. “ O país olha para esse plenário esperando uma resposta nossa para a aprovação de uma reforma tributária justa, neutra, que dê segurança jurídica e promova o desenvolvimento econômico e social”, disse. O Metrópoles ressalta que a alteração no modelo tributário era discutida havia cerca de 20 anos no Legislativo. O texto agora segue para o Senado.
🔸 A proposta também esteve no centro da reunião do PL ontem – e gerou um clima ruim entre o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seu potencial sucessor em pleitos futuros, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos). Um vídeo gravado por bolsonaristas dentro da reunião revela a tensão entre os dois. A CartaCapital descreve a cena em que Bolsonaro interrompe o governador, que foi viado por não se opor à reforma tributária, em votação na Câmara dos Deputados. “Se o PL estiver unido, não aprova nada”, afirmou o ex-capitão numa das interrupções.
🔸 Em meio às pautas econômicas no Congresso, o governo Lula liberou R$ 7,5 bilhões em emendas parlamentares nos últimos dois dias. A maior parte do montante (R$ 5,25 bilhões) foi destinada a emendas individuais, informa o Metrópoles. São as chamadas “emendas PIX”, uma modalidade que dificulta o rastreio do destino do dinheiro. Não são como o extinto orçamento secreto, já que o parlamentar é identificado. A finalidade do recurso, porém, é desconhecida.
📮 Outras histórias
Depois de nove meses em regime fechado no Centro de Recuperação Penitenciário de Santa Isabel, na região metropolitana de Belém (PA), A.J. voltou para casa com as costelas à mostra. Perdeu 24 quilos no período de detenção. A Alma Preta lembra que o presídio em que A.J. ficou recluso é o mais lotado do Pará e foi inspecionado entre novembro de 2022 e junho de 2023. Entre outras violações de direitos humanos, há casos de desnutrição entre os presos. “Tortura não é apenas bater”, afirma a defensora pública de execução penal, Anna Izabel Santos, presidente da comissão de inspeção penal no estado. Ela lista, além do uso excessivo do spray de pimenta, “a retirada total da alimentação como forma de punição”.
Em imagens: um Frei Damião com 34 metros de altura está instalado em Pirituba, cidade na região do brejo paraibano. É a terceira maior estátua do Brasil, depois do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, e de Santa Rita de Cássia, no Rio Grande do Norte. O Meus Sertões apresenta uma galeria de fotos de Severino Silva, fotógrafo paraibano que, depois de cinco décadas, retorna à Pirituba, sua cidade natal.
📌 Investigação
Não existem dados oficiais e nem políticas públicas voltadas para crianças órfãs do feminicídio. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública do ano passado, 1.341 mulheres foram mortas por feminicídio em 2021. Em 90% dos casos, o autor ou mandante do crime foi o companheiro ou ex-companheiro. Os pesquisadores estimam que cerca de 2.300 crianças e adolescentes tenham ficado órfãos naquele ano. O Sul21 destrincha os impactos do feminicídio para os filhos que tiveram seus lares destruídos. “Meus sobrinhos, durante toda a infância, tinham o pai como herói. E até o último momento do julgamento eles tinham esperança de o pai não ser um assassino”, conta Rosemary Hermógenes, irmã de Lilian Hermógenes, defensora pública, mãe de dois filhos e assassinada em 2016, a mando do marido.
🍂 Meio ambiente
Regiões oeste e sul da Amazônia têm menos chances de resistir a períodos de seca, que devem se intensificar cada vez mais com as mudanças climáticas. Essa é a conclusão de uma pesquisa feita por mais de 80 pesquisadores do mundo todo para mapear árvores em 11 locais da floresta, abrangendo Brasil, Peru e Bolívia, e publicada no final de abril na revista científica “Nature”. Ao longo de diversos meses, a equipe mapeou as condições de 540 árvores de 129 espécies diferentes. A InfoAmazonia explica que o estudo é importante especialmente porque a maioria das pesquisas é feita apenas nas regiões centro e leste do bioma, tradicionalmente mais resistentes a secas.
📙 Cultura
Com acervo grande e diversificado, o Museu do Ipiranga disponibiliza quatro novas curadorias digitais, desenvolvidas por pesquisadores e curadores, que trazem recortes temáticos sobre a história material do século 20, apresentados por meio de imagens, textos explicativos e referências bibliográficas. À Escotilha os profissionais explicam que a entidade abriga uma coleção desconhecida pela maior parte do público. “Ainda nos veem como um museu ligado aos feitos de Dom Pedro e ao período imperial, quando na verdade englobamos principalmente a história material do século 20”, afirma a professora Solange Ferraz de Lima, curadora e presidente da Comissão de Cultura e Extensão da instituição, que está sob a administração da USP desde 1963.
“A quebrada do meu sonho é todos olharem um para o outro.” A afirmação é de Daniel Almeida, produtor cultural e morador da favela do Campinho, na zona sul de São Paulo, no documentário “Espraiada Vive”, produzido por um coletivo de mesmo nome, sobre os moradores das 24 comunidades que integram a antiga avenida Água Espraiada, hoje conhecida com Roberto Marinho. Segundo a Agência Mural, a produção teve origem após uma oficina de audiovisual, em parceria com a TV Doc Capão, para alunos da região. “Acho que o ‘Espraiada Vive’ surgiu pelo grupo ser muito conectado com o território, com a história e a valorização das iniciativas que estão presentes”, conta André Luiz, fundador da TV Doc.
🎧 Podcast
Uma das substâncias mais utilizadas no mundo, a maconha vive entre o proibicionismo no Brasil em uma guerra às drogas que dura décadas, matando e encarcerando pessoas negras e pobres. Por outro lado, a erva passa por um momento de valorização, com a onda de indicações de substratos da cannabis para os mais variados fins terapêuticos. O “Ciência Suja”, produção da Rádio Guarda-Chuva, mergulha nas contradições do uso da cannabis. Embora já existam evidências para o tratamento de diversas doenças, há recomendações de uso também sem embasamento científico, que poderiam ser comprovadas ou descartadas se as pesquisas sobre o tema não fossem sabotadas pela proibição.
💆🏽♀️ Para ler no fim de semana
“O ambiente escoteiro é um dos poucos em que sinto que posso baixar a guarda.” Kauanny Moutinho tem 18 anos e participa do Grupo Escoteiro Romano 305º do Rio Grande do Sul. Com a ética de se tornarem melhores para suas comunidades, a representatividade, a diversidade e o acolhimento têm sido questões cada vez mais pautadas dentro do Movimento Escoteiro. A Emerge Mag conversou com diversos jovens LGBTQIA+ que participam do escotismo e compartilham que são espaços onde se sentem confortáveis para dividirem suas identidades. No entanto, existem ainda grupos ligados a instituições mais conservadoras, como igrejas, com as quais a União dos Escoteiros do Brasil (UEB) tenta, com diálogo e cautela, abrir espaço para desconstruir narrativas LGBTfóbicas.