O desmatamento em nome da COP30 e um ataque à Lei Maria da Penha
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🔸 “Estamos diante de uma perigosa erosão das normas que sustentam o comércio global. Tarifas estão sendo usadas de forma indiscriminada como instrumentos de coerção e ingerência nos assuntos internos de outros países”, afirmou o embaixador Philip Fox-Drummond Gough, secretário de Assuntos Econômicos e Financeiros do Itamaraty. O governo aproveitou a principal reunião do Conselho Geral da Organização Mundial do Comércio ontem para denunciar as “tarifas arbitrárias” impostas ao Brasil pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Segundo a CartaCapital, apesar das críticas contundentes, o Brasil reforçou compromisso com o diálogo: “Seguiremos buscando soluções negociadas. Mas, se necessário, recorreremos a todos os instrumentos legais disponíveis para proteger nossa economia e nosso povo”, disse o embaixador. Cerca de 40 delegações, incluindo as da União Europeia, Canadá, China, Índia e Rússia, manifestaram apoio imediato ao país. Já os EUA rejeitaram as acusações.
🔸 Em paralelo, uma comissão externa do Senado se prepara para ir aos EUA na tentativa de negociar a suspensão – ou ao menos o adiamento – das tarifas de 50% impostas por Donald Trump a produtos brasileiros. O grupo se reuniu ontem com o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira. O Jota conta que a comitiva prometeu fazer encontros com empresários brasileiros e dos EUA e, depois, reuniões com parlamentares. “Apesar dos esforços do Itamaraty em buscar conversas e a possibilidade de um acordo com o governo americano, não há por parte da Casa Branca essa boa vontade. Eles não têm respondido à diplomacia brasileira. Nós, no termo diplomático, estamos isolados”, disse o senador Carlos Viana, membro da comissão.
🔸 O governo do Pará derrubou uma área equivalente a 107 campos de futebol de floresta em uma única obra em Belém. A devastação é parte da construção da avenida Liberdade, uma via expressa de 13,4 km que cortará três unidades de conservação, comunidades ribeirinhas e corpos d’água da região amazônica. O governo paraense nega que a obra seja parte dos preparativos da COP30, a Conferência do Clima das Nações Unidas marcada para novembro, e alega que a avenida, financiada com mais de R$ 500 milhões, tem como finalidade a melhoria da infraestrutura urbana. A Alma Preta informa que, no último fim de semana, a Defensoria Pública do Estado do Pará entrou com uma Ação Civil Pública contra o governo estadual. Parte dos hectares desmatados estão na comunidade Nossa Senhora dos Navegantes, formada por 250 famílias que vivem há décadas às margens do rio Guamá, na capital. Apesar da gravidade dos impactos, o estado não realizou consulta prévia à comunidade, uma exigência da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
🔸 A propósito: outra comunidade que sofre com as obras da COP30 é a Vila da Barca, que hoje abriga quase 4 mil moradores, um povo-maré em Belém, à beira da Baía do Guajará. A Sumaúma resgata a origem da comunidade, na qual as mulheres lideram a luta por direitos básicos, e conta que uma obra da COP leva saneamento e revitalização ao bairro rico da Doca, mas instala uma estação elevatória de dejetos no quintal da população pobre e sem saneamento. A comunidade, que já enfrenta falta de água, rede de esgoto e especulação imobiliária, denuncia o racismo ambiental: desde o início das obras, vem sendo usada como lixão da obra da Doca, com o despejo da lama retirada do canal do bairro nobre.
🔸 Territórios quilombolas são oficialmente guardiões da floresta. Na Amazônia, as áreas tituladas em quatro países – Brasil, Colômbia, Equador e Suriname – têm taxas de desmatamento de 29% a 55% menores que em territórios similares, segundo estudo da organização Conservação Internacional publicado na revista “Communications Earth and Environment”. “A evidência é indiscutível; o mundo tem muito a aprender com suas práticas de gestão territorial”, afirma Martha Cecilia Rosero Peña, Ph.D., diretora da organização. A InfoAmazonia detalha o trabalho pioneiro e destaca que, no Brasil, apenas 4,3% da população quilombola reside em territórios titulados, de acordo com o Censo 2022. Além de serem mais conservadas, essas áreas são mais ricas em biodiversidade e em carbono irrecuperável – aquele que é armazenado em ecossistemas naturais e, se perdido, não pode ser recuperado em menos de 30 anos.
📮 Outras histórias
A Câmara de Aracaju aprovou por unanimidade o “intervalo bíblico” nas escolas públicas da capital sergipana. O texto, de autoria do vereador pastor Diego (União Brasil), “dispõe sobre a garantia da liberdade de reunião religiosa entre alunos durante o intervalo escolar nas instituições de ensino do município de Aracaju”. Mas, na prática, os intervalos são “reuniões de grupos de estudantes que, no horário de recreio, realizavam encontros ‘voluntários’ ou ‘espontâneos’ para leitura da Bíblia, oração, louvor e reflexão cristã nos pátios ou auditórios das escolas públicas”, escreve Alexandre de Jesus dos Prazeres, em artigo na Mangue Jornalismo. Doutor em Sociologia, ele conta que a ideia é parte de uma onda nacional de propostas semelhantes, criticadas por ameaçarem a laicidade do Estado. “Se o objetivo é prevenir conflitos e garantir respeito às diversas crenças presentes no âmbito escolar, quais casos evidenciam que estudantes de outras crenças, exceto os evangélicos, estejam reivindicando o uso do intervalo para realizar manifestações religiosas?”, questiona.
📌 Investigação
A produtora de extrema direita Brasil Paralelo usou um laudo falso sobre o caso de violência doméstica contra Maria da Penha em um documentário. A Agência Pública teve acesso a uma investigação sigilosa da Procuradoria-Geral de Justiça do Ceará,segundo a qual a produção aponta, falsamente, que teria ocorrido uma troca de laudos periciais nos autos do processo para favorecer a condenação do ex-marido de Maria da Penha, Marco Antonio Heredia Viveros. A ativista dá nome a uma das legislações mais avançadas do mundo no combate à violência doméstica contra as mulheres, e a Justiça apura a existência de uma estratégia organizada para invalidar a lei e desacreditá-la. Segundo o documento, há várias inconsistências no material apresentado pela Brasil Paralelo, como a qualidade de imagem, diferenças de espaçamento entre linhas, de assinaturas e imagem de carimbos e até erros de datilografia.
🍂 Meio ambiente
O Ministério Público Federal abriu uma ação contra um projeto de hidrogênio verde no município de Parnaíba (PI). O órgão aponta uma série de irregularidades no processo de licenciamento ambiental e questiona os impactos socioambientais do empreendimento da empresa Solatio, que pode comprometer a biodiversidade do Delta do Parnaíba e o modo de vida de famílias extrativistas. A Eco Nordeste explica que o governo do Piauí usou uma estratégia de “licenciamento fatiado”, ignorando questões como captação e transporte da água, despejo de efluentes e construção de um amonioduto, para que o projeto não chegasse à esfera federal. Segundo a advogada socioambiental Rhavena Madeira, esse fracionamento, a ausência de consulta às comunidades impactadas e a concessão de licença sem análise completa dos impactos demonstram uma “pressa imprudente” e um “atropelo da legislação ambiental federal”.
📙 Cultura
“Eu sempre bato na tecla de ser uma travesti de Belém do Pará, que trabalha com cultura e tem extensa pesquisa em música eletrônica periférica”, afirma Taka Furtado, a Miss Tacacá. Sua carreira musical começou há cerca de oito anos, quando foi DJ do próprio aniversário. Desde então, tem feito apresentações de sets singulares, com gêneros caribenhos, como calypso, merengue e salsa, vocais típicos de festas de aparelhagem do tecnobrega, guitarradas e batidas de sintetizadores, além valorização de expressões culturais das periferias brasileiras, como o brega funk. A Emerge Mag narra a ascensão da artista, sobretudo dentro da cena cultural LGTBQIA+. No fim de 2024, Miss Tacacá foi curadora da edição de Belém do projeto britânico Boiler Room, reunindo artistas amazônicos da cena tecnobrega e tecnomelody. “Estar em festivais, festas e ser curadora de eventos internacionais tem sido um reconhecimento fantástico após anos de trabalho árduo como artista, produtora e ativista cultural.”
🎧 Podcast
A confusão entre antissemitismo e antissionismo tem sido uma das principais estratégias de sionistas para se isentar do massacre na Faixa de Gaza, impactando judeus e palestinos no mundo todo. A “Rádio Escafandro”, produção da Rádio Guarda-Chuva, mergulha em como Israel, um estado que foi criado em resposta a um dos maiores genocídios da história, vem atacando outra população. “Guardadas todas as proporções, existe um paralelo entre o sionismo e o nazismo que tem a ver com a origem desses movimentos. O sionismo é um tipo de nacionalismo fundado a partir da influência do nacionalismo cultural alemão e vai ser criado a partir da limpeza étnica dos palestinos”, afirma o professor Bruno Huberman, vice-líder do Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
✊🏾 Direitos humanos
Cerca de um terço das 416 unidades socioeducativas – locais que recebem adolescentes autores de atos infracionais – inspecionadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) não têm sala de aula, e 36,5% não contam com biblioteca. A Fiquem Sabendo analisou os dados do terceiro bimestre de 2025 disponíveis no Painel de Inspeções no Socioeducativo e destaca informações sobre infraestrutura das unidades, o quadro de pessoal e a segurança socioeducativa. Apesar de a média ser de 19,73 adolescentes por pedagogo, 16,1% das unidades não tinham pedagogo no momento da inspeção. O painel do CNJ apontou ainda indicativos de tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes em cinco instituições no último bimestre.