Os desdobramentos da denúncia da PGR e a situação dos abrigos em SP
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🔸 “A denúncia [contra Bolsonaro] já é um marco na história brasileira”, afirma Rafael Mafei. “A fartura de provas colhidas leva a crer que, até o final do ano, deixaremos o vergonhoso rol de países que sofreram múltiplos golpes mas nunca puniram um só golpista”, escreve o advogado e professor de Direito da USP, em artigo na revista piauí. Mafei explica que, se a denúncia for aceita, será a primeira vez que militares e policiais enfrentarão julgamento civil por crimes contra a democracia. Ele destaca que a denúncia aponta o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) como líder da tentativa de golpe e detalha seu papel em três níveis: como líder carismático que minou a Justiça Eleitoral, como articulador político do plano golpista e como presidente que usou o Estado para tentar subverter a eleição.
🔸 Para Guilherme Casarões, professor de Ciência Política da Fundação Getúlio Vargas (FGV), “a denúncia tem o potencial de inflamar os apoiadores de Bolsonaro, com possíveis desdobramentos eleitorais”. Em análise no Conversation Brasil, ele escreve: “Falta um ano e meio para a próxima eleição nacional no Brasil e, apesar do temporário favoritismo de Lula, o bolsonarismo segue como a principal força de oposição”. Embora tenha impacto jurídico, ele completa, a narrativa de perseguição fortalece Bolsonaro politicamente e pode unificar sua base até 2026. “Diante de um governo fraco, cuja popularidade caiu de 35% para 24% desde dezembro, um bolsonarismo unificado pela narrativa de perseguição será um grande problema para Lula. Essa narrativa será testada em meados de março, para quando se convocaram manifestações nacionais contra o atual governo – e a favor de Bolsonaro.”
🔸 A propósito: a popularidade de Lula atingiu o pior índice desde o escândalo do mensalão em 2005, segundo pesquisa Datafolha. Apenas 24% dos brasileiros consideram sua gestão boa ou ótima, com forte recuo entre eleitores do Nordeste, mulheres e pessoas de baixa renda. A desaprovação subiu para 41%, refletindo descontentamento com a inflação dos alimentos e crise econômica. O Nexo resgata os números da popularidade de Lula nos mandatos anteriores e lembra que, em 2005, o petista enfrentou um cenário semelhante, mas conseguiu recuperar a imagem graças ao crescimento econômico, ao controle da inflação e ao aumento do poder de compra da população. A eleição de 2006 consolidou essa recuperação, impulsionada pelo Bolsa Família e pelo boom das commodities. Agora, porém, os cenários econômico e político são diferentes: o bolsonarismo intensifica a polarização, o Congresso é mais hostil e as redes sociais amplificam as crises.
🔸 A semana também foi marcada pela pressão do governo sobre o Ibama para que o órgão ambiental conceda à Petrobras a licença para explorar petróleo na Foz do Amazonas. Lideranças indígenas de nove países amazônicos discordam, conta o Vocativo. Eles formam a coalizão internacional G9 da Amazônia Indígena, que, em encontro recente, firmaram um acordo. O texto do documento diz: “O discurso sobre usar os recursos do petróleo da Amazônia para financiar a transição energética não é apenas falso, é escandalosamente cínico”. A coalizão também cobra a inclusão da demarcação de terras indígenas nas políticas climáticas dos países amazônicos, além da copresidência indígena da COP30, em Belém.
🔸 Falando em meio ambiente… a destruição acelerada da Mata Atlântica, entre 2010 e 2020, atingiu quase 187 mil hectares, com impactos graves sobre florestas maduras ricas em biodiversidade e carbono. O Eco detalha os dados de um estudo recente publicado na revista “Nature Sustainability”. Quatro estados concentram 70% do desmatamento: Minas Gerais e Bahia, onde grandes fazendas substituem a mata por pastagens e monoculturas de eucalipto e pinus, e Paraná e Santa Catarina, onde pequenas e médias propriedades avançam com a soja e outras culturas. Segundo os pesquisadores do estudo, reverter essa destruição é essencial para conter a crise climática, já que a perda da Mata Atlântica contribuiu para 3% das emissões nacionais de gases de efeito estufa em 2023.
📮 Outras histórias
O Movimento Unificado de Vítimas da Braskem (MUVB) lançou ontem uma carta aberta aos bancos credores da mineradora para alertá-los sobre o real tamanho do passivo da empresa em Alagoas. A Mídia Caeté explica os quatro principais pontos da carta, segundo o economista Elias Fragoso, idealizador do documento. São eles: a dívida da Braskem é maior do que a empresa admite; as vítimas precisam ser incluídas nas negociações; o passivo não prescreve; e há propostas dos credores privados para negociação. O alerta ocorre em meio às negociações entre Novonor (antiga Odebrecht), Petrobras e cinco bancos credores da Braskem (Itaú, Banco do Brasil, Santander, Bradesco e BNDES). As instituições financeiras podem se tornar co-controladoras da empresa ao adquirir ações da Novonor, que tem dívidas de R$ 15 bilhões.
📌 Investigação
Programas terceirizados pela Prefeitura de São Paulo para abrigar a população em situação de rua alimentam as pessoas com marmitas azedas, estragadas e com ultraprocessados. Os projetos recebem milhares de reais por ano do Fundo Municipal de Assistência Social para dar suporte a pessoas que querem deixar as ruas. Os abrigos, porém, ficam sem água, estão infestados de percevejos, têm sanitários quebrados e os banheiros cobertos de fezes, urina e vômito. O Joio e O Trigo teve acesso aos relatórios da investigação feita pela Comissão Especial de Direitos Humanos de São Paulo. Um ano após as denúncias, as organizações investigadas continuam sendo contempladas com novos contratos milionários pela Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social.
🍂 Meio ambiente
Uma das espécies de primatas mais ameaçadas de extinção no mundo, um bugio-ruivo morreu eletrocutado na Praça Coinma, zona leste de Porto Alegre (RS). O animal estava a cerca de 185 metros de seu habitat natural, a Floresta do Sabará, onde o grupo Zaffari está erguendo um centro de compras e onde também será construído um loteamento residencial. O Matinal destaca que os moradores da região já relatavam o aumento da circulação de animais silvestres desde o início da obra. Havia preocupação sobretudo com os graxains, espécie de canídeo da América do Sul, que passaram a ser avistados nas ruas do bairro. Em julho passado, foi elaborado um plano de manejo para levar os graxains a uma área de preservação. O documento, no entanto, não citava outras espécies da floresta, como o bugio-ruivo
📙 Cultura
As polícias Militar e Civil de São Paulo são acusadas de uso desproporcional da força contra bailes funk. De acordo com as denúncias recolhidas por um grupo de parlamentares, os policiais usaram bombas de gás lacrimogêneo e encurralaram os frequentadores do baile da comunidade Morro da Lua, zona sul do município, na madrugada do último domingo. A Alma Preta informa que a deputada estadual Ediane Maria (PSOL-SP) acionou o Ministério Público para investigar a polícia e pediu também a abertura de inquérito contra a Secretaria de Segurança Pública. O documento enviado ao MP lembra que as estratégias usadas na ocasião são as mesmas do Massacre de Paraisópolis, em 2019. A ação policial na ocasião comprimiu cinco mil pessoas em uma viela, e nove jovens morreram.
🎧 Podcast
Com o apagamento dos agricultores no cotidiano do Rio de Janeiro, a maioria dos moradores vive em “desertos alimentares” – espaços urbanos que não têm “comida de verdade” e onde os alimentos mais consumidos são ultraprocessados. A temporada “Da Semente ao Prato”, do “data_lábia”, produção do data_labe, mostra como projetos populares têm buscado enfrentar a insegurança alimentar e fortalecer a produção de alimentos nas áreas rurais e urbanas fluminenses. “O primeiro desafio do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) no Rio foi dar visibilidade para os agricultores e agricultoras”, afirma Beto, fundador do projeto Raízes do Brasil, organizado pelo MPA.
💆🏽♀️ Para ler no fim de semana
Romancista e dramaturgo sergipano, Constantino Souza passou 150 anos no esquecimento. Seu romance “Arycurana” foi publicado em folhetim no periódico fluminense “Semana Ilustrada”, entre os anos de 1874 e 1875, mas nunca veio a público em formato de livro até recentemente, quando o professor Moisés Souza fez a Universidade de Campinas (Unicamp) aprová-lo e lançá-lo. Em entrevista à Mangue, o pesquisador fala sobre a importância de recuperar a obra de Constantino. “A relevância em relação à trajetória de vida, se dá mesmo em saber que Sergipe teve um escritor do romantismo brasileiro e que conviveu e travou contatos com as mais destacadas figuras da época, como os romancistas Machado de Assis (1839-1908) e Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882)”, explica.