A derrota do governo no decreto do IOF e o avanço da mineração na Bahia
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🔸 Em mais uma derrota da gestão petista no Legislativo, o Congresso derrubou o decreto presidencial que reajustava as alíquotas do IOF. Esta é a primeira vez, desde 1992, que um decreto do presidente é derrubado no Congresso. A votação expressiva ocorreu na Câmara: foram 383 a favor e apenas 98 contra. Em seguida, veio a aprovação simbólica no Senado – lá, apenas a bancada do PT e o líder do PDT, Weverton Rocha (MA), votaram contra a derrubada do decreto na Casa. A CartaCapital destaca que a base governista não conseguiu reunir nem cem votos para sustentar a medida do presidente. Partidos do Centrão e de centro-esquerda que ocupam ministérios votaram em peso contra a decisão do Executivo. Segundo projeções do Ministério da Fazenda, a derrubada das novas regras sobre o IOF provocará uma perda de R$ 10 bilhões aos cofres públicos. Antes da votação, o ministro Fernando Haddad (PT) afirmou que o decreto “corrige uma injustiça: combate a evasão de impostos dos mais ricos para equilibrar as contas públicas e garantir os direitos sociais dos trabalhadores”.
🔸 Está em 8 votos a 2 o placar a favor de uma ampliação das obrigações das big techs por conteúdos publicados nas redes sociais por terceiros. O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou ontem com o julgamento da constitucionalidade ou não do artigo 19 do Marco Civil da Internet e o interrompeu depois dos votos de Edson Fachin e Cármen Lúcia. Embora haja maioria para mudar o atual regime de responsabilização das plataformas, ainda não há um alinhamento sobre os parâmetros da nova tese. O Jota conta que o ministro Luís Roberto Barroso, presidente da Corte, convocou um almoço com os 11 ministros antes da retomada da sessão de hoje. Ele tenta costurar um consenso. O último voto, de Nunes Marques, pode ser decisivo – e sua decisão de votar agora ou só depois do recesso será influenciada pelo almoço com os colegas do Tribunal.
🔸 Uma trabalhadora doméstica de 34 anos foi resgatada de condições análogas à escravidão em uma casa de classe alta em Manaus (AM), após mais de duas décadas servindo três gerações da mesma família. Segundo documentos obtidos pela Repórter Brasil, desde os 12 anos de idade, ela é submetida a “trabalho forçado, jornada exaustiva e condições degradantes”. Foi levada do interior do Pará pela família com promessas de estudo e vida melhor, mas viveu sob exploração, sem salário fixo, sem documentos, submetida a jornadas exaustivas e violência psicológica. O caso expõe uma realidade do país: desde 2017, 125 pessoas foram resgatadas de escravidão doméstica no Brasil, a maioria mulheres negras e com baixa escolaridade, invisibilizadas pela informalidade e pela dificuldade de fiscalização em ambientes privados.
🔸 A propósito: Um projeto de lei para proteger mulheres resgatadas do trabalho doméstico é alvo de críticas do Ministério do Trabalho. O PL 3.351/2024, inspirado no caso de Sônia Maria de Jesus – mulher negra e surda que viveu 40 anos em situação de escravidão doméstica –, tramita na Câmara Federal. Em nota, o ministério critica o fato de o projeto se restringir a mulheres no trabalho doméstico e alerta para o risco de “efeitos discriminatórios de desproteção” a outras vítimas, como homens ou mulheres escravizadas em outros setores. Apesar disso, a Agência Pública apurou que técnicos do próprio ministério afirmam que o projeto poderia oferecer proteção adicional, assim como a Lei Maria da Penha. A proposta prevê ainda a aplicação de princípios como dignidade e saúde integral e proíbe que empregadores tentem adotar pessoas submetidas à escravidão, como aconteceu com Sônia Maria de Jesus.
📮 Outras histórias
No território maranhense do Delta do Parnaíba, pescadores da comunidade de Pé do Morro, sem acesso a políticas públicas de energia, passaram a instalar por conta própria painéis solares em suas barracas. “A gente comprou e instalou sozinho. Não faz parte de nenhum projeto do governo”, conta Antonio Maria, que vive da pesca há 30 anos. A Eco Nordeste mostra que a iniciativa mudou a rotina dos pescadores, embora exponha a ausência do Estado em garantir inclusão energética para populações tradicionais. “Com a luz, a gente consegue trabalhar melhor, cuidar do peixe, e até garantir a segurança. Mas o ideal seria ter apoio do governo, porque a gente fez tudo sozinho, com muita dificuldade”, diz o pescador.
📌 Investigação
Considerada a maior produtora de óleo de dendê da América Latina, a Brasil BioFuels (BBF) cultiva palma em ao menos três áreas embargadas pelo Ibama por desmatamento ilegal no sul de Roraima, revela a InfoAmazonia. A expansão da corporação na Amazônia está associada à produção de combustível sustentável de aviação e deverá abastecer uma refinaria em Manaus (AM), com previsão para iniciar a operação em 2026. Além das plantações em áreas desmatadas ilegalmente, a BBF ampliou o plantio de dendê sobre antigos pastos e bananais. Como consequência, essas culturas foram empurradas para regiões mais afastadas da BR-210, provocando novos desmates na floresta. Ao longo da estrada, nas proximidades com à Terra Indígena WaiWái, placas informam que há uma propriedade privada da BBF e que é “proibido caçar e pescar” – atividades tradicionais das comunidades.
🍂 Meio ambiente
“Tá tudo esbagaçado e destruído pelas mineradoras”, diz uma liderança comunitária do centro-norte da Bahia, onde a extração de pedras ornamentais, calcário, ouro, ferro, quartzito e cobre – os dois últimos com alta demanda para a transição energética – tem deixado marcas visíveis na paisagem, como crateras espalhadas ao norte da Serra do Espinhaço. Segundo O Eco, a região tem alta prioridade para conservar a biodiversidade, como mapeou o governo federal, e está dentro da Reserva da Biosfera da Caatinga, reconhecida pelas Nações Unidas em 2001. Mas irregularidades nos licenciamentos ambientais têm permitido o avanço da mineração, com alto impacto para as comunidades tradicionais e indígenas e para o meio ambiente.
📙 Cultura
“Como mulher afro-indígena, reconheço em Madalena não só uma referência ancestral, mas também um espelho de trajetórias que, em outros tempos e contextos, foram interrompidas ou silenciadas”, afirma Patrícia Moreira, cineasta e professora da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb). Ao Conquista Repórter ela conta que está produzindo o longa-metragem “Cabeça Cheia de Planetas”, que narra a história de Madalena dos Santos Reinbolt. Mulher negra, nordestina e autodidata de Vitória da Conquista (BA), ela foi pioneira na técnica dos “quadros de lã”, painéis bordados sobre estopa. Madalena bordava cenas detalhadas e coloridas de cenários de sua infância, os bichos da roça, as festas populares e as memórias da terra. A costureira chegou a manipular mais de 150 agulhas ao mesmo tempo. Seu talento, no entanto, só foi reconhecido pela arte brasileira depois de sua morte. O longa começa a ser gravado em setembro deste ano.
🎧 Podcast
Apesar das conquistas nas últimas décadas, a população LGBTQIA+ no Brasil ainda enfrenta dificuldades para “furar a bolha”, sobretudo diante do avanço mais recente de movimentos conservadores. As Cunhãs conversam com o ator e humorista Denis Lacerda, conhecido por sua personagem drag queen Deydianne Piaf, sobre a eficácia das políticas públicas para a diversidade, a importância da representatividade na arte e a luta contínua contra a discriminação e a violência. Para Lacerda, devido ao baixo orçamento, as secretarias dedicadas aos temas dessa população devem se aliar a outras pastas, como saúde e educação, para realizar políticas conjuntas.
👩🏾⚕️ Saúde
Mais de 300 indígenas de 263 comunidades estão protestando há quase um mês em frente ao Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Leste, em Boa Vista (RR), contra a substituição da enfermeira indígena Letícia Monteiro Taurepang no órgão. A Alma Preta explica que a servidora foi indicada pelo movimento indígena de 11 etnorregiões, conforme prevê a Lei nº 9.836/1999, e nomeada coordenadora do Dsei Leste no dia 6 de maio. Mesmo assim, a Secretaria de Estado da Saúde de Roraima impediu sua posse e a substituiu por uma servidora não indígena. Vice-tuxaua do Conselho Indígena de Roraima, Paulo Ricardo Macuxi afirmou que a reivindicação não é apenas pela coordenação, mas pelo compromisso com as questões que impactam diretamente a vida dos indígenas, que participaram ativamente das reuniões para a escolha de Letícia.