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As derrotas ambientais no Congresso e uma 'cidade invisível' no Pará

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As derrotas ambientais no Congresso e uma 'cidade invisível' no Pará

Uma curadoria do melhor do jornalismo digital, produzido pelas associadas à Ajor. Novos ângulos para assuntos do dia

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May 25, 2023
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🔸 A Câmara aprovou ontem à noite a votação em urgência de um projeto do Marco Temporal, que limita a demarcação de terras indígenas aos territórios ocupados até a promulgação da Constituição de 1988. Foram 324 votos a favor, 131 contrários e uma abstenção. Segundo a CartaCapital,  o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), já adiantou que levará a proposta à análise do plenário na semana que vem. De interesse da bancada ruralista, a aprovação do texto pode representar perda de 63% das terras indígenas demarcadas ou em demarcação. Trata-se de “um genocídio legislado”, na avaliação da ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara. 

🔸 Não foi a única derrota para a pasta no Congresso Nacional nesta semana. Antes, uma manobra no relatório da medida provisória (MP) dos ministérios, que trata da estrutura da administração federal, retirou dos Povos Indígenas a responsabilidade pela demarcação dessas terras, transferida para o Ministério da Justiça. O documento original da MP, que ampliou de 23 para 37 o número de pastas do governo federal, foi editado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em janeiro. Agora na Câmara, o texto foi alterado pelo líder do MDB, deputado Isnaldo Bulhões Jr. (AL). Em entrevista em vídeo ao Congresso em Foco, Sonia Guajajara classificou a retirada da demarcação de terras dos Povos Indígenas como “um retrocesso absurdo” e o “esvaziamento total da pasta”.

🔸 Para Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, o golpe se soma a outro: o relatório da MP também transferiu a administração do Cadastro Ambiental Rural (CAR) do Ministério do Meio Ambiente para o Ministério da Gestão. O Eco detalha a nota técnica da pasta comandada por Marina em resposta à mudança, considerada “prejudicial à política de monitoramento e controle dos desmatamentos” e para a gestão do próprio CAR. A ministra reagiu e disse que trabalha para manter as competências das pastas: “Qualquer tentativa de desmontar o sistema nacional de meio ambiente brasileiro é um desserviço à sociedade brasileira, ao Estado brasileiro e isso pode criar gravíssimos prejuízos aos interesses econômicos sociais e ambientais do nosso país”.  

🔸 No pacote de investidas contra a área ambiental, está também o impasse sobre a exploração de petróleo na foz do Amazonas. O Ibama negou licença para a Petrobras tocar o projeto. A estatal, por sua vez, anunciou que vai pedir ao órgão que reveja a decisão. O Nexo explica o caso e lembra que a pressão contou até com declaração pública do presidente Lula. Em viagem ao Japão, ele afirmou que acha “difícil” que a perfuração de poços na foz do Amazonas traga problemas para a região.  Ao negar a licença, o Ibama levou em conta o fato de a Petrobras não ter apresentado um plano que garanta a proteção da fauna local em caso de acidentes.

🔸 A propósito: “Se acontecer um acidente com óleo e isso chegar aqui, a gente não vai ter o que comer”, diz o indígena Yves Tiouka, que vive na comuna de Awala-Yalimapo, na Guiana Francesa. Ele está preocupado com o projeto da Petrobras de explorar petróleo na foz do Amazonas, que prevê a perfuração de 16 poços numa área que se estende do extremo norte do Amapá, na fronteira com a Guiana Francesa, ao litoral do Rio Grande do Norte. A Agência Pública viajou ao país vizinho que seria impactado por um acidente com derramamento de óleo em menos de 48 horas, afetando sua biodiversidade e economia. “Sempre que pensamos em desastre com óleo, imaginamos plataforma, mas existe um perigo real e imediato que está relacionado a estarmos na porta de entrada da bacia hidrográfica amazônica, onde está a hidrovia Solimões e Amazonas, que se conecta na foz do rio Amazonas com o oceano Atlântico”, explica a pesquisadora do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Amapá (Iepa), Valdenira Ferreira.

📮 Outras histórias

  • Em Recife, vereadores querem proibir o uso da linguagem neutra em escolas da rede pública de ensino. A Câmara da capital pernambucana aprovou um projeto de lei com o veto, de autoria do vereador Fred Ferreira (PSC), mas o texto deve voltar à pauta para ser votado pela segunda vez antes de seguir para sanção do prefeito. O Marco Zero conta que o projeto, porém, dificilmente entrará em vigor: o Supremo Tribunal Federal (STF) entende que a decisão é de competência da União e já declarou inconstitucionalidade de uma lei semelhante aprovada em Rondônia. Na votação em Recife, vereadores contrários à pauta destacaram que o objetivo do texto não é defender a língua portuguesa, como dizem, mas impor o silêncio às pessoas LGBTQIA+. A poeta Cida Pedrosa (PCdoB) lembrou que venceu o Jabuti, maior prêmio da literatura brasileira, com um livro que traz dezenas de palavras inventadas e que também usa o “todes” da linguagem neutra. 

📌 Investigação

  • Roraima é o único estado onde a taxa de fecundidade entre meninas de 10 a 14 anos aumentou entre 2017 e 2021. Embora o aborto seja legalizado em caso de estupro – qualquer ato libidinoso ou relação sexual com menores de 14 anos é estupro –, elas seguem dando à luz. Em Roraima, estado onde indígenas representam 11% da população, 51% das meninas que foram mães nessa faixa etária no período eram indígenas, como revela a Gênero e Número. A situação de adolescentes venezuelanas no estado também é alarmante, além da realidade da migração poder ter contribuído para a alta taxa de fecundidade no estado, segundo especialistas ouvidos pela reportagem. “As mães relatam que não deixam mais as meninas caminharem sozinhas até o complexo de banheiros coletivos (cerca de 800 metros de distância) porque elas são estupradas no meio do caminho”, relata a professora e pesquisadora Márcia Maria de Oliveira, que trabalha com a questão migratória.

🍂 Meio ambiente

  • Entre 2019 e 2022, a JBS comprou gado de áreas desmatadas na Amazônia e no Cerrado. Um relatório divulgado pela organização Mighty Earth identificou 68 casos de desmatamento na cadeia de fornecimento da companhia que resultaram na devastação de 125 mil hectares de floresta. A situação coloca o próprio Estado brasileiro em maus lençóis diante das metas ambientais: com mais de mais de 20% das ações da JBS, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é o maior acionista individual da companhia depois da família Batista, que fundou e controla o grupo. Segundo a InfoAmazonia, o banco público tem assentos nos conselhos que tomam decisões, o que indica poder suficiente para mudar os rumos da empresa e excluir os rebanhos de áreas de desmatamento ilegal, terras indígenas e unidades de conservação da cadeia de fornecimento. 

  • Espécies de aves podem estar desaparecendo do interior de São Paulo. Pesquisadores da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), da Universidade Federal de Itajubá (Unifei) e do Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos (CBRO) fizeram um mapeamento de aves, entre setembro de 2021 e janeiro de 2022, na Reserva Biológica de Andradina e nas Estações Ecológicas de Marília, de Paulo de Faria e de Santa Maria. A Agência Bori explica que o estudo publicado na “Revista do Instituto Florestal” mostra que apenas 278 espécies foram registradas por eles. Há algumas décadas, o número encontrado nessas quatro unidades de conservação era 358. “Existe um indicativo de que elas sumiram e nem as áreas de preservação de hoje conseguiram manter uma vegetação boa suficiente para manter essas comunidades ali”, afirma Vagner Cavarzere, um dos autores da pesquisa. 

📙 Cultura

  • Influenciados pelo movimento Manguebeat, diversas bandas de gêneros musicais distintos surgiram nas últimas três décadas no Cabo de Santo Agostinho, na Grande Recife, para marcar a resistência cultural da cidade. A revista O Grito! conta que a identidade periférica é o ponto central da cena musical do município, que tem mais da metade da área urbana formada por favelas. Além de grupos de rap, rock e reggae, a cultura popular também é um traço marcante de Cabo de Santo Agostinho, como a banda de pífanos Zabumba do Mestre Chimba. “Nosso trabalho é muito de formação e persistência. Poucas pessoas se interessam pela cultura do pife, no sentido até de aprender a tocar, mas nós não desistimos”, afirma Joan Artur de Oliveira, de 48 anos, fundador e integrante do grupo. Ele também ministra oficinas de pífano no Cabo para formação de uma nova geração de instrumentistas.

  • Uma cidade, de fato, invisível: Porto do Ceasa, usada como cenário na segunda temporada da série “Cidade Invisível”, da Netflix, é uma comunidade isolada de Belém (PA), onde não há acesso às redes de água, esgoto e energia e só pode ser alcançada a pé, atravessando pontes precárias. Ali está a Comunidade Ribeirinha Porto da Ceasa Maria Petrolina, onde vivem cerca de 80 famílias. O Projeto Colabora mergulha no local escolhido para a produção. “Estamos no Território Histórico e Ancestral Murukutu, lugar de memória e encantarias, morada de serpentes e Uirá Juruparí nas matas e igarapés. No fim, continuaremos invisíveis aguardando resultados para uma próxima temporada”, afirma Angelo Madson Tupinambá, sociólogo indígena e diretor do Instituto Idade Mídia.

🎧 Podcast

  • De startup de garagem à onipresença, o Google se tornou indissociável da vida das pessoas, mostrando suas garras quando seus interesses podem estar em jogo, a exemplo da empreitada contra o PL das Fake News. A “Rádio Escafandro”, produção da Rádio Guarda-Chuva, esmiúça a história da empresa, que transformou a internet, a publicidade e os hábitos de populações ao redor do mundo, além de abrir uma nova era no próprio capitalismo. Os dois estudantes e fundadores do buscador Larry Page e Sergey Brin precisavam de um “adulto para supervisionar” e encontraram o empresário Eric Schmidt para o papel. O que vem depois disso, a maioria das pessoas já sabe: uma receita que passa a casa dos trilhões de dólares e uma busca por mais poder e influência.

✊🏽 Direitos humanos

  • A taxa de adolescentes desaparecidos é 2,8 vezes superior à média nacional, representando 29,3% do total dos casos compilados pela Polícia Civil entre 2019 e 2021. Por considerarem “problema de família”, a investigação desses episódios não são prioridade para o órgão. O Lunetas detalha a situação jurídica que enquadra como desaparecimento de pessoas entre 12 e 17 anos, além de tentar entender os motivos que levam a desaparecerem por vontade própria. “Quaisquer ponderações em termos gerais, que digam respeito ao desaparecimento de pessoa segmentado a grupos específicos, são aproximações, e não respostas absolutas aplicáveis a todos os casos”, ressalta Lucas Guimarães, investigador da Polícia Civil de Minas Gerais. 

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