As derrotas ambientais no Congresso e uma 'cidade invisível' no Pará
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🔸 A Câmara aprovou ontem à noite a votação em urgência de um projeto do Marco Temporal, que limita a demarcação de terras indígenas aos territórios ocupados até a promulgação da Constituição de 1988. Foram 324 votos a favor, 131 contrários e uma abstenção. Segundo a CartaCapital, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), já adiantou que levará a proposta à análise do plenário na semana que vem. De interesse da bancada ruralista, a aprovação do texto pode representar perda de 63% das terras indígenas demarcadas ou em demarcação. Trata-se de “um genocídio legislado”, na avaliação da ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara.
🔸 Não foi a única derrota para a pasta no Congresso Nacional nesta semana. Antes, uma manobra no relatório da medida provisória (MP) dos ministérios, que trata da estrutura da administração federal, retirou dos Povos Indígenas a responsabilidade pela demarcação dessas terras, transferida para o Ministério da Justiça. O documento original da MP, que ampliou de 23 para 37 o número de pastas do governo federal, foi editado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em janeiro. Agora na Câmara, o texto foi alterado pelo líder do MDB, deputado Isnaldo Bulhões Jr. (AL). Em entrevista em vídeo ao Congresso em Foco, Sonia Guajajara classificou a retirada da demarcação de terras dos Povos Indígenas como “um retrocesso absurdo” e o “esvaziamento total da pasta”.
🔸 Para Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, o golpe se soma a outro: o relatório da MP também transferiu a administração do Cadastro Ambiental Rural (CAR) do Ministério do Meio Ambiente para o Ministério da Gestão. O Eco detalha a nota técnica da pasta comandada por Marina em resposta à mudança, considerada “prejudicial à política de monitoramento e controle dos desmatamentos” e para a gestão do próprio CAR. A ministra reagiu e disse que trabalha para manter as competências das pastas: “Qualquer tentativa de desmontar o sistema nacional de meio ambiente brasileiro é um desserviço à sociedade brasileira, ao Estado brasileiro e isso pode criar gravíssimos prejuízos aos interesses econômicos sociais e ambientais do nosso país”.
🔸 No pacote de investidas contra a área ambiental, está também o impasse sobre a exploração de petróleo na foz do Amazonas. O Ibama negou licença para a Petrobras tocar o projeto. A estatal, por sua vez, anunciou que vai pedir ao órgão que reveja a decisão. O Nexo explica o caso e lembra que a pressão contou até com declaração pública do presidente Lula. Em viagem ao Japão, ele afirmou que acha “difícil” que a perfuração de poços na foz do Amazonas traga problemas para a região. Ao negar a licença, o Ibama levou em conta o fato de a Petrobras não ter apresentado um plano que garanta a proteção da fauna local em caso de acidentes.
🔸 A propósito: “Se acontecer um acidente com óleo e isso chegar aqui, a gente não vai ter o que comer”, diz o indígena Yves Tiouka, que vive na comuna de Awala-Yalimapo, na Guiana Francesa. Ele está preocupado com o projeto da Petrobras de explorar petróleo na foz do Amazonas, que prevê a perfuração de 16 poços numa área que se estende do extremo norte do Amapá, na fronteira com a Guiana Francesa, ao litoral do Rio Grande do Norte. A Agência Pública viajou ao país vizinho que seria impactado por um acidente com derramamento de óleo em menos de 48 horas, afetando sua biodiversidade e economia. “Sempre que pensamos em desastre com óleo, imaginamos plataforma, mas existe um perigo real e imediato que está relacionado a estarmos na porta de entrada da bacia hidrográfica amazônica, onde está a hidrovia Solimões e Amazonas, que se conecta na foz do rio Amazonas com o oceano Atlântico”, explica a pesquisadora do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Amapá (Iepa), Valdenira Ferreira.
📮 Outras histórias
Em Recife, vereadores querem proibir o uso da linguagem neutra em escolas da rede pública de ensino. A Câmara da capital pernambucana aprovou um projeto de lei com o veto, de autoria do vereador Fred Ferreira (PSC), mas o texto deve voltar à pauta para ser votado pela segunda vez antes de seguir para sanção do prefeito. O Marco Zero conta que o projeto, porém, dificilmente entrará em vigor: o Supremo Tribunal Federal (STF) entende que a decisão é de competência da União e já declarou inconstitucionalidade de uma lei semelhante aprovada em Rondônia. Na votação em Recife, vereadores contrários à pauta destacaram que o objetivo do texto não é defender a língua portuguesa, como dizem, mas impor o silêncio às pessoas LGBTQIA+. A poeta Cida Pedrosa (PCdoB) lembrou que venceu o Jabuti, maior prêmio da literatura brasileira, com um livro que traz dezenas de palavras inventadas e que também usa o “todes” da linguagem neutra.
📌 Investigação
Roraima é o único estado onde a taxa de fecundidade entre meninas de 10 a 14 anos aumentou entre 2017 e 2021. Embora o aborto seja legalizado em caso de estupro – qualquer ato libidinoso ou relação sexual com menores de 14 anos é estupro –, elas seguem dando à luz. Em Roraima, estado onde indígenas representam 11% da população, 51% das meninas que foram mães nessa faixa etária no período eram indígenas, como revela a Gênero e Número. A situação de adolescentes venezuelanas no estado também é alarmante, além da realidade da migração poder ter contribuído para a alta taxa de fecundidade no estado, segundo especialistas ouvidos pela reportagem. “As mães relatam que não deixam mais as meninas caminharem sozinhas até o complexo de banheiros coletivos (cerca de 800 metros de distância) porque elas são estupradas no meio do caminho”, relata a professora e pesquisadora Márcia Maria de Oliveira, que trabalha com a questão migratória.
🍂 Meio ambiente
Entre 2019 e 2022, a JBS comprou gado de áreas desmatadas na Amazônia e no Cerrado. Um relatório divulgado pela organização Mighty Earth identificou 68 casos de desmatamento na cadeia de fornecimento da companhia que resultaram na devastação de 125 mil hectares de floresta. A situação coloca o próprio Estado brasileiro em maus lençóis diante das metas ambientais: com mais de mais de 20% das ações da JBS, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é o maior acionista individual da companhia depois da família Batista, que fundou e controla o grupo. Segundo a InfoAmazonia, o banco público tem assentos nos conselhos que tomam decisões, o que indica poder suficiente para mudar os rumos da empresa e excluir os rebanhos de áreas de desmatamento ilegal, terras indígenas e unidades de conservação da cadeia de fornecimento.
Espécies de aves podem estar desaparecendo do interior de São Paulo. Pesquisadores da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), da Universidade Federal de Itajubá (Unifei) e do Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos (CBRO) fizeram um mapeamento de aves, entre setembro de 2021 e janeiro de 2022, na Reserva Biológica de Andradina e nas Estações Ecológicas de Marília, de Paulo de Faria e de Santa Maria. A Agência Bori explica que o estudo publicado na “Revista do Instituto Florestal” mostra que apenas 278 espécies foram registradas por eles. Há algumas décadas, o número encontrado nessas quatro unidades de conservação era 358. “Existe um indicativo de que elas sumiram e nem as áreas de preservação de hoje conseguiram manter uma vegetação boa suficiente para manter essas comunidades ali”, afirma Vagner Cavarzere, um dos autores da pesquisa.
📙 Cultura
Influenciados pelo movimento Manguebeat, diversas bandas de gêneros musicais distintos surgiram nas últimas três décadas no Cabo de Santo Agostinho, na Grande Recife, para marcar a resistência cultural da cidade. A revista O Grito! conta que a identidade periférica é o ponto central da cena musical do município, que tem mais da metade da área urbana formada por favelas. Além de grupos de rap, rock e reggae, a cultura popular também é um traço marcante de Cabo de Santo Agostinho, como a banda de pífanos Zabumba do Mestre Chimba. “Nosso trabalho é muito de formação e persistência. Poucas pessoas se interessam pela cultura do pife, no sentido até de aprender a tocar, mas nós não desistimos”, afirma Joan Artur de Oliveira, de 48 anos, fundador e integrante do grupo. Ele também ministra oficinas de pífano no Cabo para formação de uma nova geração de instrumentistas.
Uma cidade, de fato, invisível: Porto do Ceasa, usada como cenário na segunda temporada da série “Cidade Invisível”, da Netflix, é uma comunidade isolada de Belém (PA), onde não há acesso às redes de água, esgoto e energia e só pode ser alcançada a pé, atravessando pontes precárias. Ali está a Comunidade Ribeirinha Porto da Ceasa Maria Petrolina, onde vivem cerca de 80 famílias. O Projeto Colabora mergulha no local escolhido para a produção. “Estamos no Território Histórico e Ancestral Murukutu, lugar de memória e encantarias, morada de serpentes e Uirá Juruparí nas matas e igarapés. No fim, continuaremos invisíveis aguardando resultados para uma próxima temporada”, afirma Angelo Madson Tupinambá, sociólogo indígena e diretor do Instituto Idade Mídia.
🎧 Podcast
De startup de garagem à onipresença, o Google se tornou indissociável da vida das pessoas, mostrando suas garras quando seus interesses podem estar em jogo, a exemplo da empreitada contra o PL das Fake News. A “Rádio Escafandro”, produção da Rádio Guarda-Chuva, esmiúça a história da empresa, que transformou a internet, a publicidade e os hábitos de populações ao redor do mundo, além de abrir uma nova era no próprio capitalismo. Os dois estudantes e fundadores do buscador Larry Page e Sergey Brin precisavam de um “adulto para supervisionar” e encontraram o empresário Eric Schmidt para o papel. O que vem depois disso, a maioria das pessoas já sabe: uma receita que passa a casa dos trilhões de dólares e uma busca por mais poder e influência.
✊🏽 Direitos humanos
A taxa de adolescentes desaparecidos é 2,8 vezes superior à média nacional, representando 29,3% do total dos casos compilados pela Polícia Civil entre 2019 e 2021. Por considerarem “problema de família”, a investigação desses episódios não são prioridade para o órgão. O Lunetas detalha a situação jurídica que enquadra como desaparecimento de pessoas entre 12 e 17 anos, além de tentar entender os motivos que levam a desaparecerem por vontade própria. “Quaisquer ponderações em termos gerais, que digam respeito ao desaparecimento de pessoa segmentado a grupos específicos, são aproximações, e não respostas absolutas aplicáveis a todos os casos”, ressalta Lucas Guimarães, investigador da Polícia Civil de Minas Gerais.