O depoimento de Cid no STF e a saúde mental nas periferias brasileiras
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🔸 Durante quatro horas de depoimento no Supremo Tribunal Federal, Mauro Cid confirmou que Jair Bolsonaro (PL) editou a minuta de um decreto golpista que previa a prisão do ministro Alexandre de Moraes e a reversão do resultado eleitoral de 2022. O ex-ajudante de ordens foi interrogado pelo próprio ministro ontem, no primeiro dia do julgamento da tentativa de golpe de Estado. O Metrópoles destaca os pontos fortes do depoimento de Cid, que também mencionou o documento “Copa 22”, ligado a gastos com deslocamentos a Brasília. Segundo a Procuradoria-Geral da República, o texto citava até assassinatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Moraes e Geraldo Alckmin. Cid chamou o almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha, de “um dos mais radicais” e apontou ainda que não havia um grupo coeso, mas indivíduos com propostas golpistas levadas a Bolsonaro.
🔸 O ex-presidente, por sua vez, aproveitou os holofotes para reforçar sua presença no cenário político: “Por enquanto o candidato sou eu”, disse, mesmo diante da possibilidade remota de disputar em 2026. O Jota conta que ele fez uso político do interrogatório de Mauro Cid e chegou a explicar para jornalistas os broches na lapela de seu terno: disse que recebeu a Medalha Pacificador com Palma por ter salvado seu sogro Paulo Negão de um afogamento. Apesar das revelações de Cid sobre a minuta golpista e a sugestão de prisão de Moraes, Bolsonaro afirmou estar tranquilo: “Não tem porque me condenar”. Cumprimentou Cid cordialmente, minimizou sua colaboração e tentou projetar controle da situação.
🔸 Bolsonaro está na fila para ser interrogado. Depois de Cid e Alexandre Ramagem, serão ouvidos (em ordem alfabética) Almir Garnier; Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal; Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional; o ex-presidente; e Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa. Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil, será o último. A Agência Pública lista seis perguntas essenciais para entender o julgamento, como a possibilidade de prisão de Bolsonaro. Por ora, ele não pode ser preso porque não há ordem preventiva ou temporária, mas está impedido de deixar o país.
🔸 “Não podemos naturalizar que jovens negros continuem sendo alvos da violência diária”, afirmou ontem a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, referindo-se à morte de Herus Guimarães Mendes. O jovem de 24 anos foi vítima de uma operação policial deflagrada no Morro Santo Amaro, no Rio de Janeiro, durante uma festa junina na última sexta-feira. A Alma Preta informa que o ministério chefiado por Anielle enviou ofício ao governo do Rio cobrando explicações sobre a operação do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar carioca. O documento, endereçado ao governador Cláudio Castro, questiona a falta de comunicação com o Ministério Público e cobra medidas do governo estadual para proteger a vida dos moradores de favelas e reparar danos às vítimas da letalidade policial.
📮 Outras histórias
Em meio a um conflito fundiário, o quilombo Monte Alegre, em São Luís Gonzaga, no Maranhão, recebeu uma equipe do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). “É tudo ou nada”, disse dona Beatriz Lima, de 70 anos, sobre a urgência do processo de titulação do quilombo. Segundo O Pedreirense, há anos o Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu e a Associação em Áreas de Assentamento no Estado do Maranhão acompanham a luta de Monte Alegre, protagonizada pelas mulheres quilombolas extrativistas do babaçu. Dona Beatriz relembrou um tempo de paz no quilombo, quando não havia a separação dos lotes por cercas: “Minha tataravó é filha de Monte Alegre. Minha bisavó é filha de Monte Alegre. Meu pai é filho do Monte Alegre”. Agora, ela espera que a titulação definitiva enfim aconteça. “Hoje estou querendo ver um futuro daquilo que fizemos. Quero ver um futuro, pelo INCRA, sem lote. Porque nós brigamos para ser um território coletivo.”
📌 Investigação
Com mais de um milhão de downloads na Google Play Store, o SeaArt permite a produção e distribuição de imagens de abuso sexual infantil geradas com inteligência artificial. Além de vender assinaturas para os usuários, o aplicativo possibilita a criação gratuita desse tipo de imagem em troca da visualização de anúncios veiculados por grandes empresas. O Núcleo identificou 60 publicações desse tipo de conteúdo – e a reportagem passou a encontrar tantas dessas postagens que decidiu encerrar a contagem. As imagens não aparecem na página inicial, mas foram encontradas após buscas específicas na plataforma. Essa “moderação de fachada”, restrita às áreas mais visíveis, serve para manter a aparência de segurança e agradar anunciantes, enquanto o conteúdo criminoso permanece acessível para quem sabe procurar.
🍂 Meio ambiente
Liderança indígena, Alessandra Korap Munduruku denuncia a exclusão dos povos originários e das populações tradicionais das conferências internacionais e dos debates que impactam diretamente seus territórios, como a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), que acontece em novembro, em Belém (PA). À revista Cenarium Korap classifica esses espaços como “farsa institucional” e afirma que os interesses econômicos são colocados acima das necessidades das populações locais. “Há uma urgência de assinar créditos de carbono porque a COP está chegando. Mas e a nossa urgência com a seca? Com a queimada? Com a demarcação das terras indígenas? Não é urgente também, não?”, questiona.
📙 Cultura
“O funk comercial já nasce com investimento e uma fórmula para ser vendido. O alternativo vem dos artistas independentes, tocando em bailes e descoberto de forma orgânica”, afirma DJ Erick.JPG, expoente do funk alternativo LGBTQIA+. Atualmente o estilo está entre as três maiores playlists brasileiras do Spotify e tem sido cada vez mais conhecido mundialmente. A Emerge Mag conta como o funk tem se reinventado para manter sua essência, caracterizada pela liberdade, improviso e resistência, diante da chegada ao mainstreaming. Segundo a Associação Brasileira de Música Independente, mais de 60% das músicas de funk lançadas em 2023 foram produzidas de forma independente, fortalecendo uma rede que inclui DJs, produtores, coreógrafos e estilistas.
🎧 Podcast
O preconceito histórico e a falta de acesso a direitos básicos dificultam o debate sobre saúde mental nas periferias brasileiras. O “Cena Rápida”, produção do Desenrola e Não Me Enrola, conversa com Géssica de Paula, do projeto Saúde Mental nas Periferia, e Kwame dos Santos, psicanalista, supervisor clínico e integrante do Margens Clínicas, sobre o tratamento de transtorno psicológicos e o adoecimento psíquico e emocional em territórios periféricos. Em destaque, está a necessidade de políticas públicas eficazes e um olhar antimanicomial e racializado para atender às necessidades específicas dessas populações. “A maioria das pessoas que atendi eram mulheres negras. Grande parte chega falando sobre uma sobrecarga”, afirma Kwame.
🧑🏽🏫 Educação
Punir ou privilegiar escolas usando índices de qualidade da educação, como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), é um equívoco, afirma Romualdo Portela, professor do curso de pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Pará. O Porvir ouviu especialistas que explicam o papel dos indicadores escolares e a importância de levar em conta a participação da comunidade escolar e o contexto social da escola. “O que nós estamos assistindo no Brasil é que muitas redes pressionam os gestores para que eles alcancem bons resultados, independentemente de como fazer isso. E, nessa questão, a gente compromete o processo de ensino-aprendizagem em nome de bons resultados nessas provas”, afirma Miriam Fábia Alves, professora da Universidade Federal de Goiás e presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação.