O depoimento de Bolsonaro à PF e a agricultura familiar no país
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🔸 A pressão, o desconforto e a tentativa de liberar as joias vindas da Arábia Saudita seguindo à risca a lei. O auditor André Luiz Gonçalves Martins, delegado-adjunto da Alfândega da Receita Federal no Aeroporto de Guarulhos, conta que, primeiro, o governo pressionou pela liberação das joias milionárias que entraram no país ilegalmente. Mas, se no dia 29 de dezembro de 2022, a Receita recebeu um emissário do governo alegando urgência no Aeroporto de Guarulhos, o que se seguiu foi o silêncio absoluto. No dia 30 daquele mês, Bolsonaro, derrotado nas eleições, foi para os Estados Unidos, de onde só voltou na semana passada. A revista piauí narra os bastidores da tentativa do ex-presidente de resgatar as joias sauditas. Os relatos da pressão e, depois, o desinteresse completo “podem ser considerados um dos indicativos de que Bolsonaro pretendia incorporar os brilhantes ao seu acervo pessoal – e não ao da União”, escreve a repórter Angélica Santa Cruz.
🔸 Bolsonaro vai depor sobre o caso hoje, na sede da Polícia Federal, em Brasília. Terá de explicar não só a entrada irregular das joias no país, mas também responder perguntas sobre o recebimento de armas, um fuzil e uma pistola, dos Emirados Árabes Unidos. O Metrópoles informa que o ex-presidente confirmou que vai comparecer à oitiva. Outras nove pessoas prestarão depoimentos para a investigação.
🔸 Pesquisa Datafolha: 51% dos brasileiros querem que Bolsonaro fique inelegível por difundir falsas acusações de fraude no processo eleitoral. Outros 45%, porém, demonstraram apoio ao ex-capitão, dizem acreditar na inocência de Bolsonaro e consideram a inelegibilidade, no caso que tramita no Tribunal Superior Eleitoral, uma “punição excessiva”. A CartaCapital lembra que a Justiça eleitoral encerrou na sexta-feira a coleta de provas e, agora, Bolsonaro e PDT, que protocolou a ação, devem fazer suas alegações finais antes do julgamento.
🔸 “Orçamento Secreto 2.0”. A nova portaria do governo federal que define a distribuição do orçamento deste ano carece de transparência. Foi este, aliás, um dos pontos que levaram o Supremo Tribunal Federal (STF) a julgar inconstitucional o mecanismo criado em 2020 pelo governo Bolsonaro. A ferramenta então permitia que parlamentares usassem as chamadas emendas do relator para destinar verbas do orçamento sem se identificar. Agora, a nova modalidade criada pelo governo Lula mantém o processo pouco claro. Em entrevista ao Headline, o diretor-executivo da Transparência Internacional no Brasil, Bruno Brandão, afirma inclusive que “o atual arranjo está ainda mais opaco do que estava na última versão do orçamento secreto”.
🔸 O governo abriu um crédito extraordinário de R$640 milhões para a proteção de indígenas e seus territórios. O valor, garantido via medida provisória, será destinado a diversas pastas e órgãos do governo, como detalha o Notícia Preta. A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), por exemplo, receberá cerca de R$146 milhões que serão usados para “regularização, demarcação e fiscalização de Terras Indígenas e proteção dos povos indígenas isolados”. Já o Ibama deve receber pouco mais de R$ 63 milhões para “fiscalização ambiental relacionada à proteção” de territórios.
📮 Outras histórias
“[A Prefeitura de Curitiba] Marcou meu corpo, ao tentar me silenciar. Muitas pessoas me relacionam à Marielle Franco na Fundação de Ação Social (FAS). E, por muito tempo, eu não gostava de ser reconhecida assim. Porque a Marielle morreu. Morreu por falar, por denunciar. Esse processo administrativo é uma maneira de me matar. Existem muitas formas de matar pessoas, silenciando-as é uma delas.” O depoimento é da servidora Elaine Batista, que acusa a FAS de racismo. O Plural conta que ela, mulher negra, é alvo de um processo disciplinar no órgão, por ter enviado mensagens de WhatsApp sobre reintegração de posse numa ocupação. Embora outros servidores tenham trocado informações sobre o caso no mesmo grupo do aplicativo, ela é o único alvo de um processo administrativo.
Num só mês, Salvador registrou quatro chacinas, mais de 130 tiroteios e um total de 140 pessoas baleadas. Os dados do Instituto Fogo Cruzado se referem à violência armada na capital baiana e na região metropolitana ao longo de março. Dos 136 tiroteios, 45 ocorreram durante ações e operações policiais que resultaram na morte de dez pessoas. “Temos um modelo de segurança que privilegia o confronto e a ocupação de territórios em detrimento da proteção à vida das pessoas, e isso tem colocado a população em constante ameaça, afetando também a própria segurança dos agentes envolvidos nestas operações”, avalia Dudu Ribeiro, cofundador da Iniciativa Negra por Uma Nova Política de Drogas, parceira do Fogo Cruzado na Bahia.
📌 Investigação
Mesmo com a volta das aulas presenciais, prefeituras no Nordeste não fizeram compras mínimas para a merenda escolar. Levantamento da Gênero e Número mostra que, nos municípios de Camutanga e São José do Egito, em Pernambuco, e São Raimundo Nonato, no Piauí, as aquisições da agricultura familiar, pequenas agricultoras, quilombolas, indígenas e assentados da reforma agrária não foram realizadas ou não atingiram o mínimo de 30% garantido pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Mulheres são as mais impactadas pela não execução do orçamento para a área. “É uma renda que ajuda nas despesas. Quando não tem [os recursos do PNAE], a gente come menos, tem que diminuir a feira”, afirma a agricultora Ana Lúcia Alves, da área rural de São José do Egito.
A propósito: o governo federal tem tentado fortalecer a agricultura familiar. Desde que assumiu, Lula organizou a reestruturação das equipes do PNAE e atualizou o orçamento do programa. Já a realidade no Legislativo é bem diferente. Projetos de lei nas duas casas tentam retirar a prioridade de assentados, indígenas e quilombolas e introduzir carnes, leites e outros itens de origem animal no cardápio escolar.
🍂 Meio ambiente
Com o slogan de “futuro sustentável” por meio de papel e celulose “verdes”, a Klabin estende seus interesses para a mineração. A empresa cobiça 194 jazidas em três estados brasileiros, inclusive em pontos que colocam em risco áreas de preservação ambiental, mananciais hídricos e territórios de povos tradicionais. Em 2022, declarou ao governo ter extraído pouco mais de R$ 9,9 milhões em minérios, valor acima da média de extração obtida entre 2012 e 2022. A Repórter Brasil revela que os requerimentos ativos estão concentrados no Paraná (136) e em Santa Catarina (57). O pedido restante mira o estado de São Paulo, onde a Klabin já tem autorização para pesquisa mineral no Vale do Ribeira, região que concentra a maior área de Mata Atlântica contínua preservada no Brasil.
O termo “justiça ambiental” ganhou espaço nas discussões sobre as mudanças climáticas. A expressão foi utilizada pela primeira vez na década de 1990, depois de manifestações da década anterior, nos Estados Unidos, por populações periféricas contra o despejo de lixo tóxico e de resíduos poluentes onde moravam. Os protestos evidenciaram que havia um perfil comum, principalmente racial, entre os mais prejudicados pela destruição do meio ambiente – o que fundamenta a definição de racismo ambiental. O Nós, Mulheres da Periferia explica o conceito, como ele se aplica em acordos internacionais e também como se reflete na vida das cidades.
📙 Cultura
“As mulheres ocupam vários papéis, estudam mais que os homens, vão além, se preparam, se produzem, enquanto o homem bota o tênis, a bermuda e o boné e vai cantar.” Sharylaine, de 53 anos, é rapper e criou o “Rap Girl's”, em 1986, primeiro grupo de rap formado somente por mulheres no Brasil. Desde essa época, mulheres negras lutam para trazer o machismo para o centro do debate e investem em formação política e produção de conhecimento de gênero. Com mais de 30 anos de trajetória na cultura hip hop, a rapper afirma que mulheres também são minoria em contratações de shows: “A gente ainda tem eventos e festivais que 80% são homens”. Além de Sharylaine, o Desenrola e Não Me Enrola conversa com as artistas Brrioni e Preta Ary sobre as dificuldades para se consolidar nessa indústria.
Quebrando a rigidez da educação racionalista europeia, professores trazem a cultura afro-brasileira para a sala de aula. Por meio de histórias ancestrais, conseguem engajar crianças em diferentes áreas de estudo. É o caso do Ogã e professor de matemática Joseney Leite Conceição, que mescla métodos matemáticos usuais ao conhecimento do candomblé. Ao Nonada ele lembra de quando levou os alunos para conhecer o terreiro que frequenta. Durante a visita, a turma aprendeu sobre a matemática ancestral africana, desenhos geométricos, círculos, retângulos e de que forma estes são organizados nas casas dos Orixás. “Estávamos aprendendo sobre geometria plana e também mostrando que ali são várias Áfricas. É terra de Ketu, de Oxóssi, de Oxum. Cada ambiente vai trazer elementos de um país do continente africano e daqueles povos.”
🎧 Podcast
Lobby, propaganda enganosa e má ciência são alguns dos artifícios utilizados pela indústria de ultraprocessados para conquistar isenções tributárias e outras vantagens que barateiam seus produtos. Já os alimentos saudáveis e orgânicos pagam altos impostos e não conseguem competir com esses itens. O “Ciência Suja”, produção da Rádio Guarda-Chuva, põe na mesa o impacto dos ultraprocessados na saúde e o mercado que gira ao redor deles. O episódio conversa com a coordenadora do programa de Alimentação Saudável da Aliança de Controle do Tabagismo, Marília Sobral Albiero, e com os pesquisadores Leandro Rezende e Eduardo Nilson. Os dois são autores de uma pesquisa recente que relacionou o consumo de ultraprocessados a 57 mil mortes prematuras por ano no Brasil.
🧑🏽🏫 Educação
Escolas quilombolas enfrentam situação precária, e os jovens acabam empurrados para fora das comunidades. Estudo do Projeto Quilombos e Educação, realizado pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), em parceria com outras organizações quilombolas, analisou o Censo Escolar do Inep de 2020 e identificou que a estrutura de escolas quilombolas é desigual em relação a outras unidades do país. A escassez de dados sobre educação quilombola e a dificuldade de acesso a essas informações são empecilhos para o monitoramento e a produção de políticas públicas. A Alma Preta narra que a precariedade inclui falta de salas de leitura, de bibliotecas e de internet, salas superlotadas, além de alimentação e transporte escolar insuficientes.