As denúncias contra o Ministério das Mulheres e um conceito em debate
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🔸 O Ministério das Mulheres é alvo de denúncias de assédio moral e racismo. Nos bastidores do governo, a pasta seria conhecida como “Ministério do Assédio”, como revela a Alma Preta, que ouviu 17 funcionárias e ex-funcionárias sobre o caso. Elas falam em condição de anonimato, por medo de represálias. As denúncias são direcionadas à ministra Cida Gonçalves e à secretária-executiva da pasta, Maria Helena Guarezi. Uma das principais vítimas seria Carmen Foro, ex-secretária da pasta, ativista paraense do movimento de mulheres negras, ribeirinhas e das trabalhadoras rurais. Numa reunião em abril, Guarezi teria dito a ela para se sentar porque seu cabelo estaria atrapalhando a visão do espaço. Carmen Foro tem cabelo crespo. Foi demitida em agosto. A reportagem também teve acesso a áudios de uma reunião da ministra com a equipe da ex-secretária. Cida Gonçalves então acusou Foro de fazer campanha política no Pará em vez de focar no trabalho no governo. Funcionárias relatam ainda que, ao questionar políticas sobre mulheres negras, a cúpula do ministério com frequência emitia comentários como: “De novo isso de racismo?” ou “já vem essa de mulher negra”. A pasta nega as acusações e afirma que nenhum caso foi formalizado.
🔸 “Essas polêmicas expõem as contradições do governo Lula, que se comprometeu a promover a inclusão racial e de gênero, mas agora enfrenta críticas de que as ações não têm correspondido às expectativas”, avalia o Mundo Negro, lembrando também problemas no Ministério da Igualdade Racial (MIR). A pasta enfrenta pressão do próprio movimento negro: dez entidades enviaram uma carta ao presidente criticando a gestão de Anielle Franco. O texto diz que há um “apagamento da participação social” na formulação de políticas. A demissão de Yuri Silva, ex-secretário do Sinapir, considerado pelas entidades uma das lideranças mais representativas do movimento na pasta, é vista como “um reflexo do afastamento entre o governo e as demandas históricas do movimento”. Soma-se a isso outra carta de insatisfação com o MIR – assinado por representantes de 87 terreiros de candomblé, o documento aponta descaso e falta de diálogo com o setor. “As denúncias de racismo e assédio moral no Ministério das Mulheres e as insatisfações com o Ministério da Igualdade Racial revelam um governo que ainda luta para harmonizar as promessas de campanha com a realidade dentro das estruturas de poder.”
🔸 Embora desde 2012 a cota feminina das eleições reserve 30% das candidaturas a mulheres, não houve grandes avanços na representatividade. Isso porque a lei de cotas atua sobre a oferta eleitoral, e não sobre a ocupação de assentos em Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas e Câmara dos Deputados. Em reportagem visual com os números de mulheres candidatas e eleitas a Câmaras Municipais no país, a Gênero e Número mostra como o impacto da lei ainda é tímido. “Nosso sistema eleitoral não favorece a boa aplicação do modelo de cotas que temos, mas pode ser aperfeiçoado. Alguns países fazem a adaptação na lista aberta. Por exemplo, se o partido conseguiu seis cadeiras, uma parte delas precisa ser necessariamente distribuída para as mulheres”, explica Débora Thomé, doutora em Ciência Política.
🔸 Começou ontem, em Londres, o julgamento sobre a responsabilidade da mineradora BHP Billiton no rompimento da barragem em Mariana, em Minas Gerais. O desastre aconteceu em novembro de 2015, destruiu comunidades inteiras e contaminou o rio Doce. A barragem era operada pela Samarco, uma joint venture entre a Vale e a BHP Brasil. O Por Dentro de Minas detalha o cronograma da ação coletiva, considerada a maior do mundo em termos de impacto ambiental: são cerca de 620 mil vítimas do rompimento, incluindo comunidades indígenas, organizações religiosas, empresas e 46 municípios. O julgamento segue até 5 de março de 2025 e será crucial para determinar se a matriz global da BHP pode ser legalmente responsabilizada pelo desastre, o que servirá como precedente jurídico para outras ações internacionais.
📮 Outras histórias
Esther Albuquerque tem só 13 anos, mas já decidiu o que chama de “meta de vida”: “O meu desejo no futebol é treinar, me empenhar ao máximo, para um dia chegar na seleção brasileira feminina e, como sou flamenguista, seria uma honra vestir a camisa e representar meu time de coração. E eu também queria muito jogar fora do país onde o futebol feminino é mais reconhecido”, diz a adolescente, conhecida no Morro do Vidigal, zona sul do Rio de Janeiro, como “Estherzinha Jogadora”. O Voz das Comunidades resgata a história do futebol feminino no país e mostra como a paixão de Esther é fruto do reconhecimento do esporte. Ela é fã da craque Marta e tem o apoio da mãe, Fernanda Albuquerque, e do treinador Paulo Cypa. “A Ester realmente é muito talentosa, se destaca pela grande habilidade. Já estamos em contato com pessoas do futebol feminino com o objetivo de encaminhá-la para algum clube”, diz o professor.
📌 Investigação
Um áudio é motivo de disputa judicial nas eleições à Prefeitura de Palmas (TO). Na gravação, uma voz atribuída à deputada estadual Janad Valcari (PL) fala de forma agressiva com uma funcionária, chamando-a de “idiota”. Durante o primeiro turno, o candidato Professor Júnior Geo (PSDB) passou a apresentar o áudio em sua propaganda eleitoral. No entanto, a defesa de Janad Valcari alega que o conteúdo seria uma “deepfake” — mídia falsa gerada por inteligência artificial. Um laudo apresentado por seu opositor diz o contrário. “A obrigação de provar que há adulteração é de quem alega que houve adulteração”, afirma ao Aos Fatos a advogada Aline Ranielle, que participou da equipe jurídica de Júnior Geo. O candidato do PSDB não foi para o segundo turno, mas Eduardo Siqueira Campos (Podemos), que segue na disputa pela prefeitura, republicou a gravação em seu Instagram afirmando: “TRE confirma: voz humilhando funcionária é da Janad”.
🍂 Meio ambiente
Fortaleza perdeu mais de 80% de sua cobertura vegetal natural ou seminatural ao longo dos últimos séculos, constata estudo. Um artigo, recém-publicado na “Revista Brasileira de Geografia”, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), constatou que a capital do Ceará passou por uma drástica redução de cobertura vegetal durante o processo histórico de crescimento. A Agência Eco Nordeste conta que 83,7% da extensão original municipal já são áreas antropizadas (modificadas pela ação humana) com eliminação total dos ecossistemas naturais. “Diante do cenário de crise climática, muitos bairros de Fortaleza, especialmente na região sudoeste, necessitam urgentemente de projetos de reflorestamento. Fala-se pouco sobre reflorestamento em áreas urbanas, mas não basta apenas criar praças ou parques urbanos; é necessário repensar o modelo de cidade, onde as florestas façam parte do ambiente urbano”, alerta a pesquisadora Maria Ligia Farias Costa, cientista ambiental e uma das colaboradoras do artigo.
📙 Cultura
Moradora de Fazenda Coutos, bairro da periferia de Salvador (BA), Giulia Sousa, 13 anos, assina a ilustração de um livro. “A História do Monstro Azul e Vermelho”, escrito por Pedro Dias, 8 anos, narra a jornada de um grupo de amigos que começa a investigar fatos estranhos e assustadores. O Entre Becos conversa com a desenhista sobre o lançamento do livro, marcado para o dia 25, em Salvador. Giulia conta que, embora seja seu primeiro grande trabalho remunerado, na escola, já vendia desenhos de animação e realismo para os colegas. “Sendo agora uma ilustradora remunerada por um livro, aos 13 anos, me sinto muito privilegiada, muito mesmo, porque foi um negócio que surgiu e veio assim na minha vida e está crescendo demais”, diz a desenhista, que usa o TikTok como ferramenta de aprendizado.
🎧 Podcast
“Falta a gente se reinventar um pouco na política, e saber se comunicar melhor com o sentimento da população, das famílias brasileiras”, afirma Camilo Santana, ministro da Educação, sobre a articulação da esquerda em relação à polarização política. Em entrevista às Cunhãs na reta final das eleições municipais de 2024, ele comenta a disputa eleitoral para a prefeitura de Fortaleza (CE) – entre Evandro Leitão (PT) e André Fernandes (PL). “Quando você analisa os municípios do Ceará, e não é diferente de outros estados do Nordeste, a capital é mais bolsonarista. O grande fenômeno é atingir as periferias, os mais pobres”, avalia. Santana fala ainda sobre os desafios da educação para o governo federal: “Nós estamos olhando de forma sistêmica da creche à universidade. Mas estamos focando, prioritariamente, na educação básica brasileira, que nunca foi priorizada pelo MEC”, explica.
🙋🏾♀️ Raça e gênero
Comumente atrelado a interações sexuais, o significado de “consentimento” pode entrar numa zona cinza. Isso acontece por não haver um consenso entre quem estuda o tema sobre qual seria a melhor definição. A revista AzMina explica que o conceito – definido como a autorização para a realização de uma ação e frequentemente aplicado a campanhas de prevenção à violência – ainda gera debates. No livro “Precisamos Falar de Consentimento: Uma Conversa Descomplicada sobre Violência Sexual Além do Sim e do Não”, as autoras explicam que há pelo menos quatro outras formas pelas quais a ideia de consentimento já foi historicamente apresentada. No feminismo mais radical, por exemplo, o consentimento nem sequer existe, uma vez que as escolhas das mulheres não são totalmente livres, e sim limitadas pelas desigualdades sociais.