As demandas frustradas na Cúpula da Amazônia e a cannabis nas favelas
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🔸 A morte de uma criança a tiros pela polícia no Rio de Janeiro mobilizou o país nesta semana. Thiago Menezes, de 13 anos, passeava de moto com um amigo pelas ruas da Cidade de Deus, na zona oeste da cidade, quando ambos foram atingidos por agentes da Polícia Militar que patrulhavam o local. O Voz das Comunidades detalha o caso e reúne a repercussão da tragédia. No Rio, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) apontou o despreparo da polícia: “Um cidadão que atira e mata um menino de 13 anos é despreparado e irresponsável”. Diretora do Instituto Fogo Cruzado, Cecilia Olliveira afirmou: “Nós somos uma sociedade racista e a polícia é um espelho dela – só que com armas nas mãos – trabalhando dentro da lógica de uma política assumidamente racista que é a guerra às drogas”.
🔸 Primeira advogada indígena do Brasil, primeira parlamentar indígena do país e primeira mulher indígena a assumir a presidência da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). “Sou resultado de muito trabalho das lideranças indígenas do passado, que sonharam em nos ver nesses espaços e do empoderamento das mulheres indígenas, que sempre se viram como protagonistas, mas agora ocupam espaços”, afirma Joenia Wapichana em entrevista à Gênero e Número. Ela revê a própria trajetória, defende que a prioridade dos povos indígenas é a demarcação de terras e conta que tem trabalhado para que a Funai volte à normalidade, depois de quatro anos “maltratado”. Entre suas demandas, está a de que o órgão tenha poder de polícia e, também, o dobro de orçamento proposto pela gestão anterior.
🔸 “A Cúpula da Amazônia abordou os temas certos, mas não entregou o que a sociedade, o setor privado e a academia esperam: um conjunto de ações concretas.” A avaliação de Marcelo Furtado, da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, ecoa a frustração de outros especialistas sobre a Declaração de Belém, documento concebido durante a Cúpula por oito países amazônicos. O Projeto Colabora reúne opiniões semelhantes sobre o resultado do encontro. Para Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima, o texto é uma “lista de desejos” sem contundência: “Não é possível que, num cenário como esse, oito países amazônicos não consigam colocar numa declaração, em letras garrafais, que o desmatamento precisa ser zero e que explorar petróleo no meio da floresta não é uma boa ideia”.
🔸 O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar hoje se a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) vai se tornar ré no caso em que perseguiu um homem empunhando uma pistola nas ruas de São Paulo, às vésperas do segundo turno das eleições 2022. O Metrópoles informa que o ministro Gilmar Mendes foi o primeiro a votar e foi favorável a aceitar a denúncia contra a parlamentar. Segundo ele, “o uso [da arma] fora dos limites da defesa pessoal, em contexto público e ostensivo, ainda mais às vésperas das eleições, em tese, pode significar responsabilidade penal”.
📮 Outras histórias
Em áudio: “Nunca se fala de Porto Alegre como uma cidade negra. A mão de obra que construiu essa cidade, que construiu esse país, é uma mão de obra negra, é uma contribuição cultural muito forte.” Ubirajara Carvalho Toledo, metroviário e integrante do Instituto de Assessoria às Comunidades Remanescentes de Quilombos, é o entrevistado do “De Poa”, podcast do Sul21. Ele defende a importância do Censo 2022 ter incluído os quilombolas e critica a lentidão do processo de titulação dos territórios dessas populações: “Se, em 23 anos, nós temos apenas quatro comunidades [certificadas no Rio Grande do Sul] e nós temos 102 processos abertos no Incra de solicitação, nessa velocidade, vamos precisar de mais 500 anos”.
📌 Investigação
O deputado federal José Eurípedes Clemente (União-RO), o Lebrão, e o fazendeiro Guedes Arcanjo Tavares teriam ameaçado famílias ribeirinhas que vivem no Baixo Rio Madeira, em Porto Velho (RO), por terras. A Agência Pública ouviu 12 pessoas que dizem ter sofrido ou testemunhado casos de ameaças e expulsões vindas dos dois nos últimos meses. “Além do problema da terra, vemos muitos casos de agressão por termos nosso direito arrancado, como o que aconteceu com um senhor que quase foi afogado por pescar no lago que antes todo mundo usava”, conta uma moradora, em condição de anonimato.
🍂 Meio ambiente
As demandas do movimento negro não foram contempladas na Cúpula da Amazônia. Entre elas, estão o enfrentamento ao racismo ambiental. A Alma Preta explica que o termo nem sequer aparece na Declaração de Belém, mesmo após o anúncio da criação do comitê de monitoramento da Amazônia Negra e Combate ao Racismo Ambiental pela ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco. O órgão deve ser criado em parceria com o Ministério do Meio Ambiente.
A Mata Atlântica tem atualmente 396 unidades de conservação (UCs) na esfera municipal no Cadastro Nacional de Unidades de Conservação. Um mapeamento feito pela Fundação SOS Mata Atlântica, porém, revela pelo menos 1.530 UCs municipais no bioma. Em muitos municípios pequenos, as informações sobre áreas protegidas ficam ilhadas, pouco acessíveis e invisíveis. Segundo O Eco, o abismo entre os valores provavelmente se repete em outros biomas e alerta para a invisibilidade das unidades de conservação municipais, que podem ter um papel chave na preservação dos remanescentes da Mata Atlântica.
📙 Cultura
Um dos maiores diretores de teatro do país, Aderbal Freire Filho marcou os palcos já no início de sua carreira com a peça “Apareceu a Margarida”, de 1973, uma representação do autoritarismo na educação, que teve sua temporada de apresentações interrompida pela censura da ditadura. Líder da revitalização do teatro carioca e mentor para várias gerações de atores e dramaturgos, o artista morreu na última quarta-feira, aos 82 anos. O Portal Terra conta que Aderbal estava internado havia meses devido a um acidente vascular cerebral que sofreu em 2020. O diretor teatral deixou a companheira, a atriz Marieta Severo, e dois filhos, Camilo e Aderbal.
“É importante que as crianças de hoje entendam que somos protetores de nossas terras, das culturas e das comunidades”, diz a atriz Yawi Kamayurá, que participa do musical “Kwat e Jaí – Acalantos Indígenas para Bebês”. O espetáculo será encenado nesta sábado no Theatro Municipal de São Paulo. O Lunetas conta que a obra é um desdobramento do curta “Kwat e Jaí – Os bebês Heróis do Xingu”, dirigido por Clarice Cardell, que traz as infâncias indígenas do alto Xingu, no Mato Grosso, por meio de canções e poesias de histórias ancestrais para as crianças.
🎧 Podcast
Existem mais famílias querendo adotar do que crianças e adolescentes para a adoção no Brasil. O problema é que, na maioria das vezes, os perfis não se cruzam – isso porque as famílias adotivas procuram por filhos mais novos, normalmente brancos, sem deficiência e sem irmãos. Esse é um dos principais pontos que dificultam o processo, que acaba sendo longo. O cruzamento dos perfis, no entanto, é uma forma de a Justiça tentar proteger órfãos de serem devolvidos. A “Rádio Escafandro”, produção da Rádio Guarda-Chuva, mergulha no último caso – o da devolução de crianças adotadas, que hoje não tem dados oficiais no país.
💆🏽♀️ Para ler no fim de semana
Historicamente afetados pela guerra às drogas, moradores de comunidades passam a integrar também o mercado canábico. “Na periferia, onde cresci, a cannabis costuma ser associada à criminalidade. Por isso, sempre mantive distância do assunto”, relata a empreendedora Tatiane Cruz à revista piauí. Ela é fundadora da Galáxia Beauty, startup de Paraisópolis, uma das maiores favelas de São Paulo, e treina revendedoras autônomas de cosméticos. Cruz conheceu a possibilidade de fazer cosméticos com substâncias da erva e pretende lançar uma linha de três produtos entre outubro e dezembro.