Os deepfakes nas escolas e um movimento contra o petróleo na Amazônia
Uma curadoria do melhor do jornalismo digital, produzido pelas associadas à Ajor. Novos ângulos para assuntos do dia
🔸 Dois meses depois de o vídeo sobre adultização de Felca viralizar e impulsionar mais de 30 projetos na Câmara, apenas um avanço concreto saiu do papel: a sanção do ECA Digital. A nova lei atualiza o Estatuto da Criança e do Adolescente para o ambiente online. O Congresso em Foco revela que a maioria dos projetos apresentados por deputados após o vídeo segue parada. Há propostas como criminalizar a “adultização infantil” e a exposição sexualizada por pais (com perda do poder familiar e bloqueio de perfis), ou ainda a criação de um cadastro nacional de condenados por crimes digitais contra crianças. Os projetos permanecem em fase inicial de tramitação. O ECA Digital, sancionado por Lula em setembro, vincula contas de menores de 16 anos a responsáveis, exige verificação de idade pelas plataformas, proíbe impulsionamento e monetização de conteúdo erotizado com crianças e adolescentes e impõe remoção imediata de conteúdos ligados à exploração sexual.
🔸 A nova lei, aliás, não trouxe regras específicas para deepfakes. Nas escolas, meninas de 12 a 17 anos corresponderam a 100% das 72 vítimas de deepfakes sexuais. É o que mostra a SaferNet Brasil. Desde 2023, a organização mapeou 16 casos de deepfakes sexuais em escolas brasileiras, com 72 vítimas – todas meninas – em dez estados. A maioria dos casos ocorreu em São Paulo, seguido de Bahia e Rio Grande do Sul. Segundo o Núcleo, os 57 agressores mapeados também são adolescentes, e os episódios ocorreram em instituições privadas. Segundo Juliana Cunha, diretora da SaferNet Brasil, a dinâmica repete a de vazamentos não consensuais, mas a inteligência artificial amplia a escala e velocidade do dano. Ela afirma que o artigo do 241-C do ECA (sobre simulação de cenas sexuais com crianças e adolescentes) é a tipificação mais adequada para o crime, embora autoridades frequentemente apliquem o artigo 218-C do Código Penal, que trata da “divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia”.
🔸 A propósito: mulheres vítimas de deep nudes vivem um limbo digital ao passo que sites e canais lucram com imagens falsas geradas por IA. O caso de Rafaela Bomfim, estudante de 21 anos que encontrou nudes falsos seus em um site adulto, ilustra o impacto: sensação de abuso, paranoia, isolamento e medo. “Eu entrei no perfil do cara que postou e tinha milhares de meninas. Muitas provavelmente nem sonham que isso está sendo feito com elas”, conta. Especialistas ouvidos pela Agência Pública afirmam que, embora exista legislação para a violência digital à intimidade de mulheres, há lacunas importantes, como a falta de responsabilização efetiva das plataformas que lucram com esse conteúdo. “Não existe uma regulamentação hoje suficiente que responsabiliza o provedor […] Ele monetiza por conta disso. Então, ele tem que ter alguma responsabilidade também”, afirma a advogada e pesquisadora Lucimara Plaza Tena.
🔸 Durante a guerra de Israel contra Gaza, órgãos do Ministério da Justiça compraram rifles da fabricante israelense Israel Weapon Industries (IWI), a mesma fornecedora das forças israelenses. A Alma Preta mostra que a Polícia Federal (PF) adquiriu 200 fuzis da empresa por cerca de R$ 2,2 milhões em 31 de dezembro de 2024. Na véspera, o Ibama também havia comprado armamentos da IWI. Já a Senappen comprou 272 armas por R$ 3 milhões em novembro de 2024. Um dia antes da assinatura do contrato, Gaza informava que mais de 44 mil pessoas haviam morrido no território atacado por Israel. A reportagem teve acesso a uma troca de mensagem entre o Ministério da Justiça e a empresa. A pasta fez o envio do brasão do Brasil para a marcação das armas, e aprovou o layout em 17 de junho de 2025 – data em que o presidente Lula falava ao G7, no Canadá, que nada justificava a “matança indiscriminada de milhares de mulheres e crianças e o uso da fome como arma de guerra”.
📮 Outras histórias
Em nova vitória na Justiça, a Universidade Federal de Pernambuco retomou, pela segunda vez em menos de uma semana, o edital do curso extra de Medicina voltado a assentados da reforma agrária e quilombolas em parceria com o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera). A Marco Zero teve acesso à decisão do desembargador Fernando Braga Damasceno que derrubou a liminar da 9ª Vara Federal de Pernambuco, concedida após ações de vereadores do Recife: Thiago Medina (PL) e Tadeu Calheiros (MDB) contrários à iniciativa. Medina difundiu a falsa ideia de que o curso seria “exclusivo para o MST”. O edital oferece 80 vagas extras para o campus Caruaru (40 em ampla concorrência e 40 no sistema de cotas), sem reduzir vagas regulares.
📌 Investigação
Amado e festejado pelas populações locais, sobretudo pescadores, o rio Mearim, no Maranhão, está cada vez mais raso, consequência de uma diminuição do volume de chuvas. Um levantamento da Defesa Civil, feito a pedido d’O Pedreirense, analisou os primeiros semestres dos últimos cinco anos e mostra que, enquanto 2023 aparece como o ano mais chuvoso, com 1.600 mm, 2025 se destaca pela queda da pluviosidade, com 1.055 mm. A situação aumenta o alerta sobre as mudanças no ciclo d’água em uma área que historicamente enfrenta problemas no abastecimento de água. “As pessoas precisam entender que a baixa das águas do rio pode causar escassez de água para seu uso doméstico, para a agricultura, além de comprometer a navegação e a pesca”, afirma Edson da Silva Barrinha, professor de Geografia no Instituto Federal do Maranhão (IFMA) campus Pedreiras. “Tá difícil ser pescador no Mearim, logo tá muito raso. Saio para pescar e não pego uma caixa de peixe”, relata o pescador Reginaldo Alves, com 40 anos de atividade.
🍂 Meio ambiente
Mais de 800 parlamentares mundiais já assinaram um documento para barrar novas explorações de petróleo e gás na Amazônia. O relatório é resultado de mais de um ano de investigações de congressistas de países amazônicos, amparadas por contribuições de indígenas, cientistas, sociedade civil e representantes de governos. Segundo O Eco, o trabalho indica que em 15 anos, cerca de 5 mil derrames de petróleo causaram estragos ambientais “maiores que os benefícios econômicos”. “Países como Peru, Equador e Colômbia têm indústria petrolífera há mais de 50 anos, com poucos ganhos e muitos estragos. Agora, o Brasil avança nesse modelo [na foz do Rio Amazonas]”, disse o representante federal Juan Carlos Lozada Vargas, do Partido Liberal colombiano. O documento destaca ainda que a massa da dívida pública ligada à expansão desses combustíveis também aprisiona países amazônicos num círculo vicioso de endividamento, forçando escolhas de curto prazo que mantêm a região amarrada na exploração de petróleo e gás, degradando ainda mais o bioma, suas populações e o clima.
📙 Cultura
“As mulheres sempre fizeram parte do movimento funk, só que a história delas foi apagada. Também é por isso que existe a Frente Nacional de Mulheres do Funk, para evidenciar as vozes da política, da cultura e da arte que representam essa cultura, mas foram invisibilizadas”, afirma a pedagoga e dançarina Renata Prado, uma das fundadoras da Frente Nacional de Mulheres do Funk. Em entrevista à revista AzMina, ela fala sobre o papel da organização na luta pela comunidade do funk e pelo protagonismo das mulheres dentro do ritmo. “A presença das mulheres do funk vai além da sexualidade. Somos plurais, atuamos em diversas frentes na cultura funk, mas isso não exclui o nosso direito de exercer a sexualidade. O movimento fala sobre liberdade, alegria, sexo, que são coisas que fazem parte da natureza humana. Para nós, não é nenhum tabu falar sobre todas essas questões, mas sem colocar a mulher somente em um lugar.”
🎧 Podcast
Da infância em Santa Catarina à paixão inicial pela ciência, a jornalista Sônia Bridi acumula quatro décadas de coberturas marcantes na TV Globo. No “Vida de Jornalista”, produção da Rádio Guarda-Chuva, a repórter revisita sua trajetória, entre as viagens por todo o mundo nas séries do “Fantástico”, a cobertura das chacinas da Candelária e de Vigário Geral, as entrevistas com Fernando Collor e Dalai Lama, a tragédia das chuvas em Teresópolis e a subida ao monte Kilimanjaro, na Tanzânia. O episódio também mergulha em suas reportagens sobre meio ambiente e ciência, destacando seu trabalho na Amazônia, como a crise humanitária no território Yanomami e suas reflexões sobre a cobertura da emergência climática.
👩🏽🏫 Educação
Embora o Brasil tenha avançado na matrícula de crianças e adolescentes do público-alvo da educação especial, que inclui pessoas com deficiência, estudantes no espectro autista e com altas habilidades, o Atendimento Educacional Especializado (AEE) não chega a todos. Segundo os dados do Censo Escolar 2024, só 20,5% das escolas brasileiras dizem oferecer AEE. Na prática, 45,5% dos alunos que precisam de atendimento especial estão em escolas sem esse recurso. O Conversation Brasil destaca as desigualdades regionais da oferta do AEE: Sul e Centro-Oeste têm o atendimento em cerca de 33% e 26% das escolas, respectivamente, enquanto Nordeste (17,4%) e Sudeste (18,1%) diminuem a média nacional. Há 568 municípios sem nenhum registro de atendimento educacional especializado, e mesmo onde o serviço existe, a estrutura ainda é frágil.