Os debates a partir do caso Marielle e os centros de tortura da ditadura
Uma curadoria do melhor do jornalismo digital, produzido pelas associadas à Ajor. Novos ângulos para assuntos do dia
🔸 A análise da prisão de Chiquinho Brazão foi adiada pela Câmara, depois de um pedido de vista de três deputados: Gilson Marques (Novo-SC), Fausto Pinato (PP-SP) e Roberto Duarte (Republicanos-AC). O primeiro justificou o pedido apontando a extensão do relatório da Polícia Federal (de 479 páginas) e da decisão de Alexandre de Moraes (de 41 páginas). Os documentos, segundo Marques, não estavam disponíveis no sistema para os membros da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. A Alma Preta explica que, agora, seguindo os ritos do regimento interno da Câmara, a decisão final sobre a prisão de Brazão poderá ser postergada para o dia 9 de abril. Chiquinho Brazão está preso desde domingo, suspeito de ser um dos mandantes do assassinato de Marielle Franco, em 2018. Por ser deputado, seu pedido de prisão precisa ser votado na Casa Legislativa.
🔸 “Estamos diante de uma oportunidade única de não tratar o assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes como um crime que se encerra em si mesmo. Ele é mais do que isso, muito mais. Ele é um retrato ampliado dessa politika que organiza a vida no Rio de Janeiro”, escreve Orlando Calheiros, doutor em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, em coluna no Intercept Brasil. Ele lembra que a família Brazão está longe de ser um caso isolado e que personagens semelhantes, “verdadeiros barões”, se conectam em redes por todo o estado.
🔸 Além de novos inquéritos, o caso Marielle pode abrir debates. A necessidade de desvincular a perícia criminal dos órgãos de investigação é um deles. O carro onde a vereadora foi morta ficou exposto a sol e chuva por 41 dias numa delegacia, sem os cuidados para preservar possíveis vestígios. “Em um órgão desvinculado, isso não ocorreria”, afirma Marcos Secco, presidente da Associação Brasileira de Criminalística (ABC), em artigo no Congresso em Foco. Outros pontos, como a perda de imagens periciais do caso, também se relacionam à estrutura da perícia no estado do Rio. A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) já determinou ao Brasil que separe a Polícia Científica das demais, em especial da Polícia Civil, para dar autonomia aos peritos criminais – o que não aconteceu.
🔸 Devendo explicações sobre a estadia na embaixada da Hungria, Jair Bolsonaro retomou uma desinformação antiga. Quando questionado por jornalistas se era normal dormir numa embaixada, retrucou: “O que não é normal é ir no Complexo do Alemão conversar com traficante”. O Aos Fatos lembra que se trata de uma fake news antiga, a de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) teria se encontrado com traficantes no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. Horas depois da afirmação do ex-presidente, bolsonaristas passaram a repercutir a fala nas redes. A declaração em vídeo postada no Instagram pelos deputados Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Gustavo Gayer (PL-GO) e Junio Amaral (PL-MG) somou 4,8 milhões de visualizações nos três perfis em apenas 11 horas. Bolsonaro se hospedou na embaixada da Hungria quatro dias depois de ter o passaporte apreendido pela Polícia Federal.
🔸 As chuvas no Espírito Santo no último final de semana deixaram 20 mortos e sete desaparecidos. A maioria das vítimas fatais e todos os desaparecidos se concentram no município de Mimoso do Sul. Ao todo, informa o Notícia Preta, já são mais de 7 mil pessoas desalojadas e sem previsão para voltar para casa. Na região serrana do Rio de Janeiro, a chuva também fez vítimas. Em Petrópolis, quatro pessoas da mesma família morreram soterradas.
📮 Outras histórias
Com temperaturas acima dos 40 graus, os estudantes de Alagoas sofrem com a falta de ar condicionado. Nas escolas públicas, a maioria das salas de aula não tem climatização. A partir de dados do Censo Escolar, a Agência Tatu revela, em parceria com a Olhos Jornalismo, que 59% das instituições de ensino públicas não possuem nenhuma sala climatizada. Por sala climatizada, entenda-se: aquela que possui ar condicionado, aquecedor ou climatizador (que umedece o ar enquanto ventila). A reportagem visitou algumas escolas públicas e conversou com alunos sobre o problema. “Tem colegas que acabam passando mal devido ao calor e são retirados de sala, já ocorreu de ter aula cancelada também”, conta a estudante Isadora Silva, que cursa o 9º ano da rede pública de ensino de Taquarana, agreste de Alagoas.
📌 Investigação
Ao menos 233 locais serviram para torturar opositores durante a ditadura, segundo levantamento da professora de história da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Heloísa Starling, que participou da Comissão Nacional da Verdade. A maior parte desses espaços, porém, não possui qualquer sinalização, deixando no escuro a possibilidade de memória das histórias de violações pelo regime, como detalha a Agência Pública. O Memorial da Resistência na cidade de São Paulo é uma das poucas exceções. “A gente cria esse estereótipo de que as coisas aconteciam nos porões, escondido, e não era assim, pelo contrário. A repressão estava na cidade inteira, na vida cotidiana de todo mundo”, diz Júlia Gumieri, pesquisadora da instituição.
🍂 Meio ambiente
Até meados de 2010, a Lagoa do Brejo, no município de Glória (BA), era um manancial quase permanente, com água suficiente para o gado. Hoje, as carcaças dos bois e vacas que morrem de sede e fome nas redondezas estão espalhadas pelo terreno de solo rachado. É o retrato da desertificação que se alastra pelo Semiárido brasileiro. Além da Lagoa do Brejo, como conta a Marco Zero, o leito do riacho Barreiras, em Petrolândia (PE), também secou. A ponte da BR-110 no trecho do município se tornou inútil, não apenas pela falta d’água, mas também pelo assoreamento.
📙 Cultura
A partir da percepção de que a maioria das músicas de pagodão baiano conhecidas está em vozes masculinas, as jornalistas e empresárias Joyce Melo e Beatriz Almeida passaram a mapear e divulgar mulheres do ritmo com a iniciativa Pagode Por Elas. “Ficamos com medo de não ter conteúdo suficiente, mas quando buscamos uma mulher, puxamos várias outras. Essa foi uma das descobertas mais maravilhosas: há muitas mulheres no pagodão baiano”, afirma Joyce Melo ao Nós, Mulheres da Periferia. O projeto inicialmente reuniu nove artistas – hoje são mais de 30 – e conta com frentes de atuação, como comunicação, selo musical e formação. Com um lineup totalmente feminino, elas conseguiram produzir a primeira edição do Festival Pagode Por Elas em janeiro deste ano.
🎧 Podcast
“A política econômica do Estado traz consequências não só sobre o espaço, mas também na forma de regular o espaço”, afirma o advogado, professor e pesquisador Rodrigo Oliveira Salgado. No “Guilhotina”, produção do Le Monde Diplomatique Brasil, ele fala sobre sua tese de doutorado, na qual traça as relações da norma de zoneamento de São Paulo de 1972 com o contexto político e econômico do país no período. A pesquisa busca entender as desigualdades na organização do espaço urbano e também a precarização da moradia das classes trabalhadoras.
🧑🏽⚕️ Saúde
A incidência da dengue entre 2010 e 2019 foi menor em cidades mineiras com média de temperaturas mínimas diárias de 11,6 a 13,7ºC, e maior naquelas com médias mínimas diárias de 21,2ºC. É o que apontam pesquisadores da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) que avaliaram a relação entre a variação de temperatura mínima diária e os casos de dengue em 38 microrregiões de Minas Gerais, o segundo com mais registros da doença nos últimos dez anos. A Agência Bori destaca, porém, que a variável climática não explica completamente a variabilidade de casos, já que os cientistas não encontraram maior incidência para a marca mínima diária acima de 22,4ºC. Além do clima, a pesquisa indica que é necessário levar em conta fatores socioeconômicos e demográficos para combater surtos de dengue, mesmo no contexto das mudanças climáticas.