O custo da guerra às drogas para moradores de favela e os narcogarimpos
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🔸 A análise da PEC da Anistia será retomada hoje pela comissão da proposta na Câmara dos Deputados. O texto prevê o perdão tanto das multas aos partidos que descumpriram as cotas orçamentárias de raça e gênero nas eleições de 2022 quanto das sanções por erros na prestação de contas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O Congresso em Foco lembra que, diante das críticas de movimentos sociais, Arthur Lira (PP-AL) disse que a proposta sofreria mudanças na comissão e que dificilmente seria como o texto original. Não foi o que aconteceu. Além de manter os pontos polêmicos, o relatório ainda adicionou a possibilidade de partidos políticos procurarem apoio empresarial para pagar multas anteriores a 2015.
🔸 Em áudio: mais um marco da violência da Polícia Rodoviária Federal (PRF). Morreu ontem Heloísa, de 3 anos, morta dentro do carro da família durante uma abordagem de agentes da PRF na Baixada Fluminense. Ela ficou nove dias internada depois de ser atingida por tiros disparados pela polícia. O “Durma com Essa”, podcast do Nexo, esmiúça o caso e lembra que a PRF participou de operações no Rio de Janeiro que deixaram 11 mortos em 2023. Os episódios acompanham o crescimento da violência da corporação nos últimos anos.
🔸 Em apenas duas favelas do Rio de Janeiro, a guerra às drogas gerou prejuízo de R$ 14 milhões a moradores. Além de causar medo e violência, as ações policiais levam ao fechamento de serviços básicos nas comunidades. Um estudo do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) mapeou em números as perdas financeiras de comunidades dos Complexos da Penha e de Manguinhos, na zona norte do Rio. A Ponte detalha a pesquisa, quarta e última fase do projeto “Drogas: Quanto Custa Proibir”. Durante tiroteios, por exemplo, 56,6% dos moradores não conseguiram usar o transporte público por e 41,1% deles relataram interrupção da energia elétrica.
🔸 Voltou a valer uma multa por pesca ilegal aplicada a Jair Bolsonaro (PL) antes de ele ser presidente. A punição havia sido anulada pouco antes de ele assumir o cargo de chefe do Executivo. A Agência Pública teve acesso ao despacho assinado pelo coordenador-geral do Centro Nacional do Processo Sancionador Ambiental do Ibama, no último domingo. O arquivamento, segundo ele, ocorreu de forma irregular. Bolsonaro era ainda deputado quando, em 2012, foi autuado pescando na Estação Ecológica de Tamoios, na região de Angra dos Reis (RJ). Ele então foi multado em R$ 10 mil, mas recorreu. O ex-presidente costumava chamar o Ibama de “indústria da multa”, e o fiscal que o multou foi exonerado logo no início do mandato. Em tempo: uma estação ecológica é a categoria mais restritiva de unidade de conservação do Brasil, onde até a presença humana é permitida apenas com autorização.
📮 Outras histórias
Em Teresina, no Piauí, feiras de agricultores não só movimentam os negócios, mas tentam criar laços entre os produtores rurais e os consumidores. Pelo programa Quitanda, criado pela Secretaria de Estado da Agricultura Familiar, agricultores levam à cidade mel, cajuína e farinha de puba, entre outros produtos. O Piauí Negócios conta ainda que, dentro do projeto, existem as mini feiras realizadas dentro de prédios residenciais para que moradores conheçam (e comprem) produtos naturais e agroecológicos.
📌 Investigação
Ouro e cocaína se cruzaram na Amazônia Legal nos últimos anos, compartilhando aviões e pilotos para mover as mercadorias. As rotas aéreas na região são um dos principais elos entre o tráfico de drogas e o garimpo ilegal. No especial “Narcogarimpos”, a Repórter Brasil revela que pelo menos 23 aeronaves e 12 pistas eram controladas por apenas um dos grupos acusados por envolvimento com essas atividades em Itaituba (PA). Chefiada por Heverton Soares Oliveira, o “Grota”, segundo a Polícia Federal, a organização lavou cerca de R$ 1 bilhão no Pará entre 2017 e 2020.
🍂 Meio ambiente
Salvador (BA) e Recife (PE) lideram o ranking de pessoas em área de risco no Nordeste. O dado coincide também com a marginalização da população negra nesses locais, constantemente afetada por chuvas cada vez mais intensas, somada à falta de acesso à moradia. O resultado é o aumento de tragédias nos períodos de maior pluviosidade. O repórter Victor Moura percorreu as duas cidades de bicicleta para mostrar que Recife e Salvador são bem parecidas quando o tema é racismo ambiental, como narra na Eco Nordeste. A matéria é resultado das Bolsas de Reportagem de Justiça Climática, promovidas pela Ajor e pelo iCS (Instituto Clima e Sociedade).
Um Rio de Janeiro cada vez mais seco. O Grande Rio perdeu 32% em superfície de água – rios, bacias e lagos – entre 1985 e 2022, de acordo com análise da Casa Fluminense, organização que há dez anos debate políticas públicas para a redução das desigualdades no estado fluminense. Os dados foram analisados com base na plataforma MapBiomas. Ao Projeto Colabora Lennon Medeiros, assessor da Casa Fluminense e presidente da Comissão de Crise Hídrica do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos, explica que as bacias estão perdendo sua capacidade de resiliência hídrica. “O aumento da temperatura e o avanço do desmatamento estão agravando o colapso dos ecossistemas. Vamos ver cada vez mais episódios de falta de água nos momentos em que ela é mais necessária”, afirma.
📙 Cultura
Popular atualmente na academia, o termo “decolonialidade” deriva das lutas concretas dos movimentos negros e indígenas, como explica o professor e sociólogo José Carlos Gomes dos Anjos, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). Em entrevista ao Nonada, ele descreve como a lógica acadêmica pode esvaziar o termo: “O conceito vem perdendo uma parte de sua radicalidade, pois começa a ser, de certa forma, desracializado. A questão racial perde a centralidade. Parece um conceito ‘tomado’, um substituto de termas marxistas previamente existentes, como alienação, ou desalienação, que hoje ganharia uma nova nomenclatura de ‘decolonialidade’.”.
A escritora Conceição Evaristo se tornou a primeira mulher negra a vencer o Troféu Juca Pato 2023 de “Intelectual do Ano” pelo livro “Canções Para Ninar Menino Grande”. A revista O Grito! conta que a premiação acontece desde 1962 e já reconheceu nomes como Frei Beto, Lygia Fagundes Telles, Aílton Krenak, Milton Hatoum e Carlos Drummond de Andrade. Evaristo é um dos nomes mais importantes da literatura negra brasileira e é autora de livros como “Olhos D’Água” e “Ponciá Vicêncio”. A entrega do troféu será feita durante o Festival Literário Internacional de Itabira (MG), que acontecerá entre os dias 31 de outubro e 5 de novembro.
🎧 Podcast
Existe uma “Nova Onda Rosa” na América Latina? A expressão surgiu no início dos anos 2000 para descrever a ascensão de vários governos de esquerda na região em meio a poucos de direita. Com a eleição de Lula no Brasil, levantou-se a questão de os anos 2020 repetir os 2000. A jornalista Fernanda Simas analisa os fatores geopolíticos latinoamericanos no “Esquerda Volver”, produção do Headline. Para não cair em clichês, Simas busca aprofundar o cenário de reascensão da esquerda e como a Argentina enquanto isso está pendendo para a extrema direita.
✊🏽 Direitos humanos
A branquitude é uma série de vantagens sociais, econômicas, materiais e simbólicas que as pessoas brancas têm em uma sociedade racista. Trata-se de uma engrenagem invisível que mantém pessoas racializadas fora dos espaços de poder. A esse acordo silencioso, a escritora e ativista Cida Bento dá o nome de “pacto narcísico da branquitude”. A revista AzMina destrincha como funciona essa distinção racial e, além dos pensamentos de Bento, traz uma lista de privilégios brancos feita pela ativista estadunidense Peggy McIntosch. Entre eles, estão: ver-se amplamente representado na mídia e não precisar se posicionar em nome de toda uma raça e etnia.