A cúpula de IA na França e a mudança dos pássaros da Amazônia
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🔸 A Cúpula de Ação em Inteligência Artificial anunciou uma IA de interesse público. O evento reúne na França players como Google, Microsoft e OpenAI. A FastCompany Brasil explica que a proposta de interesse público, batizada de Current AI, é uma parceria público-privada global que pretende arrecadar 2,5 bilhões de dólares nos próximos cinco anos para democratizar a inteligência artificial. A ideia é ampliar o acesso a dados públicos em áreas-chave, como saúde e educação, além de fomentar infraestrutura de código aberto e garantir transparência e segurança nos sistemas de IA. O evento ocorre em meio a disputas geopolíticas, com tentativas dos Estados Unidos de conter a China na corrida tecnológica.
🔸 A propósito: “O Brasil não pode ser apenas um espectador nesta revolução. Temos todas as condições para ser um hub de IA, exportando não apenas commodities, mas também capacidade computacional e expertise em setores estratégicos”, afirma Leonardo Santos, conselheiro da Associação Brasileira de Inteligência Artificial (ABRIA). A TI Inside conta que ele participa da cúpula na França como representante brasileiro na agenda fechada do evento e defende o potencial do país e da América Latina no salto tecnológico. Santos avalia a matriz elétrica brasileira, com fontes renováveis, como uma vantagem competitiva para a infraestrutura de data centers e processamento de IA. “Temos um verdadeiro ‘novo pré-sal’ em termos de capacidade computacional e geração de valor econômico. O Brasil pode se tornar um polo estratégico para essa revolução tecnológica.”
🔸 Mas… no quesito infraestrutura, falta clareza nos projetos de lei de IA e nos planos nacionais sobre o tema. Aprovado no Senado, o PL da IA cita apenas uma vez a necessidade de ampliar data centers sustentáveis, mas sem detalhar um plano concreto, informa o Núcleo. Já o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA), lançado em julho de 2024, pretende investir R$ 23 bilhões no setor até 2028, com financiamento público e privado. “A discussão sobre IA, sobre data centers, ainda é muito acrítica. Há um foco no curto prazo, sobre os ganhos com a potencial vinda de grandes empresas para o Brasil, mas não há um debate sobre as consequências a médio e longo prazo da exploração dessa indústria”, afirma Bruno Bioni, advogado e diretor da Data Privacy Brasil.
🔸 Em tempo: o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) quer normatizar o uso de IA nos tribunais brasileiros. A resolução, que será votada na semana que vem, prevê a supervisão humana obrigatória, auditorias regulares e a classificação dos sistemas de inteligência artificial conforme o nível de risco. O Jota detalha as categorias e explica como elas funcionam na prática. A partir da aprovação, os tribunais terão 12 meses para adequar os projetos que se valem da tecnologia e já estão em andamento. Uma pesquisa recente mostrou que 50% dos magistrados já testaram ferramentas de IA, mas o uso institucional ainda é baixo.
📮 Outras histórias
Embora represente apenas 2,3% do território nacional, o Paraná é um dos estados com mais condenações internacionais por violações de direitos de trabalhadores rurais: responde por três das 14 condenações do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH). Os três casos se referem a violações de direitos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no final dos anos 1990 e início dos anos 2000. O Le Monde Diplomatique Brasil lembra o episódio mais emblemático – o assassinato de Antônio Tavares, morto pela Polícia Militar do Paraná em 2000, durante um protesto por reforma agrária. A repressão incluiu uso de força letal, prisões arbitrárias e maus-tratos a manifestantes, entre eles, mulheres e crianças. O estado foi condenado pela Corte em 2024, mas as vítimas ainda aguardam medidas de reparação.
📌 Investigação
Há exatos 20 anos, a missionária norte-americana Dorothy Stang foi assassinada no projeto de desenvolvimento sustentável (PDS) Esperança, em Anapu (PA), a mando de grileiros. Desde então, o conflito fundiário e a destruição da floresta não cessaram. Levantamento da Agência Pública revela que os PDSs da Amazônia, planejados para promover a reforma agrária com proteção florestal, sofreram um desmatamento de pelo menos 496 mil hectares entre 2005 e 2023. Nesse período, a área ocupada pela agropecuária saltou de 4,38% para 22,27% – número acima do limite que o Código Florestal permite em qualquer tipo de ocupação no bioma amazônico (20%).
🍂 Meio ambiente
Diante da escassez de alimentos e do calor cada vez mais intenso provocados pelas mudanças climáticas, ao menos 77 espécies de pássaros da Amazônia apresentaram alterações em seus corpos. É o caso dos arapaçus-bico-de-cunha. Segundo a Sumaúma, a destruição da floresta representou uma diminuição de 0,38 grama em média no peso e um acréscimo de 1,45 milímetro no tamanho das asas na espécie. “É como se a gente pudesse medir o aquecimento global no corpo de um passarinho. A diferença pode parecer pequena, mas essas aves são organismos perfeitamente ajustados ao seu ambiente, então essas mudanças tão rápidas e significativas impõem um risco às espécie”, explica o biólogo checo Vitek Jirinec, pesquisador do Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais, que monitora dezenas de espécies de aves amazônicas.
📙 Cultura
Esquecido e apagado pela história da arte brasileira, o pintor Miguel Barros (1913-2011) passou a ter obra e biografia resgatadas nos últimos anos pelo trabalho de pesquisadores negros nas universidades, como destaca o Nonada. O artista foi também um teórico e ativista do movimento negro, com pinturas que abordam a história e realidade afrobrasileira, como “A Mulata”, “A Morte de Zumbi” e “República dos Palmares”. “Há um debate global sobre as narrativas emergentes no campo das artes. O pensamento decolonial e afro diaspórico vem dando mais visibilidade para artistas negros e para as narrativas que não estavam dentro das narrativas hegemônicas”, afirma a historiadora de arte e curadora Izis Abreu.
🎧 Podcast
Entre uma fantasia perturbadora e excitante, o romance “De Quatro”, da multiartista Miranda July, aborda com um olhar real a experiência do envelhecimento feminino, as mudanças no corpo e na cabeça que se misturam ao tesão, à crise de meia-idade e à vida cotidiana. No “451MHz”, produção da Quatro Cinco Um, a tradutora da obra Bruna Beber e a apresentadora Branca Vianna conversam sobre a profundidade da narrativa de July e o trabalho de traduzir o desejo sexual na intensidade da versão original. “Eu não podia ser mais pudica do que ela [Miranda July], nem mais sacana do que ela, então tive que achar ali um registro que é de uma pessoa excêntrica normal, né? Eu acho que os personagens da Miranda July, em geral, são excêntricos normais”, diz Beber.
🙋🏽♀️ Raça e gênero
“A menina que sonhou ser cientista acordou em 2024 como a primeira mulher autodeclarada negra bolsista 1A do CNPq. A palavra representatividade ganhou contornos mais claros e marcantes em minha trajetória. Divulgar a ciência das plantas e o potencial das cientistas negras segue como meta em minha carreira”, afirma a botânica Rosy Isaias. Em artigo no Conversation Brasil, a pesquisadora revisita sua trajetória, da sua graduação em Ciências Biológicas até atingir o nível mais alto de um pesquisador no país, o 1A. Sua principal área de pesquisa são as galhas – crescimentos anormais que ocorrem nas plantas quando expostas a condições estressantes. “Produzir conhecimento sobre nossa grande riqueza, a flora, base da produção de uma molécula que nos é vital, o oxigênio, tem um valor inestimável e por vezes negligenciado.”