A criação da ‘COP do Agro’ e a falta de psicólogos no SUS do Nordeste
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🔸 A área queimada no Brasil em 2024 aumentou 79% em relação a 2023. Foram mais de 30,8 milhões de hectares, o equivalente a todo o território da Itália. Os dados são do Monitor do Fogo, do MapBiomas. É a maior área queimada registrada desde 2019, quando a plataforma foi lançada. Pesquisadores explicam ao Colabora que o aumento do fogo está conectado aos efeitos acumulados de um longo período de seca em grande parte do país, associado ao fenômeno El Niño entre 2023 e 2024. Três em cada quatro hectares queimados (73%) foram de vegetação nativa. “Os impactos dessa devastação expõem a urgência de ações coordenadas e engajamento em todos os níveis para conter uma crise ambiental exacerbada por condições climáticas extremas, mas desencadeada pela ação humana”, afirma a geógrafa Ane Alencar, coordenadora do MapBiomas Fogo.
🔸 “COP30 do Agro”. Este é o nome do evento organizado por ruralistas para anteceder a COP30 oficial, a maior conferência mundial sobre o clima da ONU, que será realizada em novembro, em Belém (PA). Senadores, deputados federais e estaduais já confirmaram presença no “evento paralelo”, marcado para outubro, em Marabá (PA), revela Daniel Camargos, na Repórter Brasil. O principal organizador da COP do Agro é a Associação dos Produtores Rurais Independentes da Amazônia (Apria), cujo fundador, o advogado Vinicius Borba, afirma: “O problema climático é global, e nós, amazônidas, não somos os culpados, mas somos penalizados”. Ele quer que o convite do evento chegue a Donald Trump e, depois da posse do presidente dos EUA, fez uma live em que avaliou a eleição do republicano como um “fio de esperança”. Apesar de alegar não ser negacionista climático, Borba defende o cancelamento da COP30 e a exploração de terras indígenas.
🔸 Falando em Trump: “A realidade é que sem os EUA, que é o maior emissor histórico de gás carbônico, é quase certo que a meta de conter o aquecimento global está perdida.” Em coluna na Agência Pública, Giovana Girardi comenta a saída do país do Acordo de Paris e o anúncio de Trump de investir mais em exploração de petróleo e gás natural. Se o negacionismo climático do republicano era algo esperado, causou surpresa a citação que ele fez a catástrofes climáticas recentes dos EUA. “Trump mencionou em seu discurso os impactos do furacão Helena sobre a Carolina do Norte, onde quase 50 pessoas morreram, e dos incêndios em Los Angeles. Não havia no discurso uma preocupação com o que está turbinando esses eventos extremos – que, sim, são as mudanças climáticas, pioradas com a queima do sonhado ‘ouro líquido’ de Trump.”
🔸 Além do Acordo de Paris, os EUA saíram da Organização Mundial da Saúde (OMS). O decreto assinado por Trump determina a retirada em 12 meses e a interrupção do envio de recursos para a agência. O Nexo explica o que significa na prática a saída da OMS. A medida inclui, por exemplo, chamar de volta aos EUA funcionários que trabalham em outros países para a organização. A falta de equipe técnica e o corte de repasses podem ameaçar programas da OMS, em especial em países mais vulneráveis. Entre iniciativas financiadas pelos EUA, estão o desenvolvimento de vacinas, o combate à Aids e a prevenção de pandemias. “O narcisismo de Trump pode prejudicar a população do mundo inteiro e a sua população também”, afirma Paulo Buss, professor emérito da Fundação Oswaldo Cruz.
📮 Outras histórias
Suspenso por decisão judicial, o programa Parceiro da Escola, que terceiriza a gestão de escolas estaduais no Paraná, está funcionando. É o que denunciou à Justiça a deputada estadual Ana Júlia (PT). O Plural lembra que o edital do programa havia sido suspenso até o julgamento da ação movida pelo Ministério Público do Paraná, que considera inconstitucional a terceirização da contratação de professores. Segundo Ana Júlia, os três grupos empresariais selecionados no edital – Apogeu, Tom Educação (ligado ao grupo Positivo) e Salta (que tem entre seus acionistas Jorge Paulo Lemann) – estão atuando normalmente nas escolas incluídas no programa. “O governo desrespeita a decisão a partir do momento que permite que as empresas continuem nas escolas contratando professores, fazendo manutenção e averiguando currículos”, diz a deputada. O custo estimado do programa é de R$ 1 bilhão em quatro anos.
📌 Investigação
Mais de 70% dos municípios do Nordeste não têm psiquiatras na rede pública. O dado se torna mais alarmante quando se olha para os números nacionais: a região apresenta a segunda melhor situação do país, ficando atrás apenas do Sudeste (65,4%). Só 28% dos municípios brasileiros têm, ao menos, um profissional. Os demais não têm cobertura psiquiátrica. Levantamento da Agência Tatu esmiúça os dados de psicólogos e psiquiatras na saúde pública. “O número de psicólogos disponíveis no SUS é insuficiente para atender às demandas crescentes da população brasileira, o acesso a serviços especializados ainda é limitado. É urgente que o poder público reconheça que a presença de psicólogos não é um luxo, mas uma necessidade fundamental para a promoção da saúde e a prevenção de adoecimentos psíquicos”, afirma o psicólogo Leonardo Abrahão, presidente Instituto Janeiro Branco, associação de promoção à saúde mental.
🍂 Meio ambiente
Seis anos após o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho (MG), as comunidades afetadas seguem sem a garantia de parâmetros para as indenizações. Os atingidos foram excluídos do acordo entre a mineradora e o governo de Minas Gerais. Em artigo no Le Monde Diplomatique Brasil, Marina Oliveira, atingida pelo rompimento da barragem e autora do livro “O Preço de um Crime Socioambiental: Os Bastidores do Processo de Reparação do Rompimento da Barragem em Brumadinho”, detalha como a resolução é prejudicial às vítimas da tragédia e como esse modelo de acordo tem sido reproduzido em outros desastres socioambientais. “Para a Vale, o firmamento do acordo representou segurança jurídica. Dificultando que os atingidos cobrem as demandas da Vale, porque ela manda cobrar do Estado. O Estado ‘comprou’ a responsabilidade da Vale com esse acordo. E o Estado não vai até as comunidades.”
📙 Cultura
“Quando vou colocar as melodias e mensagem na música, sempre é algo que se conecta com os antigos cantos do meu povo e, às vezes, só quando vou ouvir é que percebo a mensagem no total”, afirma a artista indígena Kaê Guajajara, que vai do rap ao pop em uma mescla com os cânticos dos Guajajara. A revista AzMina destaca artistas indígenas que usam a música para denunciar violências, preservar culturas ancestrais e lutar por direitos. O grupo musical Suraras dos Tapajós, por exemplo, é o primeiro carimbó do oeste do Pará formado só por mulheres e o único grupo do Brasil composto apenas por indígenas. “O carimbó até então era tocado apenas por homens”, explica Val Munduruku, integrante das Suraras.
🎧 Podcast
Autora do livro “Descolonizando Afetos”, a ativista e psicóloga indígena Geni Nuñez, do povo Guarani, conta como a evangelização de sua família impactou as relações familiares, mas também abriu uma porta de acolhimento. “Eu tenho muita alegria de dizer que deu um pouco errado. Quando fui saindo da igreja e dos armários todos de que eu fazia parte, um dos meus receios era sobre a reação da família, que espera o filho heterossexual. E aí, minha mãe disse: ‘Eu não quero ir para um céu onde você não possa entrar’. Isso é muito especial para mim.” No “Estranho Familiar”, produção da Trovão Mídia, Geni detalha as perspectivas de família dos Guarani e como foram afetadas pela colonização, lembrando inclusive das referências não humanas, como os animais, dentro da noção familiar do seu povo.
👩🏾🏫 Educação
Contra o ensino a distância (EAD), mais de cem indígenas ocuparam a sede da Secretaria de Educação do Pará (Seduc) na semana passada. Os manifestantes reivindicam a manutenção do modelo atual do Sistema Modular de Ensino (Some) na educação escolar indígena do estado. A Revista Afirmativa explica que, na estrutura original do Some, professores se deslocam para comunidades afastadas, permanecendo por dois meses, em regime de rodízio. O sistema funciona em parceria com gestões municipais. Esse modelo foi revogado pela Lei 10.820/2024, aprovada em dezembro do ano passado, que substitui o sistema presencial pela modalidade EAD, utilizando centrais de mídia.