As contradições do MP no massacre do Rio e a Amazônia mais quente
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🔸 O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) classificou como “desastrosa” a operação policial no Rio de Janeiro, na semana passada. O Notícia Preta informa que, em entrevista a jornalistas em Belém (PA), ele afirmou que houve “matança” na ação nos complexos do Alemão e da Penha, na zona norte da capital fluminense. “Vamos ver se a gente consegue fazer essa investigação. Porque a decisão do juiz era uma ordem de prisão, não tinha uma ordem de matança, e houve matança”, disse. Este foi o primeiro posicionamento mais duro de Lula desde o massacre que deixou ao menos 121 mortos nas favelas do Rio. Depois da operação, o presidente publicou uma mensagem na qual defendeu o combate ao crime organizado, mas evitou criticar a atuação do governo do Rio e das forças de segurança estaduais.
🔸 “A incursão no Alemão e na Penha aconteceu em um momento de rearticulação da direita no RJ. Reeleito em 2022, o governador Cláudio Castro, do PL, não pode disputar novo mandato e tenta manter relevância política para 2026. A operação e o discurso de guerra ao crime o reposicionam como liderança conservadora em um cenário em que o bolsonarismo busca sobrevivência eleitoral”, escreve Cecília Olliveira. Em artigo no Intercept Brasil, ela lembra que Castro acumula as operações mais letais desde a redemocratização e que a Segurança Pública está nas mãos do delegado Victor dos Santos, indicado por Flávio Bolsonaro (PL).
🔸 A propósito: quem são os três secretários à frente do massacre no Rio? Além de Victor dos Santos, a operação foi comandada por outros dois secretários de Cláudio Castro: Felipe Curi, secretário de Polícia Civil, e o coronel Marcelo de Menezes Nogueira, secretário da Polícia Militar. Todos vieram a público elogiar a operação, classificando-a como “planejada” e “necessária”. A Ponte mostra quem são os três. Santos, aposentado como policial federal com mais de 20 anos de carreira, defende flexibilizar a ADPF das Favelas e descreveu o Alemão como “9 milhões de metros quadrados de desordem urbana”. Curi, com discurso de confronto, atacou críticos chamando-os de “narcoativistas” e é cogitado pelo PL para disputar o governo do estado. Nogueira, por fim, ingressou na PM em 1991 e, enquanto as vítimas das favelas ainda encontravam seus familiares mortos, prometeu no velório de policiais: “A resposta será dada à altura desses heróis”.
🔸 A atuação do Ministério Público do Rio violou protocolo internacional ao atuar junto às polícias sem garantir apuração independente. É o que explica o defensor público Thales Arcoverde Treiger, da Defensoria Pública da União (DPU) no Rio de Janeiro. Ele afirma à Agência Pública que “o MP deveria funcionar como agente externo de controle da atividade policial”. “A partir do momento em que o MP atua junto às polícias, você perde essa qualidade [de fiscalizador do estado]. O perfil constitucional na formatação do Ministério Público não o indicava fazendo ações junto com a polícia”, completa. A DPU pediu ao Supremo Tribunal Federal para acompanhar as perícias e preservar integralmente as provas, já que o Instituto Médico Legal é subordinado à Polícia Civil. Depois da divulgação do número de mortos, o MP abriu canais de apoio a famílias e designou peritos e um promotor para acompanhar os exames, o que o defensor vê como contradição no próprio órgão.
🔸 A Câmara dos Deputados aprovou o projeto que amplia a licença-paternidade para até 20 dias e cria o salário-paternidade pago pelo INSS, com remuneração integral e garantia de vínculo. O Congresso em Foco detalha o texto que segue para o Senado após a votação dos destaques. O projeto define que o direito à licença-paternidade ampliada será concedido em casos de nascimento, adoção ou guarda judicial de criança ou adolescente. O texto também assegura estabilidade desde o início da licença até um mês após o retorno e prevê punições e suspensão em casos de abandono material ou violência doméstica.
📮 Outras histórias
Em Pedreiras (MA), a prefeitura vai construir uma unidade básica de saúde no topo de um morro, apesar de um abaixo-assinado com 1.200 assinaturas de moradores da Vila das Palmeiras e do bairro do Engenho, além de alertas de Agentes Comunitários de Saúde. O Pedreirense conversa, em vídeo, com Verônica de Sousa Soares e Wenderson de Oliveira Silva. Os dois integram uma equipe de agentes de saúde que buscam, junto ao Ministério Público do Maranhão, fazer com que a construção seja realizada em área plana. O argumento central é o acesso: a altura do terreno pode transformar o caminho ao posto em uma via de sacrifício para usuários do SUS, especialmente idosos e pessoas com mobilidade reduzida.
📌 Investigação
Mais de R$ 279 bilhões foram concedidos a áreas sobrepostas ou no entorno das aldeias do povo Kanela, no Maranhão, por meio do crédito rural entre janeiro de 2020 e dezembro de 2024. Na primeira reportagem da série “Financiando a Morte”, a Sumaúma revela que dentro da Terra Indígena Kanela e da Terra Indígena Porquinhos – ambas do povo Kanela, homologadas em 1982 e 1983, respectivamente –, três propriedades de não indígenas receberam empréstimos que totalizaram quase R$ 1,9 milhão, violando diretamente a resolução que regulamenta o crédito rural. A maior parte deles (92,8%) foi para atividades relacionadas à pecuária e o restante (7,2%), para atividades agrícolas. Os Kanela, que já sobreviveram a massacres, estão cercados pelo agronegócio com apoio de bancos privados e públicos, nacionais e internacionais. Ao todo, 263 terras indígenas e 121 comunidades quilombolas na Amazônia Legal foram pressionadas por esse financiamento entre 2020 e 2024, com mais de R$ 20 bilhões investidos no período.
🍂 Meio ambiente
A combinação do desmatamento com as mudanças climáticas tem deixado a Amazônia mais quente e inflamável mesmo em áreas preservadas. É o que revela um estudo liderado por Jos Barlow e pela especialista em sensoriamento remoto Nathália Carvalho, ambos da Universidade de Lancaster, no Reino Unido. Em parceria com a Agência Pública, a Ambiental Media traz informações sobre a pesquisa – ainda em revisão para ser publicada –, que confirmou a tendência de que a temperatura média subiu mais no sul da Amazônia, na região conhecida como “arco do desmatamento”, onde a perda da vegetação nativa se concentrou nas últimas décadas. A novidade, porém, está na maior taxa de crescimento de temperaturas extremas no centro-norte da floresta, que vai do Amazonas a Roraima. “Em muitos estudos, o norte é colocado como um refúgio para onde os animais podem se deslocar porque o sul vai ficar muito quente, mas talvez ele não vá ser um refúgio válido [porque está esquentando muito também]. E isso é importante”, afirma Barlow.
📙 Cultura
“Ainda hoje, acredito que muitas mulheres estão exaustas, esmagadas pela carga mental e também pela culpa. É como se tivéssemos que justificar o fato de sermos emancipadas”, afirma a escritora marroquina Leïla Slimani. Ela lançou em setembro no Brasil o livro “Vejam como Dançamos”, segundo de uma trilogia inspirada em gerações de sua família. A obra retrata a perspectiva de Mathilde, uma mulher que dedicou anos ao casamento e aos filhos sem reconhecimento e refém financeiramente do marido. Em entrevista ao Catarinas, Slimani fala sobre o processo de escrita da trilogia, o desenvolvimento das protagonistas, a falta de reconhecimento do trabalho do cuidado e a importância da independência financeira para as mulheres. “No livro, acredito que todas as mulheres têm uma grande capacidade de adaptação. Elas são lúcidas, realistas e resilientes diante dos obstáculos. Embora aspirem a uma liberdade maior, Selma e Mathilde sentem também um pouco de inveja de Aïcha, que estuda e viaja. Quis mostrar que existem também conflitos geracionais muito fortes entre as mulheres.”
🎧 Podcast
“Só foi possível levar os estudos adiante porque tive o cuidado dos meus irmãos.” Teólogo, escritor e pastor, Ronilso Pacheco conta que seus irmãos interromperam os estudos para trabalhar e tinham um acordo de mantê-lo estudando. O sacrifício familiar rendeu frutos: ele se tornou pesquisador da Universidade Columbia, nos Estados Unidos. O “Isso Não É Uma Sessão de Análise”, produção da Trovão Mídia, narra a trajetória de Pacheco: criado em São Gonçalo, no Rio de Janeiro, ele cresceu no ambiente da escola de samba e do candomblé até a conversão para a religião evangélica. O teólogo fala sobre o cuidado que herdou da família, o aprendizado de ser um homem negro em um país desigual e o esforço de transformar a espiritualidade em prática de acolhimento e justiça.
📲 Tecnologia
Na assimetria entre a velocidade da inovação tecnológica e o ritmo da regulação, os sistemas de inteligência artificial se tornaram caixas-pretas jurídicas. No Curto News, a advogada e pesquisadora em Direito Internacional Isabella Caminoto analisa a derrota da Getty Images para a Stability AI na Justiça britânica. Em 2023, o banco de imagens acusou a empresa de tecnologia de treinar a ferramenta de IA Stable Diffusion com seu acervo sem licença nem compensação aos criadores. A Getty acabou desistindo de parte de suas alegações por falta de provas: não havia como demonstrar com precisão onde e como o modelo havia sido treinado. “A sentença não cria um precedente transformador, mas serve de alerta para as empresas que operam modelos de IA sem transparência de dados ou controles de marca. Mais do que isso, o caso reforça uma tendência: as grandes corporações parecem dispostas a testar os limites do aceitável enquanto a regulação não chega.”




