A condenação da Uber e os agrotóxicos na Costa dos Corais
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🔸 A Uber foi condenada a pagar R$ 1 bilhão por danos coletivos e a contratar todos os motoristas com carteira assinada. A decisão do juiz do Trabalho Maurício Pereira Simões, da 4ª Vara do Trabalho de São Paulo, vale para todo o país e atende a uma ação civil pública da Associação dos Motoristas Autônomos de Aplicativos (AMAA), como informa o Jota. Para o juiz, a Uber “agiu dolosamente no modo de se relacionar com seus motoristas”, com sonegação de direitos mínimos. As condutas abusivas, segundo ele, atentam contra a “dignidade psíquica da população, de forma repetitiva e prolongada” e expõem “a classe trabalhadora a situações humilhantes e constrangedoras”. A Uber informou que vai recorrer.
🔸 O governo de São Paulo tem 90 dias para instalar câmeras nos uniformes e nas viaturas de todos os policiais militares do estado. É o que determina o juiz Josué Vilela Pimentel a partir de uma ação movida pela Educafro e pelo Centro de Defesa de Direitos Humanos Padre Ezequiel Ramin, liderado pelo padre Júlio Lancellotti. O Congresso em Foco lembra o caso que motivou a ação: um homem negro, acusado de furtar chocolates, foi conduzido para a viatura amarrado por cordas, com pés e mãos atados atrás do corpo. “Na favela, muitas vezes não usam algemas. Usam corda, empurram e matam pessoas. O juiz proíbe esse tipo de uso expressamente. Além disso, deixa claro que a algema só deve ser usada com cautela e apenas quando necessário”, explica Márlon Reis, advogado que assina a ação em nome das duas organizações.
🔸 A propósito: a organização Human Rights Watch pede que o Ministério Público (MP) passe a liderar as investigações sobre crimes de policiais. Hoje, os casos são apurados na lógica dos inquéritos comuns: a Polícia Civil investiga os agentes, e o MP define se avança ou não na penalização dos envolvidos, explica a Ponte. As investigações costumam ser falhas ou nem sequer chegam a acontecer – em 2021, por exemplo, 61% cometidas por policiais no Rio de Janeiro não foram investigadas. A Humans Rights Watch elaborou uma carta para o Procurador-Geral de Justiça Augusto Aras, na qual pede que o MP passe a atuar como órgão independente nas investigações. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, a polícia matou em média 17,6 pessoas por dia em 2022.
🔸 Segue a mobilização social por uma ministra negra no Supremo Tribunal Federal (STF). Vinte e quatro artistas negros terão suas obras expostas em 24 pontos do país, de um quilombno no Maranhão ao Largo da Batata, em São Paulo. A mostra “Juízas Negras Para Ontem” é, como define a Escotilha, “um testemunho vívido de que a arte pode ser uma poderosa ferramenta de conscientização e mobilização social”. Para a diretora de arte da mostra, Nina Vieira, “ter uma mulher negra no STF é uma questão de Justiça. Ocupar esse espaço de poder é uma ação de enfrentamento de injustiças históricas e um passo na reparação”.
📮 Outras histórias
Uma das áreas afetadas pela hidrelétrica de Belo Monte, a terra indígena Apyterewa, em São Félix do Xingu, no Pará, é alvo constante de invasores. Ontem, o Ministério da Justiça autorizou o uso da Força Nacional por 90 dias, a fim de apoiar a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) no território que abriga o Povo Parakanã. A revista Cenarium conta que não é a primeira vez – a Força Nacional é enviada à área desde 2011. Há pelo menos quatro anos, segundo dados do Imazon, Apyterewa é a terra indígena que teve a maior área de floresta derrubada na Amazônia.
📌 Investigação
De procedimentos em uma clínica clandestina conhecida como “casa da bruxa” a empréstimos com o tráfico de drogas. Diante da ilegalidade prevista no Código Penal brasileiro para a interrupção da gravidez, mulheres e adolescentes sofrem e colocam a própria vida em risco para conseguir o direito ao aborto. Embora o procedimento seja criminalizado, a Pesquisa Nacional do Aborto mostra que uma em cada sete mulheres no país já abortaram. O Nós, Mulheres da Periferia ouviu integrantes de uma rede de acompanhantes de aborto, que ajuda mulheres a interromper gestações com segurança, em casos considerados ilegais no Brasil. Só em São Paulo, a rede acompanha entre 70 e cem gestantes por mês. A reportagem conversa ainda com pesquisadores que conduziram estudos sobre aborto em três favelas e áreas brasileiras vulnerabilizadas.
🍂 Meio ambiente
Antes mesmo da obra em si, apenas o plano da hidrovia Tocantins-Araguaia, às margens do rio Tocantins no Pará, já tem impactado a vida das comunidades tradicionais na região. A cada nova indicação de avanço do empreendimento na área, o desmatamento aumenta. Os quilombolas dos municípios de Mocajuba e Baião contam que já vivem com a sensação de estarem “cercados” por empresários do agronegócio vindos de fora. A InfoAmazonia explica que a construção prevê a dragagem de mais de 177 km do rio e a explosão de pedras submersas em outros 35 km do Pedral do Lourenço, local de enorme importância ambiental por ser considerado um berçário de peixes.
Maior Área de Proteção Ambiental marinha do Brasil, a APA Costa dos Corais está com seus três rios – Santo Antônio, Manguaba e Camaragibe – em estado de grave contaminação por agrotóxicos, mercúrio e esgoto sem tratamento. O local tem mais de 413 mil hectares de área e 120 km de praias e mangues, que vão dos municípios de Tamandaré (PE) a Maceió (AL). O Projeto Colabora mostra que um estudo realizado pela Universidade Federal de Alagoas, Projeto TerraMar, ICMBio e a organização alemã GIZ identificou inclusive agrotóxicos proibidos no país. A poluição tem diminuído os níveis de oxigênio dissolvido na água e aumentado a mortalidade dos peixes.
📙 Cultura
Há mais de 20 anos a festa Panelafro celebra a cultura afrobrasileira na Casa Popular de Cultura M’Boi Mirim, na zona sul de São Paulo. Idealizada pelo coletivo Espírito de Zumbi, o evento acontece sempre na última sexta-feira do mês e reúne um público diverso com música e partilha de alimentos. Segundo a Periferia em Movimento, ao longo de cinco horas, a festa promove uma série de manifestações como maracatu, samba de roda, coco, ciranda, vivências de maculelê, rodas de capoeira e afoxé.
Cineasta e pesquisador de audiovisual, Alexandre Figueirôa lança seu quinto filme dedicado a resgatar a memória LGBTQIA+ em Recife (PE). O curta “Consuella” (2023) revisita a trajetória da travesti mais popular da capital pernambucana nas décadas de 1980 e 1990. A revista O Grito! traz a entrevista de Figueirôa publicada na revista “Unicaphoto”, da Universidade Católica de Pernambuco: “As pessoas que de alguma forma viveram a época começam a recordar um tempo que elas gostavam e se identificavam, mas também serve para mostrar às novas gerações que esses personagens foram a vanguarda antes de existir todos esses movimentos de libertação LGBTQIA+ que vemos hoje em dia”.
🎧 Podcast
Ouvir, pensar e repassar. Foi assim que um professor universitário ensinou as irmãs Branca e Anna Vianna na especialização na carreira de intérpretes de línguas. Na profissão, elas atuaram em negociações multinacionais, cirurgias com equipes médicas de diferentes países e em treinamento de lojas. No “Rádio Novelo Apresenta”, produção da Rádio Novelo, elas contam que o poder da interpretação foi longe demais em 1997. As irmãs atuaram na palestra do psiquiatra Brian Weiss – e obtiveram tanto sucesso que literalmente hipnotizaram uma plateia inteira.
💆🏽♀️ Para ler no fim de semana
“A paletada ocorre em locais não turísticos, em contextos diferentes do que está posto na cidade.” Fundadora do projeto Preta Paleteira, a professora de geografia Lorena Cerqueira criou roteiros urbanos para apresentar e valorizar Salvador (BA) por um olhar pouco conhecido. “Paletar”, na capital baiana, significa andar por longas distâncias e é isso que Lorena garante com a iniciativa, como conta ao Entre Becos: “O roteiro é feito a pé, sem deslocamento de ônibus ou transporte privado. E apresento pontos de interesse ao longo da caminhada, quais elementos a paisagem informa, como processos históricos e culturais”.