A condenação de Bolsonaro e uma 'aldeia' contra a especulação na COP30
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🔸 A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) condenou ontem Jair Bolsonaro (PL) por tentativa de golpe de Estado no Brasil em 2022. Sua pena pela trama golpista será de 27 anos e três meses de prisão. O placar ficou em 4 a 1 pela condenação. O Jota informa que, segundo os ministros, Bolsonaro atuou como líder de uma organização criminosa armada, responsável por planejar, instigar e instrumentalizar militares e apoiadores para a abolição violenta do Estado Democrático de Direito. A ministra Cármen Lúcia abriu a votação ontem. Ela e o ministro Cristiano Zanin aderiram aos votos do relator, Alexandre de Moraes, e do ministro Flávio Dino, pela condenação de Bolsonaro. “Ele não foi tragado; ele é o causador, o líder da organização”, disse a magistrada. A única divergência veio de Luiz Fux, que votou pela absolvição do ex-presidente. Além de Bolsonaro, foram condenados seus principais aliados: Braga Netto (26 anos), Anderson Torres (24 anos), Almir Garnier (24 anos) e Augusto Heleno (21 anos). Mauro Cid teve a pena reduzida a dois anos em regime aberto pelo acordo de colaboração.
🔸 “Essa ação penal pulsa o Brasil que me dói”, afirmou Cármen Lúcia, na leitura inicial do voto, na tarde de ontem. A ministra considerou haver “prova cabal” de que Bolsonaro liderou uma organização criminosa que planejou e executou ataques sistemáticos às instituições democráticas. Disse ainda que os crimes não foram atos isolados, mas parte de um plano progressivo e sistemático, que culminou no 8 de Janeiro. Sobre os ataques de 2023, aliás, a decana destacou: “Não foi um acontecimento banal, depois de um almoço de domingo, quando as pessoas saíram a passear”. A Lupa detalha o voto de Cármen Lúcia e mostra também o que disse Cristiano Zanin no julgamento que condenou o ex-presidente.
🔸 Bolsonaro passou do baixo clero à vitória presidencial em 2018, apoiado por um discurso conservador, por militares e religiosos, e pelo atentado que sofreu durante a campanha. Sua gestão foi marcada por ataques às instituições, crise ambiental, pandemia conduzida de forma negacionista, embates com a imprensa e escândalos como o caso das joias sauditas. A Agência Pública reconstrói o caminho que levou Bolsonaro da eleição em 2018 à condenação pelo STF. A pena, atenuada pela idade do ex-presidente, inclui uma multa de R$ 376,4 mil. Numa retrospectiva ano a ano, a reportagem mostra ainda a escalada autoritária, com as motociatas, os ataques ao STF em 7 de setembro de 2021, a reunião com embaixadores em 2022 para desacreditar as urnas e a conivência com acampamentos em quartéis que desembocaram nos ataques de 8 de janeiro de 2023.
🔸 O passo a passo a partir de agora. Bolsonaro não será preso de imediato, já que o processo ainda precisa percorrer várias etapas. A pena só começa a ser cumprida depois do trânsito em julgado. Antes disso, explica o Terra, o processo passa por: publicação do acórdão e intimação; prazo de cinco dias para embargos de declaração; e julgamento desses embargos (que podem ajustar pontos do acórdão). Uma prisão antes do trânsito só ocorreria como prisão preventiva sob, por exemplo, risco de fuga ou obstrução da Justiça. Bolsonaro ainda cumpre prisão domiciliar. “Prisão preventiva aqui só se mudar o contexto de que a domiciliar não será suficiente para impedir eventual fuga. Se não mudar o contexto, segue como está”, explica o advogado Marcelo Crespo, coordenador do curso de Direito da ESPM. Ele lembra ainda que o trânsito em julgado pode levar meses, a depender dos recursos apresentados pelas defesas. “É difícil prever”, completa Crespo.
🔸 Logo depois da condenação de Bolsonaro, o chefe da diplomacia dos Estados Unidos, Marco Rubio, afirmou que o país vai responder “adequadamente” ao que classificou como “caça às bruxas”, relata o Metrópoles. “As perseguições políticas do violador de direitos humanos sancionado Alexandre de Moraes continuam, já que ele e outros membros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram injustamente prender o ex-presidente Jair Bolsonaro”, escreveu Rubio em publicação no X.
📮 Outras histórias
Símbolo da luta LGBTQIA+ no Nordeste, a travesti Fernanda Benvenutty (1962-2020) foi parteira, artista circense e militante. Agora, em Natal, sua história será relembrada na Semana Benvenutty, um evento com cinema, oficinas, debates, performances e um grande baile. A Saiba Mais traz a programação e resgata a trajetória da travesti que nasceu em Remígio, na Paraíba, e foi expulsa de casa na adolescência, para ser acolhida no Circo Babilônia, onde começou a carreira artística como palhaça. Mais tarde, em João Pessoa, estudou enfermagem e se tornou parteira na Maternidade Cândida Vargas. Em 2022, ela fundou a Associação das Travestis da Paraíba (Astrapa) e levou a pauta trans para dentro das instituições. “Apresentar o nome da Fernanda para Natal é também educar sobre o legado que queremos carregar: um legado de prosperidade trans, de luta, de ativismo e de artivismo, de irreverência”, diz Ayira Sizernando, uma das fundadoras da Casa das Benvenutty, coletivo político-cultural em João Pessoa.
📌 Investigação
Para custear os gastos de grandes eventos como Carnaval e São João, as capitais do Nordeste recebem patrocínio de fabricantes de bebidas alcoólicas. Apesar de envolverem o poder público, os contratos e seus valores não são disponibilizados. O Joio e O Trigo revela que a falta de transparência é recorrente: em relação às festas juninas, por exemplo, a reportagem não conseguiu obter qualquer informação sobre a venda de cotas de patrocínio para as marcas do setor entre 2016 e 2025 em Teresina, Natal e São Luís. Os ambulantes relatam também constrangimentos e prejuízos relacionados às empresas patrocinadoras. “Eu sofri lá em Itabaiana. No segundo dia, o fiscal da Brahma disse que eu não paguei. Falou: ‘Vou prender o seu carro’. Eles dizem que é para estar com o adesivo da marca da cerveja no isopor. Eles não me deram, acharam que eu estava como? Clandestina. Por isso, nunca mais eu vou para uma festa [com patrocínio] de cervejaria. É humilhante”, conta a vendedora ambulante Neusa Batista dos Santos, que há uma década trabalha com vendas de bebidas em festas populares em Sergipe.
🍂 Meio ambiente
Organizações indígenas se mobilizam para garantir a maior participação dos povos originários da história das COPs, a Conferência do Clima das Nações Unidas, na COP30, que acontece em novembro, em Belém (PA). Diante dos preços abusivos das hospedagens, será instalada a Aldeia COP na Escola de Aplicação da Universidade Federal do Pará (UFPA) para receber cerca de 3 mil indígenas, tanto do Brasil quanto de países da Bacia Amazônica e de outras partes do mundo. Segundo O Eco, depois que a COP28, em Dubai, contou com a maior delegação indígena do Brasil, com cerca de cem representantes, iniciou-se a movimentação para Belém. “Na COP30, não queríamos nada menor do que isso, mas, diante dos preços abusivos em Belém, sabíamos que seria impossível hospedagem em casa ou hotel”, afirma Kleber Karipuna, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), sobre saída encontrada. A Aldeia COP será um espaço autogestionado, com área de alojamento, refeitório, feira e outros ambientes.
📙 Cultura
Entre a tradição e a novidade, Belém (PA) é um espaço de efervescência e diversidade cultural na Amazônia, com rodas de carimbó, festas de aparelhagem, lambada, guitarrada e cortejos de rua. O Amazônia Vox acompanhou a cena cultural da capital paraense, como o Coisas de Negro, bar e centro cultural do distrito de Icoaraci que remonta à trajetória do carimbó e seu reconhecimento Patrimônio Cultural Imaterial da Cultura Brasileira. Já a Lambateria é um espaço de experimentação e fusão de ritmos locais e latinocaribenhos. “Surgiu há 11 anos, como palco da música dançante amazônica. A gente é muito mais próximo da Guiana, do Suriname, do Caribe, do que do Sudeste. Isso se reflete na nossa música. Os músicos falam de LPs trazidos por pilotos e sintonizações em AM com rádios caribenhas. Tudo isso influenciou a lambada e os sons que tocamos até hoje”, afirma a produtora cultural Sônia Ferro.
🎧 Podcast
Os impactos das mudanças climáticas aprofundam desigualdades históricas e afetam sobretudo mulheres negras. A série “Mulheres do Cerrado: Diálogos sobre Clima e Sistemas Alimentares”, do “Guilhotina”, produção do Le Monde Diplomatique Brasil, conversa com mulheres do Cerrado, bioma ameaçado pela expansão do agronegócio, para entender seus saberes, vivências e resistências. “Esse processo todo [crise climática] tem levado a uma reconfiguração da racionalidade do sistema capitalista, baseada na financeirização da natureza. Chamamos de ‘falsas soluções’ porque, ao invés de se propor transformações reais e necessárias no modo de produção e consumo capitalista, são propostas novas apropriações dos territórios”, afirma a socióloga Letícia Rangel Tura.
💆🏽♀️ Para ler no fim de semana
“Quando alguém adoece, a gente não olha só para o sintoma. Primeiro vem a escuta, o diálogo, entender de onde começou aquele sofrimento. Depois vem o banho, o chá, a reza, até um abraço, um afago. É assim que se vai acalmando a mente e fortalecendo o espírito”, afirma Otto Payayá, indígena do povo Payayá e coletor de ervas medicinais e sementes da Chapada Diamantina (BA). O Nonada mergulha no papel dos saberes tradicionais e do cuidado coletivo na saúde mental de indígenas e quilombolas. Práticas ancestrais, como rezas, rodas de escuta, rituais de passagem e benzimentos, são estratégias para enfrentar o adoecimento psíquico. “Para muitos povos, riqueza é ter um território saudável, uma água limpa, animais e parentes ao redor. Isso é vida boa. A nossa visão capitalista não compreende, porque valoriza o dinheiro, mas para eles o sentido de bem-viver é outro”, diz a pesquisadora Ana Paula da Silva, professora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFF).