A condenação dos assassinos de Marielle e o lobby do agro na educação
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🔸 Os assassinos de Marielle Franco e Anderson Gomes foram condenados a mais de 137 anos de prisão. A sentença foi anunciada no fim da tarde de ontem, depois de dois dias de julgamento no Rio de Janeiro. Executor dos disparos que tiraram a vida da vereadora e de seu motorista em 2018, Ronnie Lessa foi condenado a 78 anos e nove meses de prisão. Motorista do carro que seguiu Marielle, Élcio de Queiroz teve pena de 59 anos e oito meses. A Alma Preta informa ainda que os dois ex-policiais terão de pagar R$ 706 mil de indenização de danos morais a cada uma das vítimas: Marinete da Silva, Luyara Franco e Monica Benicio, mãe, filha e viúva de Marielle, respectivamente, além de Ágatha Arnaus e Arthur, viúva e filho de Anderson.
🔸 O tempo de prisão dos assassinos pode ser menor que a condenação. Isso porque Lessa e Queiroz assinaram acordo de colaboração premiada. Mas não só. Ao confessar o crime, um réu tem automaticamente sua pena final atenuada. O Terra explica que o autor dos disparos ficará preso por, no máximo, 18 anos em regime fechado e mais 2 anos em regime semiaberto, e o condutor do carro do crime, por até 12 anos em regime fechado. Como os prazos começam a contar em 2019, ano em que os dois foram presos, Queiroz pode ficar livre em 2031, e Lessa, em 2039.
🔸 “Nenhuma sentença é reparadora. Nenhuma condenação é restauradora da ausência. Não é felicidade o que sinto. O corpo e o coração permanecem tensos. Mas há a sensação de algum alívio em ver, pela primeira vez, alguma materialidade nisso tudo, uma explicação e uma responsabilização que tanto foi esperada”, escreveu Monica Benicio nas redes sociais após o anúncio da sentença. “Ainda falta a condenação dos mandantes e articuladores do crime, assim como dos demais comparsas, através do STF. Não descansaremos.” O Metrópoles lembra que os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão, acusados de serem os mandantes do assassinato, estão presos e aguardam o processo que corre no Supremo Tribunal Federal (STF).
🔸 Em áudio: “Olha só, o carro que eu tava com a Marielle levou uma porção de tiro. A Marielle foi atingida. A gente já chamou a polícia e a ambulância. Eu tô bem, mas a Marielle tá desmaiada, o Anderson também. Reza por mim, amor, reza pela Marielle, reza pelo Anderson.” O áudio foi enviado por Fernanda Chaves ao marido na noite de 14 de março de 2018. Única sobrevivente da brutal execução de Marielle Franco, a amiga e assessora da vereadora contou repetidas vezes aquele momento. No episódio 72 do “Rádio Novelo Apresenta”, produção da Rádio Novelo, ela divide a memória com a jornalista Carol Pires e lembra de quando ouviu pela primeira vez o relato de outra pessoa sobre a cena do crime.
🔸 Um pacto entre governos para combater o crime organizado. Foi o que propôs o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ontem, em reunião com governadores no Palácio do Planalto. A CartaCapital detalha o projeto apresentado pelo governo federal, uma proposta de emenda à Constituição com mudanças nas políticas de segurança pública. A ideia central é inserir na Carta o Sistema Único de Segurança Pública, com o objetivo de criar uma base legal para que a União possa emitir diretrizes sobre o sistema de segurança, integrar dados e fazer uma atuação conjunta.
📮 Outras histórias
Patrícia era o nome do primeiro bar gay de Manaus. Localizado na avenida Constantino Nery, funcionou entre 1972 e 1979 como um espaço de resistência, frequentado por drag queens e gays da região. O Obidense conta que a história do bar chega aos palcos em novembro com a peça “Sebastião”, da companhia de teatro amazonense Ateliê 23. “É mais uma história que não sabíamos da nossa cidade, sobre o bar Patrícia e drag queens que frequentavam esse lugar de resistência. A peça traz também o mito de Sebastião, o padroeiro dos gays antes de se tornar santo, tem um clima sagrado e profano para falar da nossa resistência, dos homens gays”, diz Taciano Soares, diretor do espetáculo. As memórias dos anos 1970 foram pintadas no livro “Um Bar Chamado Patrícia”, do estilista Bosco Fonseca, lançado em 2022.
📌 Investigação
Um movimento financiado pelo agronegócio busca alterar materiais didáticos para retratar o setor de forma mais positiva. Christian Lohbauer, vice-presidente da De Olho No Material Escolar (Donme), questionou a formação de crianças e adolescentes, dizendo que: “Ela [a criança] não pode aprender, todos os dias, em todos os materiais, há 30 anos, que tem trabalho escravo na cana-de-açúcar. Ela não pode aprender que o alimento brasileiro está envenenado com agrotóxicos. Ela não pode aprender que a pecuária é responsável pela destruição da Amazônia, porque não é verdade”. A Repórter Brasil mostra que Lohbauer, um dos fundadores do Partido Novo, apresenta a organização como um grupo de pais e mães apartidários preocupados com o ensino dos filhos. A Donme já se conectou com instituições como a Universidade de São Paulo (USP) e usa sua influência nas esferas políticas para tentar moldar o novo Plano Nacional de Educação (PNE). Apesar das críticas de especialistas, que veem sua atuação como ideológica, a organização continua a promover sua agenda junto a editoras e autoridades.
🍂 Meio ambiente
Um incêndio de grandes proporções avança pela Terra Indígena Anambé, no Pará, ameaçando áreas preservadas e a saúde da comunidade local. O fogo, que já dura mais de uma semana nas aldeias do alto do rio Cairari, no município de Moju, causa dificuldades respiratórias em crianças e idosos. À revista Cenarium Pinawã Anambé, cacique-geral e presidente da associação no território Anambé, detalha os desafios enfrentados pela comunidade para conter as chamas: “Nosso povo tentou amenizar alguns focos que estavam próximos à aldeia, mas estamos encontrando dificuldades, porque não temos equipamentos adequados para combater o fogo. Também falta capacitação específica para lidar com incêndios”. Dois focos principais foram identificados, e um deles pode ter sido causado por fogo de pasto de uma fazenda vizinha. A extensão do incêndio – estimada em dois quilômetros dentro da reserva – evidencia a vulnerabilidade da comunidade e a urgente necessidade de apoio técnico para enfrentar a crise ambiental e de saúde.
📙 Cultura
“Moda é muito mais do que fazer roupas, é um ato político”, afirma Padduan Lopes, estilista do Capão Redondo, na zona sul de São Paulo. Com 22 anos e autodidata, ele desenvolveu a própria marca, Seven Padduan, e se destaca na moda periférica brasileira. Em entrevista à Agência Mural, o estilista conta que, para comprar a primeira máquina de costura, trabalhou em diversos empregos noturnos, de modelo a criador de conteúdo de moda. Por meio das peças que cria, Padduan quer expressar a ancestralidade e a diversidade, especialmente da comunidade LGBTQIAPN+. Suas coleções são inspiradas por experiências pessoais, referências culturais e a busca por impacto social. Ele diz acreditar que a moda é uma ferramenta de empoderamento, capaz de transformar identidades e realidades.
🎧 Podcast
Quase 70 anos depois a criação da lei que define e pune o crime de genocídio, vítimas sobreviventes, familiares e pessoas que estão na linha de frente seguem denunciando ações potencialmente genocidas no Brasil. No último episódio da série “genocídios.BR”, a “Guilhotina”, produção do Le Monde Diplomatique Brasil, reúne depoimentos de diferentes casos para falar sobre prevenção e reparação ao genocídio. O massacre de Haximu, que aconteceu em Roraima, em 1993, foi a primeira condenação de genocídio pela Justiça brasileira, com o assassinato de ao menos 12 indígenas Yanomami por garimpeiros. “Aquele não foi o primeiro ataque contra meu povo”, diz Davi Kopenawa Yanomami. “Você vê como tem crescido o número de mulheres assassinadas. Muitas delas estão se mantendo em um relacionamento abusivo e não têm conhecimento de como sair dele”, afirma Maria da Penha Amaya Fernandes, vítima de dupla tentativa de feminicídio.
💆🏽♀️ Para ler no fim de semana
Embora a legislação eleitoral tenha evoluído nas últimas três décadas para aumentar a presença de candidatas femininas a cargos proporcionais, o impacto na quantidade de mulheres cis e trans eleitas ainda é modesto. Uma linha do tempo elaborada pela Gênero e Número, em parceria com o Núcleo De Estudos e Pesquisas Sobre a Mulher da Universidade Federal de Minas Gerais (NEPEM/UFMG), percorre a participação das mulheres nas eleições desde a primeira prefeita, eleita em 1927, à primeira indígena a ocupar o cargo de deputada federal, em 2022. Apesar da violência e das estratégias para contornar as cotas de gênero, as mulheres seguem conquistando cada vez mais espaço.