As cidades provisórias no RS e a rotina dos imigrantes nos abrigos
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🔸 Com 77 mil pessoas em abrigos, o Rio Grande do Sul começa a pensar em alternativas para as vítimas que perderam suas casas nas enchentes. Muitos dos abrigos foram montados em escolas, que terão de voltar a funcionar, ou em espaços que também retomarão suas atividades. Só em Porto Alegre são 15 mil pessoas desalojadas. Segundo o prefeito Sebastião Melo (MDB), como não há um lugar que possa abrigar a todos, vários terrenos podem ser usados. O governo do estado anunciou “cidades provisórias” em Porto Alegre, Canoas, São Leopoldo e Guaíba. O Sul21 detalha como devem funcionar esses espaços de transição, até que políticas de habitação efetivas sejam consolidadas. O professor Eber Marzulo, do Departamento de Urbanismo da UFRGS, alerta que as estruturas devem ser construídas em áreas já existentes dentro das cidades, como parques e praças. “Enclausurar” os desabrigados, segundo ele, seria criar campos de refugiados. “Campos de refugiados dão errado, deixam as pessoas completamente perdidas. Isso vai gerar uma crise socioeconômica, psicossocial e sociocultural depois imensurável”, afirma.
🔸 A contratação da empresa que atuou na reconstrução de Nova Orleans, cidade dos EUA atingida pelo furacão Katrina em 2005, foi anunciada pelo prefeito da capital gaúcha. Segundo ele, a Alvarez & Marsal já estaria atuando no município. Não há, porém, um contrato publicado no Diário Oficial de Porto Alegre, tampouco se sabe o valor que será pago pelo serviço após o período pro bono (dois meses), revela o Matinal. Apesar das universidades de excelência no Rio Grande do Sul, pesquisadores de lá não foram formalmente incluídos nos debates. A reportagem teve acesso ao plano de ação da empresa, cujos funcionários vão trabalhar em diferentes secretarias. Fundada nos EUA nos anos 1980, a Alvarez & Marsal chegou ao Brasil em 2004. Suas ações em Nova Orleans receberam críticas pelo caráter de gentrificação – o aumento dos aluguéis impediu que moradores voltassem aos bairros onde moravam antes do furacão.
🔸 A falta de visibilidade da população carcerária atingida pelo desastre no estado se tornou terreno fértil para o preconceito e a desinformação. O próprio prefeito de Porto Alegre afirmou que detentos em regime semiaberto deveriam ir para “abrigos alternativos” por “segurança”. “Não é uma questão de preconceito. Não posso ter 15 mil pessoas acolhidas, crianças, mulheres, homens, trabalhadores, e contaminar com gente do sistema penal”, afirmou. Segundo a delegada Adriana Regina da Costa, em nenhum dos casos de violência sexual em abrigos que a Polícia Civil atuou houve participação de detentos do regime semiaberto. A Ponte atualiza a situação das unidades prisionais do estado e conversa com especialistas.
🔸 A ONU estima que 41 mil refugiados sob proteção internacional foram afetados pelas enchentes gaúchas. Além de sofrerem os mesmos dramas da população local, eles são vítimas de xenofobia, como apurou o Colabora. A venezuelana Makhariannys Gonzalez precisou mudar duas vezes de abrigo. “Fizeram uma reunião com todos os imigrantes, como sempre separados dos outros , disseram que a comida para nós teria que ser reduzida, que o barulho das crianças era quase insuportável e que não poderíamos pegar roupas porque já tínhamos muitas, sendo que só temos roupa suja que não dá para lavar. Fomos chamados de ignorantes e famintos de uma maneira muito arrogante”, afirma. Presidente da Associação de Haitianos no Brasil, Anne Dominique Bruneau afirma que “estão dando comidas cruas para os imigrantes”: “Há várias crianças que não estão comendo direito. Estão dando as roupas mais rasgadas para os estrangeiros, não só para os haitianos”.
🔸 Em vídeo: “Os secretários do governo Eduardo Leite não estão se falando. Os ministros do governo Lula não estão se falando. Leite reclamou que soube pela imprensa que o presidente Lula indicou o ministro Paulo Pimenta para ser a autoridade federal voltada para a recuperação do estado. Pois é. Quem devia não está se falando”, diz Pedro Doria. No Ponto de Partida, produção do Canal Meio, ele afirma que falta gestão de crise no Rio Grande do Sul. “Não bastasse a descoordenação tem ainda a demagogia e a desinformação”, completa.
📮 Outras histórias
Dona Nilza Moreira Nunes viveu 50 anos no bairro Sítio Botuquara, zona noroeste de São Paulo, até ser despejada para a construção do trecho norte do Rodoanel – obra que está paralisada desde 2018. Thaline Nunes Rocha, neta de Nilza, transformou essa história em seu trabalho final de graduação, o documentário curta-metragem “Com Quantas Barreiras se Constrói um Território?”. A Periferia em Movimento destrincha a obra de Thaline, que registrou a vida no bairro, as dificuldades de infraestrutura e os impactos negativos do Rodoanel, como isolamento social e riscos de segurança.
📌 Investigação
O estudo de impacto ambiental usado pela mineradora Aura Minerals para obter licença de funcionamento, em Almas, no sudeste do Tocantins, foi realizado em 2011 e não incluiu a existência de quatro comunidades quilombolas. A Repórter Brasil ouviu os moradores da região, que relataram medo do rompimento da barragem de rejeitos. A estrutura tem classificações “baixo risco” e “baixo dano potencial associado” na Agência Nacional de Mineração (ANM). No entanto, as categorizações são feitas com base em relatórios realizados por auditorias contratadas pelas próprias mineradoras, e podem mudar de acordo com o envio de novos dados. Os quilombolas que vivem no entorno da mina nem sequer foram informados sobre os níveis de segurança, tal como não tiveram acesso à consulta prévia, livre e informada, estabelecida pela Convenção 169 OIT, da qual o Brasil é signatário.
🍂 Meio ambiente
A biodiversidade da Caatinga pode ser fortemente impactada pelas mudanças climáticas. As espécies de répteis psamófilos, animais que vivem em terreno arenoso e habitam diferentes ambientes secos e abertos na América do Sul, estão entre as que podem ter sua área de distribuição geográfica afetada, segundo artigo publicado na revista científica “Journal of Arid Environments”. Segundo O Eco, os cientistas basearam o estudo numa modelagem de disposição de espécies no habitat e mostraram que a previsão é de que mudanças no clima reduzam a área de distribuição de seis dos dez répteis analisados. “Pensava-se comumente que essas espécies, por serem adaptadas a solos mais áridos – na Caatinga, no Cerrado e no Chaco –, estariam mais adaptadas a temperaturas mais altas. E a gente refutou essa ideia”, afirma Júlia Oliveira, mestre em Biodiversidade, Ambiente e Saúde pela Universidade Estadual do Maranhão e uma das autoras da pesquisa.
📙 Cultura
“O que estamos vendo no mundo inteiro em termos de catástrofes ambientais é fruto de uma estrutura de poder baseada na concepção de mundo em que o humano – e esse humano é homem, branco e europeu, pautado pela racionalidade e pelo racismo – ocupa única e exclusivamente o lugar de fala universalizante da experiência existencial”, afirma a artista e pesquisadora cearense Lyz Vedra, em entrevista à Agência Diadorim. Na exposição “Escuta Sensível das Plantas” , em cartaz no Museu de Arte Contemporânea do Ceará (MAC-CE), ela traça uma conexão entre sua identidade travesti e a natureza das plantas.
🎧 Podcast
A primeira lei antifumo do país entrou em vigor há 15 anos no estado de São Paulo e proibiu o fumo em ambientes internos de qualquer estabelecimento – público ou privado –, o que causou uma reação da indústria do tabaco com argumentos anticientíficos. A iniciativa inspirou uma lei federal similar, que foi regulamentada em 2014. No mesacast do “Ciência Suja”, produção da NAV Reportagens, Mônica Andreis, diretora presidente da ACT, ONG voltada à defesa de políticas de saúde pública, e Jaqueline Scholz, médica cardiologista especialista em tabagismo, debatem como a legislação alterou o cenário do consumo de tabaco no país e os novos desafios envolvendo os cigarros eletrônicos.
💆🏽♀️ Para ler no fim de semana
Em um mundo de trabalho excessivo e precarizado, a tendência das “esposas-troféu” cresce nas redes sociais. Sua única “função” é ir à academia, ao pilates, às sessões de procedimentos estéticos. Elas vivem dentro de uma rotina de luxo, de descanso e beleza enquanto os maridos vão atrás do dinheiro. A revista AzMina destrincha quais os problemas do conceito de “esposa-troféu”. Além da relação de desigualdade de poder e falta de autonomia, a mulher precisa ser lida socialmente como uma conquista, como demonstração de poder e influência. Desse modo, a maioria delas é branca, magra e jovem – e precisa fazer de tudo para se manter assim. Essa tendência está diretamente ligada ao avanço do conservadorismo e ao ataque das pautas feministas entre pessoas mais jovens.