A cheia no Amazonas e as multinacionais no São João de Caruaru
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🔸 “O país começa a ser justo pela tributação e depois continua a ser justo pela repartição”, disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ontem, no lançamento do Plano Safra. A afirmação veio horas depois da crítica de Hugo Motta (Republicanos) afirmar que o governo tenta estimular uma “polarização social” em torno das medidas tributárias, derrubadas pelo Congresso na semana passada, na pior derrota do governo no Legislativo. O Congresso em Foco informa que Lula voltou a defender a isenção do Imposto de Renda para salários de até R$ 5 mil, promessa que fez em sua campanha.
🔸 “A maior parte dos parlamentares representa o topo da pirâmide econômica. São herdeiros, empresários, investidores do mercado financeiro, dirigentes de grandes bancas de advocacia e a casta mais rica do agronegócio”, escreve Daniel Camargos, em artigo na CartaCapital. O jornalista lembra que, enquanto Jair Bolsonaro (PL) intensificou sua estratégia de mirar o Congresso para confrontar o Supremo Tribunal Federal (STF), o governo vem amargando a resistência não só da oposição no Legislativo, mas também de sua própria base. O discurso em torno da taxação de super-ricos, segundo ele, “é uma aposta: onde não há maioria parlamentar, tenta-se construir maioria social”.
🔸 Falando em medidas sociais… por decreto, o governo definiu ontem as cotas raciais em concursos públicos. Segundo a nova regulamentação, do total de vagas, 25% serão destinadas a pessoas negras (pretas e pardas), 3% a indígenas e 2% a quilombolas. O Notícia Preta explica que, caso não haja candidatos suficientes em algum grupo, as vagas serão redistribuídas entre os demais grupos de cotas, seguindo prioridade, antes de passarem para ampla concorrência.
🔸 Mais de 520 mil pessoas em 58 cidades sofrem os impactos da cheia no Amazonas. Dos 62 municípios do estado, apenas quatro estão em situação de normalidade, informa a revista Cenarium. Até agora, 40 municípios decretaram emergência, enquanto 18 estão em alerta, como Manaus, Autazes e Parintins. Foram distribuídas 580 toneladas de cestas básicas e enviados 2,3 milhões de frascos de hipoclorito para limpeza e purificação de água. As cheias também impactam a educação: 444 alunos de quatro municípios passaram a estudar remotamente pelo “Aluno em Casa”, projeto foi criado para garantir que os alunos da rede estadual continuem estudando mesmo em situações como pandemias, estiagens ou secas dos rios.
🔸 Em tempo: as populações mais vulneráveis a desastres climáticos na Amazônia vivem em áreas urbanas, principalmente em favelas, sem acesso adequado a saneamento. Na primeira reportagem da série “Vulneráveis do Clima”, a InfoAmazonia revela, a partir de mapeamento inédito, que 55% das casas em áreas de risco da região são chefiadas por mulheres e 81% da população é parda ou preta. Em Manaus, 85% vivem em áreas de risco alto e 15% em risco muito alto, como a comunidade Fazendinha, marcada por deslizamentos fatais, moradias precárias e ausência de esgoto. A reportagem visitou a área que resume alguns dos problemas que também são encontrados em outras partes da Amazônia: a maioria das casas é de estrutura inacabada e não há esgoto nem coleta de lixo em todas as ruas.
📮 Outras histórias
Apenas 72 horas depois da suspensão do programa Gari Comunitário na Rocinha, já era possível ver lixo acumulado nas ruas da favela na zona sul do Rio de Janeiro. Criado há quase 30 anos, o programa empregava 36 garis responsáveis pela limpeza de becos e ruas estreitas onde os caminhões da prefeitura não chegam. O Fala Roça apurou que a suspensão ocorreu após determinação do Ministério Público do Trabalho, que notificou a Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb) a encerrar o serviço sob pena de multa. O programa, segundo o órgão, atingiu o prazo máximo de vigência. “Essa suspensão interfere diretamente na vida da gente. Era um serviço de grande utilidade pública. Agora, sem os garis comunitários, vamos ficar entregues aos ratos e às doenças”, afirma Daniela Machado, moradora da Rocinha. A paralisação do serviço atinge também outras favelas cariocas.
📌 Investigação
Proibição do uso do banheiro feminino, assédios e desconsideração do nome social foram a rotina de Ana (nome fictício) como funcionária do frigorífico Prima Foods. Mulher trans, ela sofria discriminação constante no trabalho. “Como era uma empresa grande, o fluxo do banheiro era muito grande também. Então, eu sempre esperava um horário em que tinha menos pessoas para poder entrar”. Em uma ocasião, foi recrutada por para cumprir funções que exigiam grande força física, em um posto diferente do seu. Quando reclamou com o chefe do setor, ouviu a justificativa de que “tinha mais força por ser homem e ter mais resistência”. A Repórter Brasil teve acesso ao processo que Ana moveu contra a empresa, condenada a pagar R$ 35 mil de indenização à ex-funcionária. O caso ilustra os desafios da população trans para acessar e permanecer no mercado de trabalho formal.
🍂 Meio ambiente
Palco do desastre minerário da Braskem, Alagoas é vista pela empresa chinesa Baiyin Nonferrous, nova dona da Mineração Vale Verde, como uma “pista livre” para a atividade. Os estrangeiros pretendem investir US$ 420 milhões no Agreste alagoano para explorar minérios. Segundo a Mídia Caeté, o empreendimento pode ter impactos socioambientais devastadores, sobretudo diante da falta de estrutura para fiscalizar. “O estado não possui um corpo geográfico e geológico estruturado, não tem laboratórios de monitoramento de qualidade de solo ou água, não tem equipe multidisciplinar suficiente nos órgãos ambientais e tampouco um plano estadual de mineração que estabeleça critérios claros de uso do subsolo”, afirma o geógrafo Thyago Lima, um dos especialistas técnicos que atuou na Defesa Civil no Caso Braskem.
📙 Cultura
“As grandes bandas, as milionárias, merecem seus cachês, mas temos mestres que contribuíram tanto para a cultura e morreram na miséria. Tantos São Joões só existem porque os mestres e a cultura popular sempre estiveram presentes”, afirma o pifeiro e artista multicultural Wesklei Mardone, mentor da Banda de Pífano da Inclusão, apenas com cadeirantes, e da banda Arrasta Pife. O Nonada narra como o São João de Caruaru, no Agreste pernambucano, conhecido como o maior do mundo, passou a funcionar como vitrine de marcas multinacionais, com estruturas cercadas, palcos gigantes e uma lógica voltada ao show business. Já os mestres e produtores culturais que fazem a festa acontecer há décadas vivem precarizados. “Temos uma carga de trabalho grande o mês todo, mas o valor pago é irrisório. Somos a base da cultura. Mas, às vezes, conseguimos um valor melhor de uma festa privada do que da própria Fundação de Cultura, que tem muito mais recursos”, diz o sanfoneiro Vinícius Leite.
🎧 Podcast
“O movimento dos marginais chega por diversas frentes que se originam nessas três décadas [50, 60 e 70]. O Cinema Novo teve uma influência enorme, o cinema marginal, por exemplo, começou antes da poesia. Em matéria de forma, [a poesia marginal] pegava todas as nuances dessas diferentes expressões de arte e de linguagem”, afirma Francisco Alvim, o Chico, nome fundamental da poesia brasileira contemporânea por sua marca na poesia marginal, estilo que surgiu nos anos 1970. O “451 MHz”, produção da Quatro Cinco Um, conversa com o poeta, cuja obra está ligada à oralidade e à experiência cotidiana. “[A poesia marginal] foi uma coisa muito forte que veio de vários lados, não veio de um lado só, não havia propriamente uma intenção poética. Havia uma situação que nos transcendia, que era propriamente a situação do país, uma situação conflitiva”, explica, em referência ao período mais duro da ditadura.
👩🏽🏫 Educação
A cada aula interrompida pelas sirenes da ambulância, está o descaso e o racismo ambiental contra os alunos da educação pública no Arquipélago do Marajó, no Pará. Com o calor cada vez mais extremo e sem estrutura adequada de resfriamento e ventilação, é comum que estudantes tenham sensação de sufocamento e cheguem a desmaiar na escola. A resposta da Secretaria de Educação aos estudantes, segundo relatos, foi para que orassem “para Deus diminuir o calor”. A Amazônia Latitude mostra a situação da rede estadual: além das altas temperaturas, mais de 65% das escolas do Arquipélago do Marajó não possuem água potável, 85% não possuem estrutura adequada, 78% não têm coleta de esgoto e 13% sequer possuem banheiros funcionando. Esses dados se refletem na conclusão do ensino básico: a evasão escolar na ilha é mais de 15% maior que a média nacional.