A censura contra ‘O Avesso da Pele’ e as fakes sobre dengue
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Oi, gente, bom dia!
Esta é a última semana da pesquisa da Brasis. O questionário é breve, e as respostas poderão nortear nossa seleção diária de textos. Para participar, é só clicar aqui.
Obrigada e boa leitura.
🔸 Depois de dois votos contrários à descriminalização do porte de maconha, o ministro Dias Toffoli fez um pedido de vista e interrompeu o julgamento da pauta no Supremo Tribunal Federal (STF). O placar agora está em 5 a 3 para descriminalizar. O Jota explica que já há maioria formada para decidir a pesagem da substância na diferenciação entre usuários e traficantes. O ponto ainda sem consenso é sobre as quantidade – se são 25 gramas ou 60 gramas. “Eu não tenho a mínima ideia do que é capaz de ser lícito e ilícito e das quantidades de uso”, disse Toffoli logo após o pedido de vista. A definição, segundo ele, é tarefa do Executivo e dos legisladores. Antes, na abertura da sessão, Luís Roberto Barroso lembrou: “Não se trata, portanto, de legalização. O consumo de drogas no Brasil continuará a ser ilegal. As drogas não estão sendo – nem serão – liberadas no país por decisão do STF. Legalizar é uma definição que cabe ao Poder Legislativo”.
🔸Depois do Rio Grande do Sul, o Paraná: o estado mandou recolher da rede pública de ensino os exemplares de “O Avesso da Pele”, obra de Jefferson Tenorio considerada um dos grandes textos sobre racismo da literatura brasileira contemporânea, vencedora do Prêmio Jabuti em 2021. O Plural conta que a censura pelo governo paranaense estaria relacionada aos atos sexuais descritos na narrativa. Na Assembleia Legislativa do estado, deputados atacaram o livro, e Ricardo Arruda (PL) chegou a dizer que se trata de “obra satânica da esquerda”. Os ataques foram rebatidos por diversos escritores e intelectuais no país.
🔸 A propósito: Jefferson Tenorio já explicou que sua obra versa sobre o racismo, sobre a paternidade, sobre pais e filhos e a difícil relação entre eles. Em conversa com a CartaCapital, ele afirma que “O Avesso da Pele” traz ainda “uma crítica à precariedade do ensino no Brasil”. “É um livro que vai tratar da sala de aula, do dia a dia dos professores, dos alunos. Por fim, também vai tratar do racismo estrutural e, consequentemente, da violência policial”, diz Tenorio. Sobre a censura, ele completa: “É um discurso político, um discurso que foi cooptado por um conservadorismo que vem recrudescendo no Brasil, um discurso puritano, conservador, que não aceita qualquer tipo de temática que fuja a esses princípios”.
🔸 As fakes sobre a dengue reproduzem o padrão de desinformação sobre a Covid-19. Receitas caseiras sem eficácia comprovada, ataque às vacinas e teorias conspiratórias estão entre as narrativas falsas mais comuns, segundo levantamento feito a pedido da Lupa pelo projeto Mídia e Democracia, da Escola de Comunicação da Fundação Getúlio Vargas (ECMI - FGV). São dois os pilares da desinformação sobre a dengue: o negacionismo e a ideia de “plano globalista” por trás da pandemia de Covid-19 e, agora, da epidemia de dengue. A reportagem detalha o levantamento, explica como a vacinação é mais uma vez politizada e mostra que há até mesmo mensagens indicando ivermectina para o tratamento da dengue.
🔸 Em áudio: o surto da doença no país reforça as desigualdades sociais e expõe mais uma faceta do racismo ambiental. A falta de coleta de lixo apropriada, por exemplo, favorece o criadouro de mosquitos em resíduos que não foram recolhidos, como pneus. O “Durma com Essa”, podcast do Nexo, destaca a necessidade de ampliar as ações de combate e prevenção, como a distribuição de repelentes e de telas para proteção contra o mosquito, além de medidas focadas nas comunidades mais vulneráveis.
📮 Outras histórias
“Quando o médico disse o resultado, eu procurei um buraquinho para me ‘ensocar’, mas não encontrei.” A frase de Luciana dos Santos, de 47 anos, relembra o dia em que soube que seu filho Christopher, de 23 anos, estava com câncer. A moradora de Vitória de Santo Antão, a 51 km de Recife, acompanha o tratamento do filho na pediatria do Hospital do Câncer de Pernambuco (HCP). O Meus Sertões acompanhou o dia de um grupo de mães que saem de diversos municípios da região metropolitana de Recife para levar os filhos ao hospital da capital. Muitas delas, precisam deixar de trabalhar nos dias de consulta. Luciana, por exemplo, contou que não poderia cumprir o serviço de diarista naquela semana, e o único dinheiro que teria, então, seria o de uma galinha que ela pretendia matar no sábado. No fim do dia de hospital, conta a reportagem, as mães “se preparam para viajar, segurando a mão de seus filhos, enquanto carregam o peso do mundo nas costas e esperam ouvir o sino tocar”.
📌 Investigação
Dos 61 mortos pela polícia nos meses de operações na Baixada Santista, em São Paulo, 48 eram pretos ou pardos – número que representa 78% do total. As mortes aconteceram no período da Operação Escudo – de julho a setembro de 2023 – e da Operação Verão, em curso nos primeiros meses de 2024. Levantamento da Alma Preta revela que, apenas em janeiro deste ano, 20 pessoas foram mortas durante ações policiais e, dessas, 17 eram negras. Moradores da região temem falar sobre os episódios à Polícia Civil, responsável por investigar os crimes, por medo de represálias por parte dos agentes de segurança. Em todas as comunidades visitadas pela reportagem, jovens negros relataram medo de serem abordados. “Eles batem toda vez que eu sou abordado”, contou um deles.
🍂 Meio ambiente
Na contramão de uma transição energética que reduza combustíveis fósseis, o Brasil planeja duplicar a produção de gás natural. O Plano Decenal de Expansão de Energia mais recente do Ministério de Minas e Energia prevê um crescimento de 158 milhões para 323 milhões de metros cúbicos por dia até 2032. A “Capivara Post”, newsletter da Ambiental Media, detalha que um dos motivos para esse aumento se deve ao “jabuti” inserido pelo Congresso na lei de privatização da Eletrobras (Lei 14.182), aprovada em 2021. O trecho estabelece a instalação de 8 mil megawatts em novas termelétricas a gás natural em quase todas as regiões do país. Os pesquisadores afirmam que, além de emitir mais gases de efeito estufa, a produção de gás utiliza muita água para refrigerar o sistema de geração.
📙 Cultura
“A literatura já contou muitas histórias em que um ‘outro’ é identificado e categorizado para que possa haver antagonismo e para que lógicas de poder possam ser aplicadas”, escreve a jornalista e crítica literária Gabriela Mayer. Na revista AzMina, ela mergulha em exemplos de como a literatura mostra o cruzamento das opressões de raça, gênero e classe. “Os textos oferecem uma espécie de espelho que nos obriga a pensar sobre quantas vezes tentamos marcar nosso status racializado para não perder uma diferença idealizada e socialmente valorizada.” Mayer explica o que é interseccionalidade e como pensar o feminismo a partir dos diferentes tipos de dominação.
🎧 Podcast
Manobra militar com objetivo de cercar o inimigo em duas colunas, o “movimento de pinça” é o que o antropólogo Piero Leirner, pesquisador de forças militares, aponta para definir a relação entre o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e as Forças Armadas, com um teatro político de crise que se acentuou em 2021 no alto comando. A “Rádio Escafandro”, produção da Rádio Guarda-Chuva, analisa as estratégias do comportamento adotado pelos militares ao longo do governo Bolsonaro em uma “guerra informacional”, cuja aspiração golpista resultou na invasão dos prédios dos Três Poderes, em Brasília, no dia 8 de janeiro de 2023.
🙋🏾♀️ Raça e gênero
Ferramentas que monitoram pessoas em locais públicos, comparando seus rostos com bancos de dados de cidadãos procurados pela Justiça, erram mais na identificação de mulheres negras. O resultado são abordagens policiais e constrangimento, como conta o Nós, Mulheres da Periferia. “Há desempenho de forma distinta com maior disparidade ao comparar mulheres negras e homens brancos”, afirma Horrara Moreira, advogada, pesquisadora e coordenadora da campanha Tire Meu Rosto da Sua Mira. Atualmente, esses sistemas de reconhecimento facial monitoram cerca de 47,6 milhões de pessoas, segundo O Panóptico, plataforma do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, que acompanha novas tecnologias de segurança pública no Brasil.