O julgamento do caso Marielle e o letramento racial de terapeutas
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🔸 “Injusto” e “vergonhoso”. Foi como o Real Madrid definiu o fato de Vini Jr. não receber a Bola de Ouro da temporada 2023/2024. O atacante brasileiro era dado como favorito, mas a honraria foi entregue a Rodri, meio-campista da seleção espanhola e do clube inglês Manchester City. O resultado vem acompanhado de debate político: Vini Jr. ergueu sua voz contra o racismo no futebol depois de ser alvo de preconceito em jogos na Espanha. O Nexo mostra que a própria repercussão da Bola de Ouro na imprensa espanhola revela que o país minimiza o racismo sofrido pelo atleta brasileiro. A reportagem explica ainda como é definido o vencedor do prêmio e lembra que Rodri, 28 anos, marcou 12 gols na temporada 2023/2024 e deu 13 assistências. Já Vini Jr., 24 anos, marcou 26 gols e prestou dez assistências.
🔸 “A injustiça nessa premiação tem a ver com aquilo que Vini Jr. vem combatendo. Isso é um ponto inquestionável. Os racistas não suportam o confronto e a rebeldia de um jovem negro”, escreve a jornalista Isadora Pessoa, em artigo no Mundo Negro. Ela resgata momentos marcantes da luta antirracista no esporte. Em 1968, os velocistas Tommie Smith e John Carlos subiram ao pódio nas Olimpíadas da Cidade do México e, vestindo luvas pretas, ergueram os punhos cerrados, a saudação do movimento Black Power. Em 2016, o jogador de futebol americano Colin Kaepernick se ajoelhou durante o hino nacional: “Não vou me levantar para mostrar orgulho a uma bandeira de um país que oprime negros e negras”.
🔸 Os assassinos confessos de Marielle Franco vão a júri popular hoje, seis anos depois da brutal execução da vereadora carioca, crime que também tirou a vida do motorista Anderson Gomes. O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro busca a condenação máxima – de 84 anos de prisão – para os ex-policiais Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz, informa o Notícia Preta. Os dois réus estão presos desde março de 2019, um ano após o assassinato, e apontam o ex-deputado federal Chiquinho Brazão e o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, Domingos Brazão, como mandantes. Vinte e uma pessoas foram convocadas para o júri, das quais sete serão escolhidas por sorteio no início do julgamento. Entre as testemunhas, está a jornalista Fernanda Chaves, amiga, comadre e assessora de Marielle Franco que estava com ela no carro na noite do crime.
🔸 “É um momento decisivo para todo mundo que luta por justiça e para quem acredita que o Brasil precisa ser um país sério que não permite que uma mulher negra seja assassinada com sete tiros na cabeça voltando do trabalho”, afirma Marinete Silva, mãe de Marielle. A revista Afirmativa conta que o Instituto Marielle Franco, fundado pela família, vai promover hoje, a partir das 7h, um ato em frente ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro para exigir uma resposta contundente ao crime mais importante da história recente da política brasileira.
🔸 A propósito: três em cada dez assassinatos no Brasil são investigados e, de fato, esclarecidos. “Investigação faz muita diferença em cidades com altos índices de violência como o Rio de Janeiro. Parece óbvio, mas não. No Rio, pouco mais de 20% dos assassinatos têm solução”, afirma Cecília Olliveira. No Fogo Cruzado, a fundadora do instituto lembra que a CPI das Milícias aconteceu em 2008. “Há 16 anos, a gente sabe a gravidade desse problema, conhece os personagens e sabe qual é a entrada deles na política. E, mesmo assim, a milícia avançou”, completa. Ela destaca ainda a importância do julgamento dos réus do caso Marielle: “Esse assassinato e sua investigação são marcantes porque mostram a força dos poderes dos criminosos que tomaram o Rio de Janeiro. Mas mostram também que não somos um caso perdido. A gente precisa fazer desse julgamento um marco da sociedade”.
📮 Outras histórias
Com o aumento de provedores de internet em Porto Alegre nos últimos dez anos, vieram o aumento dos fios nos postes e os problemas. Não é só uma questão estética: o excesso de fios emaranhados prejudica a qualidade de serviços de telefone, internet, TV e até energia elétrica. A Matinal visitou alguns pontos da capital gaúcha onde o problema é notório e comparou com imagens das ruas captadas pelo Google na última década. “Essa enormidade de fornecedores e competidores desse mercado reflete-se nos postes: cada empresa ocupa ao menos um cabo. Sem a urbanização adequada, nossa próspera rede fica exposta a olho nu e às intempéries. A urbanização brasileira não acompanhou o acelerado compasso da internet”, afirma o especialista em tecnologia Thiago Ayub.
📌 Investigação
Na Oxxo, “ninguém leva a sério a questão da saúde mental dos colaboradores. Pelo contrário, isso é até motivo de piada”. A afirmação é de uma ex-funcionária da rede de lojas de conveniência, uma das maiores empregadoras da cidade de São Paulo, com mais de 500 unidades no estado. Nos últimos anos, o grupo vem enfrentando centenas de processos de trabalhadores. Eles pedem indenização por danos morais em decorrência de doenças e condições mentais desenvolvidas na empresa. O Joio e O Trigo conversou com ex-funcionários da Oxxo que relataram casos de assédio moral, humilhação e constrangimento até problemas de saúde mental, fruto do ambiente de trabalho. “Todos no escritório estão doentes”, disse uma ex-funcionária do setor de RH, que foi demitida após voltar do afastamento.
🍂 Meio ambiente
O segundo menor vertebrado conhecido no mundo vive no litoral paulista. Com 6,95 milímetros, o sapo-pulga ou rã-pulga foi localizado na região de Ubatuba (SP), por um grupo liderado por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O Fauna News explica que a nova espécie foi nomeada Brachycephalus dacnis em homenagem ao Projeto Dacnis, organização que trabalha em defesa da Mata Atlântica no local onde o animal foi reconhecido. “Existem sapos pequenos com todas as características de sapos grandes, apenas menores. Esse gênero é diferente. Ao longo da evolução, ele passou pelo que chamamos de miniaturização. São características como fusões e perdas de ossos, além da falta de dígitos e outras partes da anatomia”, detalha Luís Felipe Toledo, professor do Instituto de Biologia da Unicamp e coordenador do estudo.
📙 Cultura
Tendo o rap como grito coletivo diante da crise climática e social na Amazônia, o Bruxos do Norte lança seu manifesto sonoro. “Vazante 2” denuncia a ausência de políticas públicas nas periferias de Manaus (AM). Em entrevista ao Le Monde Diplomatique Brasil, os artistas afirmam que os versos do novo single expõem a realidade de uma região onde a crise climática se mistura com a falta de infraestrutura e o abandono social. “A seca e a fumaça não afetam igualmente a todos”, lembra Aka Buya, integrante do grupo. “Nas áreas nobres da cidade, os problemas existem, mas são contornáveis. Já nas periferias, onde o abandono é histórico, a situação é insustentável. A gente vive cercado por queimadas, sem água, sem assistência, enquanto as elites continuam indiferentes.”
🎧 Podcast
Para cumprir a missão de proteger o mundo, Dona Romana construiu um ambiente mágico. Em 1989, na zona rural de Natividade, sudeste de Tocantins, Romana Pereira da Silva começou a fazer esculturas de formas humanas, pássaros gigantes, animais e corpos celestes, no sítio Bom Jesus de Nazaré. O quinto episódio de “Mil Graus”, produção da Trovão Mídia, mergulha na história da artista e de seu sítio mítico, hoje um ponto de peregrinação de fiéis e turistas. “Ela faz orações, ela benze, e [faz] cura material”, diz Simone Camelo, que era sócia da loja de material de construção em que Dona Romana encomendava sacos de cimento para as suas obras, no final dos anos 1980. Em meio à mata do Cerrado, o conjunto das obras dela chama atenção. De alguns anos para cá, roteiros turísticos pela região ou por destinos populares, como o Jalapão, passaram a incluir uma parada no sítio.
🙋🏾♀️ Raça e gênero
A falta de letramento racial de psicólogos pode causar episódios de violência em atendimentos, segundo estudiosos sobre saúde mental e população negra. A contadora Ana Carolina, mulher negra de 36 anos, conta que ao procurar acolhimento de uma profissional, para tratar traumas vividos num relacionamento inter-racial, ouviu da terapeuta: “Não é porque você é negra, é porque você é mulher”. A revista AzMina reúne casos de atendimentos psicológicos em que faltou preparo profissional. A paraense Gabriela Araújo lembra que, quando levava para a terapia incômodos relacionados a ser uma mulher negra, sentia que os assuntos não tinham aprofundamento: “Talvez por falta de repertório, de vivência, pela terapeuta não se sentir segura, ter medo de falar alguma coisa”. O Conselho Federal de Psicologia (CFP) reconhece que as faculdades não abordam suficientemente questões de raça e gênero. “Muitas delas passam de forma muito tangencial pelos debates”, diz Alessandra Santos de Almeida, presidente do CFP.
Sou psicóloga, sou negra, e só quando me formei e passei a clinicar que tive noção do quanto é importante o aprofundamento em questões de raça e gênero para poder escutar meus pacientes.