O caminhoneiro por trás dos ataques em Brasília e o memorial da democracia
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🔸 O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), mandou prender Anderson Torres, que era o secretário de Segurança Pública do Distrito Federal quando dos ataques criminosos em Brasília, no último domingo. “Era” porque, após os atentados, ele foi exonerado do cargo. Ex-ministro da Justiça e aliado de primeira hora de Jair Bolsonaro (PL), Torres havia assumido a secretaria em 2 de janeiro, mas, cinco dias depois, viajou de férias para os Estados Unidos. A Polícia Federal (PF) cumpriu ontem mandado de busca e apreensão em sua casa, em Brasília. À noite, ele afirmou que vai “interromper as férias” e retornar ao Brasil. O Congresso em Foco lembra que Moraes também determinou a prisão do ex-comandante da Polícia Militar do Distrito Federal, o coronel Fábio Augusto Vieira.
🔸 O bloqueio dos bens de Bolsonaro, Torres e Ibaneis Rocha (MDB): foram estes os pedidos do Ministério Público ao presidente do Tribunal de Contas da União, Bruno Dantas. O subprocurador-geral Lucas Rocha Furtado fez a solicitação “em razão de processo de Tomada de Contas e do vandalismo ocorrido no Distrito Federal no dia 8 de janeiro de 2023, que provocou inúmeros prejuízos ao erário federal”. Segundo a CartaCapital, um relatório preliminar divulgado pela Câmara indica que os danos provocados na Casa já ultrapassam a casa dos R$ 3 milhões.
🔸 Afinal, criminalmente, Bolsonaro pode ser implicado nos atentados de domingo? Se o ex-presidente fomentou e encorajou a barbárie ao longo de quatro anos de governo, do ponto de vista penal, ainda é incerto se ele pode ser conectado aos ataques. Embora o ministro Gilmar Mendes, por exemplo, já tenha dito que “a maior responsabilidade dos atos recai sobre as autoridades”, a resposta vai depender da apuração factual. O Jota conversa com advogados criminalistas sobre a questão. “A percepção é de que a responsabilidade criminal existe; no entanto, pode não ser fácil prová-la”, diz Flávia Rahal. Já Rodrigo Faucz explica que existem as figuras do autor direto e do partícipe, ambos considerados como sujeitos de um crime. Ele completa: “Fica muito claro que uma investigação séria, considerando todas as manifestações do ex-presidente em que ele estimula a ideia, pode colocá-lo como partícipe, por sua atuação moral”.
🔸 “Quem precisar de ônibus para Brasília, só chamar no WhatsApp. Ramiro Caminhoneiro está disponibilizando 3.000 ônibus.” Este nome – Ramiro Caminhoneiro – é dos que mais aparecem em grupos de WhatsApp e Telegram usados para convocar a ida a Brasília. Foi mencionado 82 vezes, segundo levantamento realizado a pedido da Lupa pela Palver, empresa que monitora 17 mil grupos públicos de conversas políticas no Whatsapp. “Ramiro se vende como patriota, como bolsonarista, e as pessoas veem nele um igual, uma oportunidade de materializar seus desejos políticos”, afirma o professor de estudos de mídia da Universidade da Virgínia, David Nemer. A reportagem mostra quem é ele: Ramiro Cruz Junior é sócio de duas empresas no ramo de transportes e concorreu a deputado pelo PSL de São Paulo, em 2018, e pelo PL, em 2022.
🔸 Pastores também articularam as caravanas criminosas. Lideranças religiosas, algumas delas políticos com mandato, não só convocaram, mas ajudaram a organizar os ataques aos Três Poderes. Do ex-senador Magno Malta, que postou um vídeo em que classificou os atos como o “desespero de um povo que não foi ouvido”, ao pastor e televangelista Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, a Agência Pública revela a face religiosa dos atentatos. “Essas lideranças podem não ter participado dos atos de depredação, mas pavimentaram o caminho, legitimando os acampamentos bolsonaristas há meses e atos dos extremistas”, afirma Nilza Valéria, coordenadora da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito.
📮 Outras histórias
O casal “cloroquiner” de Pernambuco está de volta. Os parlamentares bolsonaristas Clarissa e Pastor Júnior Tércio, ambos do PP, estão entre as lideranças evangélicas fundamentalistas (além de donos de rádio e comunidade terapêutica) que instigaram e endossaram os ataques aos Três Poderes. No domingo, ela, deputada federal eleita, compartilhou um vídeo feito por uma mulher que furou o bloqueio policial para invadir o teto do Congresso Nacional. Os dois também compartilharam imagens dos atentados inserindo créditos com os endereços de suas próprias redes sociais. O Marco Zero conta que a bancada federal do PSOL pediu que os dois sejam investigados sobre possíveis vínculos com as invasões aos Três Poderes. Vale voltar ao perfil da dupla, que acumula 1,6 milhão de seguidores no Instagram, publicado no ano passado.
📌 Investigação
Maior operadora de ferrovias do país, a Rumo integra, desde janeiro de 2022, o Índice de Sustentabilidade Empresarial da Bolsa de Valores brasileira, um reconhecimento para as empresas boas práticas de ESG. No entanto, é alvo de ações cíveis, indenizatórias, trabalhistas, fiscais, ambientais e regulatórias. O Joio e O Trigo apurou ainda que a Cosan, que detém 30,3% do capital social da corporação, já chegou a estar na Lista Suja do Trabalho Escravo. O empresário Rubens Ometto Silveira Mello, presidente do Conselho de Administração das empresas Rumo, Cosan, Raízen e Comgás, doou R$ 7,4 milhões a candidatos nas eleições de 2022. A maior parte do valor foi destinado a ex-ministros de Bolsonaro, como Tereza Cristina, Onyx Lorenzoni, Ricardo Salles e Tarcísio de Freitas.
📋 Checagem
Com as prisões de envolvidos nos atentados de domingo em Brasília, pipocam as fake news. Entre elas, a de que uma idosa de 77 anos teria morrido no ginásio da Polícia Federal para onde foram levados os golpistas retirados do acampamento bolsonarista em frente ao quartel general do Exército no DF. O Aos Fatos informa que a notícia é falsa. A própria família da idosa que aparece na foto desmentiu e explicou que ela morreu em novembro de 2022. Posts com o conteúdo mentiroso acumulavam 5.000 compartilhamentos no Facebook, 100 mil curtidas no Instagram e ainda circulam no Twitter, Telegram e WhatsApp. Aliás, oito pessoas precisaram de atendimento médico e foram encaminhadas para o Hospital de Sobradinho e para a Unidade de Pronto Atendimento, mas não eram casos graves. Não há registro de morte entre os detidos.
📙 Cultura
Além do balanço dos bens culturais depredados durante a invasão dos prédios dos Três Poderes, a ministra da Cultura, Margareth Menezes, anunciou a criação de um memorial em defesa da democracia com os objetos e obras de arte vandalizados pelos criminosos. “Esse memorial é para deixar marcado, para que nunca mais possa acontecer outra violência desse nível, com o intocável, que é nossa democracia”, disse. O Sul21 lembra que um levantamento dos estragos ainda está sendo feito. Um dos casos mais delicados é o do relógio de Balthazar Martinot, datado do século XVII, presente da Corte Francesa a Dom João VI. Existem apenas dois desses relógios feitos por Martinot, relojoeiro de Luís XIV, rei da França na época. O outro está exposto no Palácio de Versailles e tem apenas metade do tamanho da peça destruída por bolsonaristas.
Banhada na “colonialidade linguística”, a universidade pode ser um espaço de “racismo linguístico” para pessoas indígenas e negras. É nesse cenário em que mergulha o livro “Racismo Linguístico e os Indígenas Gavião na Universidade: Língua como Linha de Força do Dispositivo Colonial”, de Flávia Marinho Lisbôa, capixaba que vive há 20 anos no Pará. A Amazônia Latitude resenha a obra, que discorre sobre espaços de poder e necessidade de uma transformação no meio acadêmico.
🍂 Meio ambiente
A ditadura acabou, mas os problemas deixados pela abertura da Rodovia Transamazônica, não. No sul do Amazonas, há cerca de 46 quilômetros de estrada abertos a poucos metros das atuais aldeias da Terra Indígena Tenharim/Marmelos, e outros quase cinco quilômetros cruzando a Terra Indígena Jiahui. O InfoAmazonia relembra que as comunidades resistem desde 1972 e lutam judicialmente por reparação, uma vez que os territórios indígenas são de usufruto dos povos, de acordo com a Constituição de 1988. “Os indígenas estão a todo momento na rodovia e pessoas passam armadas, xingam, ameaçam. O ideal é que esse trecho da rodovia seja fechado”, relata liderança Tenharim.
A transversalidade, tanto requerida por Marina Silva em sua passagem pelo Ministério do Meio Ambiente nas outras gestões do presidente Lula, torna-se próxima da realidade. Isso porque dez ministérios e a Advocacia Geral da União (AGU) ganharam secretarias relacionadas ao meio ambiente. “A política ambiental transversal é a inserção dos critérios ou prioridades socioambientais/ ecológicos em todas as políticas públicas, principalmente as econômicas, de produção, desenvolvimento e planejamento”, explica a pesquisadora Roberta Graf, que esboçou o conceito pela primeira vez no início dos anos 2000. O Eco lista as novas secretarias e suas funções em cada ministério.
🎧 Podcast
Para refletir e repensar a história sobre a Independência do Brasil, a peça teatral “Uma Leitura dos Búzios” traz um novo olhar sobre a Conjuração Baiana ou Revolta dos Alfaiates, levante popular que ocorreu em 1798, em Salvador, de caráter independentista, republicano e abolicionista. O Papo Preto, podcast produzido pela Alma Preta, conversa com o diretor da obra Márcio Meireles e a cantora Virgínia Rodrigues, que faz participação especial nas apresentações. “Construímos esse espetáculo a partir de um texto de Mônica Santana e nosso foco foi mostrar que se tratou de um movimento coletivo que infelizmente foi bloqueado pela Coroa portuguesa”, explica Meireles.
✊🏽 Direitos Humanos
De julho de 2016 a novembro de 2022, mil pessoas foram atingidas por balas perdidas na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, com saldo de 229 mortos e 771 feridos. Levantamento inédito do Fogo Cruzado mostra ainda que 624 dos casos foram na presença policial e o pior ano foi o de 2018, período em que o Exército esteve atuando na segurança pública. Além do evento mais cruel, os tiroteios fazem com que as crianças deixem de ir à escola, as unidades de saúde suspendam os atendimentos e os trabalhadores faltem ao serviço.