O que o Brasil quer na COP do Tabaco e o adeus de Jards Macalé
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🔸 Na semana decisiva da COP30 em Belém, o peso das ruas entrou de vez na disputa política da conferência. Enquanto as negociações formais seguem travadas em temas como financiamento climático e a “lacuna de ambição” das metas de corte de emissões, a Cúpula dos Povos reuniu 1.100 organizações e aprovou uma Declaração com 15 demandas, entre elas o fim dos combustíveis fósseis, a taxação de corporações e a denúncia das “falsas soluções de mercado”. A Sumaúma conta que o texto está léguas à esquerda das próprias práticas do governo Lula, uma coalizão instável que reúne conservadores, desenvolvimentistas e ambientalistas. A reportagem mostra como o Brasil, via presidência da COP, tenta canalizar essa pressão – projetando imagens da marcha na Zona Azul e prometendo registrar a Declaração dos Povos –, ao mesmo tempo em que coloca em consulta propostas como uma possível “decisão mutirão” para acelerar a transição longe dos fósseis e destravar recursos.
🔸 Pesquisadores consideram insuficiente a meta do governo de desmatamento ilegal zero até 2030. Para cientistas ouvidos pela InfoAmazonia na COP30, diante do cenário de emergência, o Brasil deveria ser mais ousado e ampliar suas metas. Um dos maiores especialistas em clima do país, o pesquisador e professor Carlos Nobre defende que a meta do governo deveria ser de desmatamento total zero até 2030. “Nós temos que ter um projeto de lei que proíba qualquer desmatamento em qualquer bioma brasileiro, agora e por muitas décadas, senão nós vamos passar dos pontos de não retorno desses biomas [Amazônia, Pantanal, Cerrado e Caatinga]”, afirma Nobre. Segundo ele, há uma chance de esse ponto de não retorno da Amazônia ser alcançado entre 2050 e 2070.
🔸 “O governo havia anunciado a intenção de realizar uma COP ‘sem gravata’, expressão usada para apresentar uma conferência menos cerimonial e mais adaptada ao ambiente amazônico”, escreve Daniel Camargos, em artigo na CartaCapital. Mas a estrutura ampliada, que criou áreas para a participação de lideranças indígenas, por exemplo, não bastou. “Pressões indígenas, críticas ao petróleo, greenwashing e até uma cobrança da ONU expuseram contradições da conferência. A segunda semana começa com impasses sobre financiamento, adaptação e demarcações.” Camargos afirma que o Brasil entra nesta semana pressionado em várias frentes: países pedem coerência entre discurso e prática; indígenas buscam mais demarcações e os movimentos sociais, por fim, insistem para que o governo enfrente contradições em hidrovias, petróleo e conflitos territoriais.
🔸 Outra COP começou ontem: a COP do Tabaco, um fórum global da Organização Mundial da Saúde. Semelhante à convenção sobre as Mudanças do Clima em Belém, a Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (CQCT) acontece em Genebra, na Suíça, até esta sexta-feira. O Joio e O Trigo destaca que o Brasil pretende usar a 11ª edição da conferência para conectar controle do fumo e agenda ambiental, propondo que países avaliem banir filtros de cigarros, combatam o greenwashing da indústria e criem mecanismos para cobrar dela os custos ambientais de seus produtos. A minuta da delegação brasileira sugere “medidas fiscais, taxas e outras iniciativas” para que a poluição causada por cigarros, bitucas e dispositivos eletrônicos seja paga pelas fabricantes, além de classificar resíduos do tabaco como perigosos e estabelecer protocolos de descarte.
📮 Outras histórias
Criada em 2009 pelo DJ Caê Traven, a Jamaiquintas transformou as noites de quinta em Curitiba em um espaço de resistência da cultura jamaicana, com foco em reggae, dub e sound system no Basement Cultural, no bairro São Francisco. O Plural conta que, mais que festa, o evento virou ponto de encontro de artistas locais, nacionais e internacionais, além de plataforma para pequenos empreendedores que vendem roupas, acessórios e serviços ligados à cena. “A economia solidária aqui é real. Temos desde uma marca de roupas de Joinville, cujo proprietário vem toda quinta-feira, até uma lojinha de sedas, uma massagista e outros”, afirma o DJ. A reportagem lembra ainda a história do sound system na Jamaica, mostra como a Jamaiquintas ajudou a revelar nomes da cena curitibana e acompanha a trajetória do idealizador, que vê no reggae não só “paz e amor”, mas um movimento de luta e valorização do povo negro.
📌 Investigação
Enquanto o Congresso avalia os vetos de Lula sobre o PL da Devastação, que permite a flexibilização do licenciamento ambiental em nível federal, todos os estados e o Distrito Federal já implementaram modalidades simplificadas ou autodeclaratórias, como a Licença por Adesão e Compromisso. Levantamento da Agência Lupa revela que Santa Catarina e Bahia são pioneiros na flexibilização das leis ambientais estaduais e permitem que empreendedores de determinadas atividades, de suinocultura a postos de combustíveis, consigam licença mediante uma declaração feita pela internet, sem qualquer estudo prévio. Esse tipo de autorização é um risco: no rompimento da barragem em Brumadinho, com 272 mortes, relatórios da Controladoria-Geral do Estado e do Ministério Público de Minas Gerais, por exemplo, mostraram que houve falhas graves no processo de licenciamento estadual, como informações falsas sobre as condições reais da barragem.
🍂 Meio ambiente
“Hoje nós, pesquisadores indígenas, somos como uma pequena chave que ajuda a esclarecer o que realmente está acontecendo no planeta”, afirma o pesquisador Roberval Pedrosa, do povo Tukano, integrante da Rede de Agentes Indígenas de Manejo Ambiental do Rio Negro. Há 20 anos, o projeto iniciou uma experiência pioneira ao unir conhecimento ancestral e métodos científicos para monitorar, diretamente das comunidades, os ciclos da natureza na região. A iniciativa se tornou uma pesquisa intercultural contínua e abrangente que também investiga os efeitos da crise do clima para os povos indígenas locais. A Carta Amazônia destaca que a rede, que integra ciência indígena e não indígena, forma pesquisadores, fortalece práticas tradicionais e inspira ações de adaptação climática. “Todo dia a gente escreve. Amanheceu nublado? A gente anota. Choveu? Escreve quanto tempo. Observamos as constelações, fazemos desenhos, registramos tudo. Aprendemos escrevendo”, completa Pedrosa. Parte dos resultados de duas décadas de levantamento foi reunida e apresentada na sexta edição da revista “Aru”, lançada durante a COP30.
📙 Cultura
Considerado um dos artistas mais inventivos da música brasileira, Jards Anet da Silva, conhecido como Jards Macalé, tem uma obra marcada pelo experimentalismo, pelo diálogo com o cinema e por parcerias de sucesso. Nascido em 1943 no Rio de Janeiro, iniciou sua carreira na música nos anos 1960, quando teve a primeira composição gravada por Elizeth Cardoso, e se destacou rapidamente pela postura vanguardista e pela recusa em seguir padrões comerciais, como conta o Metrópoles. Em 1969, começou a compor para Gal Costa, intérprete que eternizou a composição mais conhecida de Macalé, chamada “Vapor Barato”, feita em parceria com Waly Salomão. Sua discografia extensa marcou uma influência profunda na MPB e na vanguarda tropicalista. Jards Macalé morreu ontem, aos 82 anos, no Rio de Janeiro, onde estava internado para tratar uma enfisema pulmonar e sofreu uma parada cardíaca
🎧 Podcast
Nos anos 1970, um caso de feminicídio – que nem sequer tinha esse nome – se tornou um dos mais emblemáticos da violência de gênero no país. Raul Fernando Doca Street assassinou a namorada Ângela Diniz. Por muitos anos, o crime carregou apenas o nome do agressor, até a revisitação do caso pelo podcast “Praia dos Ossos”, em que são narrados os últimos anos de vida da vítima. Agora, a série de ficção “Ângela Diniz: Assassinada e Condenada” leva a história às telas. O “Fio da Meada”, produção da Rádio Novelo, conversa com a atriz Marjorie Estiano, que interpreta Ângela, e com a roteirista da obra, Elena Soárez, sobre os desafios da adaptação do caso. “Eu comecei estudando sobre o patriarcado porque a partir do momento que eu entendi que a Ângela era feita pelas forças contrárias, eu precisava entender o que era essa tensão”, afirma Marjorie.
🙋🏾♀️ Raça e gênero
Mulheres cientistas têm desempenhado papel central na construção do conhecimento sobre o clima. Pela primeira vez, uma Conferência do Clima destinou um pavilhão exclusivo para a ciência, com objetivo de reconhecer a importância da produção científica do Sul Global. Segundo a bióloga e pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental, Joice Nunes, há avanço na presença feminina na ciência, mas os espaços de tomada de decisão são majoritariamente masculinos. “Apesar do potencial e da formação das mulheres, ainda é preciso ampliar essa presença nos espaços de decisão.” Apenas cerca de 30% dos cargos de liderança científica são ocupados por mulheres. O Amazônia Vox reúne quatro pesquisadoras que estão nesse espaço para definir caminhos para a Amazônia e para a política climática global. Elas vão além de modelos e estatísticas: a cientista indígena Sineia do Vale, por exemplo, apresentou o “Relatório de Avaliação da Amazônia”, que mostra como saberes tradicionais e conhecimentos indígenas são essenciais para compreender e proteger o território.




