A estadia de Bolsonaro na embaixada da Hungria e a luta de Angela Davis
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🔸 O ministro Alexandre de Moraes deu 48 horas para Jair Bolsonaro explicar por que se hospedou na embaixada da Hungria, quatro dias depois de ter o passaporte apreendido pela Polícia Federal. O ex-presidente ficou na representação do país estrangeiro por dois dias, entre 12 e 14 de fevereiro, como revelou o New York Times a partir de imagens de câmeras internas de segurança do prédio. O Nexo lembra que, em embaixadas, pessoas não podem ser presas – e podem pedir asilo político. O Itamaraty convocou o embaixador da Hungria, Miklos Tamás Halmai, para explicar a permanência de Bolsonaro no local. A defesa do ex-presidente alega que ele se hospedou na embaixada para “manter contatos com autoridades do país amigo”, que é governado por Viktor Orbán, um dos principais expoentes da extrema direita na Europa.
🔸 A hospedagem aumenta a chance de Bolsonaro ser alvo de um pedido de prisão preventiva, diz o jurista Pedro Serrano, professor de Direito Constitucional. Em entrevista em vídeo na CartaCapital, ele ressalta que “uma mera visita a uma embaixada não caracteriza tentativa de fuga”. E completa: “O que chama a atenção neste caso é que ele teria permanecido dois dias lá. É um forte indício de que houve ao menos a tentativa de iniciar uma negociação para asilo político, o que caracterizaria tentativa de fuga do território nacional”.
🔸 O Supremo Tribunal Federal manteve as prisões dos três suspeitos de mandar matar a vereadora Marielle Franco, no crime que também tirou a vida do motorista Anderson Gomes, em 2018. Por ser deputado federal, Chiquinho Brazão ainda precisa ter a prisão votada pela Câmara. Ele é irmão de Domingos Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro, também preso. O terceiro suspeito é o delegado Rivaldo Barbosa. Segundo a PF, o então chefe da Polícia Civil do Rio mantinha um esquema criminoso na Delegacia de Homicídios. O Metrópoles informa que a repartição recebia mensalmente entre R$ 60 mil e R$ 80 mil para não investigar execuções relacionadas às milícias no Rio de Janeiro, além de adicionais. Num caso ligado ao bicheiro Rogério de Andrade, por exemplo, a propina chegou a R$ 300 mil.
🔸 Entre as motivações para o crime apontadas pela Polícia Federal (PF), “a mais latente é uma disputa imobiliária: os Brazão tinham interesse em fazer loteamentos na zona oeste do Rio, e Marielle se opunha ao empreendimento”, escrevem Cecília Olliveira e Tatiana Dias, no Intercept Brasil. À época, Chiquinho era vereador municipal pelo Rio e propôs na Câmara um projeto para a regularização de loteamentos na zona oeste, área de atuação de milícias e de disputa de votos. A bancada do PSOL votou contra, mas o texto foi aprovado no dia da morte de Marielle, pela qual os irmãos Brazão tinham “repugnância”, segundo as investigações.
🔸 “Se os seis vereadores do PSOL na ocasião votaram contra, por que só Marielle Franco foi condenada à morte? Do lugar de mulher negra em que vivo os meus dias, é difícil pensar que sua escolha tenha sido um acaso”, escreve Ana Carolina Araújo, na revista AzMina. A execução da vereadora seria um alerta a seus correligionários, mas o plano dos mandantes era de que não parecesse um crime político, para evitar que a Polícia Federal entrasse no caso. “Em outras palavras, o fato de ela ser uma parlamentar eleita genuinamente como os outros pesou menos na decisão do que ela ser uma mulher negra periférica, de sexualidade divergente, mãe solo, em primeiro mandato.”
🔸 Condenado por estupro, Daniel Alves deixou a prisão ontem, depois de pagar fiança de 1 milhão de euros. A mansão do ex-jogador em Barcelona, avaliada em 5 milhões de euros, teria sido usada como garantia, segundo o Portal Terra. Alves foi sentenciado a quatro anos e seis meses de prisão pelo crime de agressão sexual (o equivalente a estupro no Brasil) contra uma mulher de 23 anos, no banheiro de uma discoteca. No Le Monde Diplomatique Brasil, Helcio Herbert Neto, doutor em História Comparada, detalha porque o caso é emblemático da “sequência de violações a que as vítimas são submetidas em processos como esse”. Discute ainda os procedimentos judiciais invasivos, além da pressão e desconfiança midiáticas, a influência da popularidade de Alves, em contraste com a vulnerabilidade da vítima.
📮 Outras histórias
Uma “quadrilha” de policiais no Amazonas. Onze pessoas foram presas – um delegado, três investigadores e cinco policiais militares – em Manacapuru, a 68 quilômetros de Manaus. Encapuzados, eles abordavam pessoas suspeitas de crimes e as extorquiam, conta o Amazonas Atual. “Diversas denúncias estavam chegando por vários meios, tanto da Polícia Civil quanto da Polícia Militar, de que havia servidores da área de segurança envolvidos em casos de extorsão”, afirma o delegado da Polícia Civil do Amazonas, Bruno Fraga. No momento da prisão, os agentes usavam armamentos com numerações raspadas e veículos com placas adulteradas.
📌 Investigação
No mesmo dia em que a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado discutia um relatório favorável ao PL 5008/2023, projeto da senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS) a favor da liberação dos cigarros eletrônicos, a parlamentar postou, nos stories do Instagram, uma foto ao lado do diretor da Philip Morris Brasil. A proposta de Thronicke se vale de dados de pesquisas científicas financiadas pela indústria tabagista e vai de encontro à decisão anterior da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que manteve a proibição. O Joio e O Trigo destaca a presença do ex-senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), que aparece na imagem e atua como lobista de grandes empresas em Brasília.
🍂 Meio ambiente
Após o lançamento do projeto da Ferrogrão (EF-170), estrada de ferro planejada entre Sinop (MT) e Miritituba (PA), em 2014, as multas por crimes ambientais aumentaram 190% até 2022 (6.972) em comparação com o período entre 2005 a 2013 (2.389). Os dados são da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará. A InfoAmazonia ressalta que houve também uma mudança no tipo de infração ambiental. Até 2013, os delitos eram limitados principalmente a três categorias: desmatamento, construção de serrarias ilegais e extração de madeira. Depois, os crimes passaram a envolver o porte de motosserra e uso de trator dentro de florestas protegidas, apreensão de animais silvestres em cativeiro e uso de mercúrio e extração de ouro em garimpo ilegal.
📙 Cultura
Funk, hip-hop e símbolos das religiões afro-brasileiras convivem na peça “O Avesso da Pele”, dirigida por Beatriz Barros e interpretada pelos integrantes Alexandre Ammano, Bruno Rocha, Marcos Oli e Vitor Britto, do Coletivo Ocutá. O espetáculo, baseado no livro de mesmo nome de Jeferson Tenório, traz uma narrativa não-linear que aborda como o racismo perpassa os relacionamentos de homens negros. No Nonada, a jornalista Isabelle Rieger resenha o espetáculo e lembra que o livro de Tenório tem sido retirado de catálogos de bibliotecas escolares de diversos estados, em atos de censura de secretarias de educação.
🎧 Podcast
A propósito: “É realmente um momento ambíguo, porque fico feliz que o livro esteja chegando a mais pessoas, mas por outro lado é triste ver todas as informações falsas que têm saído nas redes e reduzindo o livro ao que ele não é”, afirma o escritor Jeferson Tenório, no “451 MHz”, produção da Quatro Cinco Um. O episódio também conversa com o professor de história e escritor Airton Souza, autor do romance “Outono de Carne Estranha”. A obra venceu o prêmio Sesc, um dos mais importantes da literatura brasileira, mas foi motivo de crise após Souza ler um trecho. O motivo era a existência de um casal homossexual.
✊🏽 Direitos humanos
“O capitalismo realmente ajudou a produzir a ideia de que o encarceramento poderia ser usado como punição. Mas se as prisões surgiram ao longo da história também podem deixar de existir. É por isso que pedimos a abolição.” A professora, filósofa, ativista e ex-Pantera Negra Angela Davis é uma das principais vozes na luta pelo abolicionismo penal no mundo, em busca de outras alternativas para a segurança pública. “Meu interesse pelo abolicionismo penal e as questões carcerárias vem da época em que eu mesma estive encarcerada.” A revista piauí conversa com Davis e destrincha o pensamento por trás da abolição carcerária, movimento que começou principalmente a partir de denúncias da violência policial.