Os bastidores do 'PL da devastação' e a remoção de um teatro em SP
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🔸 A Polícia Federal marcou para a próxima quinta-feira o depoimento de Jair Bolsonaro (PL) no inquérito que investiga seu filho, Eduardo Bolsonaro (PL-SP), por articular nos Estados Unidos sanções contra autoridades brasileiras, em especial o ministro Alexandre de Moraes. A Agência Pública mostra quem é o “cérebro” da articulação nos EUA, como disse o próprio deputado ao se referir ao influenciador Paulo Figueiredo, que é seu principal aliado na empreitada internacional. Neto de um ex-presidente da ditadura, ele é da ala mais radical do bolsonarismo e passou a frequentar o Congresso dos EUA logo após as eleições de 2022 no Brasil. Figueiredo se diz herdeiro das ideias de Olavo de Carvalho e, assim como ele, passou a oferecer cursos online voltados à formação de quadros da extrema-direita. Por aqui, ele é alvo no inquérito das fake news e foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por tentativa de golpe, com pedido de prisão preventiva.
🔸 Para ouvir: o secretário de Estado americano Marco Rubio confirmou ao Congresso que avalia aplicar a Lei Magnitsky a Moraes, que permite punições (como bloqueio de bens e proibição de entrada nos EUA) a pessoas acusadas de corrupção ou violações de direitos humanos. Embora não cite Moraes diretamente, o anúncio da política de restrição de vistos veio logo após declarações públicas de Eduardo Bolsonaro e reuniões com parlamentares americanos. O “Durma com Essa”, podcast do Nexo, explica como funciona a investida bolsonarista contra autoridades brasileiras e ouve Paulo Abrão, secretário-executivo do Washington Brazil Office e ex-secretário-executivo da Comissão Interamericana de Direitos Humano, sobre o tema. Para ele, as eventuais sanções têm valor político e simbólico, e o Brasil deve reagir com equilíbrio diplomático para evitar prejuízos nas relações bilaterais.
🔸 Em tempo: o inquérito sobre a atuação de Eduardo Bolsonaro nos EUA parte de indícios apresentados pela PGR. Ele é acusado dos crimes de coação, obstrução de Justiça e tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. O Aos Fatos detalha a denúncia apresentada pela procuradoria ao Supremo Tribunal Federal. A PGR afirma que as ações do deputado licenciado visam intimidar autoridades envolvidas no processo contra Jair Bolsonaro, réu por tentativa de golpe, e que o próprio ex-presidente estaria financiando as investidas do filho com recursos arrecadados por meio de doações.
🔸 Apesar dos alertas do Ministério do Meio Ambiente, a área política do governo, liderada por Gleisi Hoffmann (PT), ignorou os apelos para tentar barrar a tramitação do projeto de lei 2.159/2021, conhecido como “PL da devastação” por implodir a estrutura brasileira de licenciamento ambiental. A Sumaúma revela como o governo Lula colaborou, direta e indiretamente, para a aprovação do texto no Senado. Quem procurou Gleisi foi João Paulo Capobianco, braço-direito de Marina Silva que, então, viajava com Lula para a China. Capobianco apresentou à ministra da Secretaria de Relações Institucionais propostas alternativas, mas ela preferiu discutir temas de interesse de ruralistas, como os embargos do Ibama na Amazônia, e não deu espaço para o debate sobre o PL, escreve o repórter Rafael Moro Martins. Mesmo com votos contrários de parte do PT no Senado, a bancada governista foi liberada para votar como quisesse. O governo alegou ser contra o texto, mas documentos internos obtidos pela reportagem mostraram orientação favorável à aprovação com ajustes – que nunca foram feitos.
🔸 A prisão de MC Poze do Rodo ontem, no Rio de Janeiro, gerou forte reação de parlamentares negras, que denunciaram racismo e desumanização na condução do artista pela Polícia Civil do Rio. A Alma Preta conta que Poze, investigado por apologia ao crime e suposto envolvimento com o Comando Vermelho, foi detido sem oferecer resistência, mas algemado, sem camisa e descalço. “A forma como ele foi tratado diz muito sobre o que o Estado reserva para corpos negros e favelados. Não se trata de inocência ou culpa, mas de dignidade – que tanta gente ainda cisma em arrancar à força dos nossos”, afirmou Thais Ferreira, vereadora do PSOL no Rio.
📮 Outras histórias
Grafiteira, capoeirista e produtora cultural, Malu Vibe, nome artístico de Maria Luiza Lima, vem transformando os becos da Rocinha em verdadeiras galerias a céu aberto. Aos 29 anos, a cria da favela na zona sul do Rio de Janeiro afirma: “A Rocinha me fez artista”. O Fala Roça revê a trajetória da artista que começou a desenhar ainda criança, incentivada pela mãe, e encontrou no grafite uma forma de expressão, resistência e fortalecimento da identidade. Sonhava ser jornalista, inspirada por Glória Maria, mas precisou trabalhar desde os 15 anos: foi atendente de lanchonetes, operadora de telemarketing, babá e até jovem aprendiz. Foi no grafite que se encontrou. “O artista tem o poder da comunicação. Falar da Rocinha, resgatar sua história e homenagear quem construiu a favela é falar de mim.”
📌 Investigação
Enquanto a indústria do tabaco pressiona pela flexibilização de leis e se reinventa com novos produtos, que contêm quantidades cada vez maiores de nicotina, fumantes que buscam apoio profissional no SUS para parar de fumar enfrentam filas de espera e falta de medicamentos. Segundo O Joio e O Trigo, o tratamento padrão contra o tabagismo é feito por meio de grupos de apoio, com uma consulta de entrada e a indicação das sessões de palestras. No entanto, é comum que os pacientes enfrentem filas para entrar em um grupo. Já as sessões são marcadas em horário comercial, o que dificulta a adesão. Para aqueles que conseguem, é definida qual será a medicação usada – cujas opções e disponibilidade no mercado são escassas. “O médico que quer tratar tabagistas no Brasil, por um lado enfrenta cigarros eletrônicos com alta potência, quantidades de nicotina extremamente altas e, por outro, uma fraqueza de insumos porque o tratamento de tabagismo no SUS é feito a conta-gotas”, afirma o médico pneumologista Paulo Corrêa, professor da Universidade Federal de Ouro Preto.
🍂 Meio ambiente
As terras indígenas (TIs) vizinhas Sororó e Twua Apekuowera pertencem ao mesmo povo, o Suruí Aikewara. Mas apenas a primeira foi demarcada, e os reflexos são claros: enquanto a TI Sororó manteve quase toda sua vegetação nativa, a Twua Apekuowera perdeu 92% da floresta para áreas de pastagem, como revela a InfoAmazonia. “Os fazendeiros foram comprando lote por lote. Agora, não são mais assentamentos, são grandes fazendas. Hoje, ela [terra] está toda degradada, só tem pastagem”, afirma Welton Suruí, cacique da aldeia Itahy, da TI Sororó. Desde que foi iniciado o processo de demarcação, os indígenas insistem que os limites não foram corretos e pedem a inclusão do território. Em 1985, foi iniciado o trabalho de refazer o perímetro, mas a finalização não aconteceu até hoje.
📙 Cultura
Instalado há anos anos em um terreno público ocioso na região central de São Paulo, o Teatro de Contêiner Mungunzá recebeu uma notificação de despejo pela prefeitura. À Ponte os artistas falam sobre a necessidade de resistência à ordem de remoção do imóvel, que está ao lado de onde se concentrava o fluxo da Cracolândia. “É uma tristeza enorme estar passando por isso, um espaço referência para a nossa cidade, para o nosso país, que deveria ser chancelado e promovido pela própria prefeitura como um equipamento de sucesso, que caminha com as próprias pernas”, afirma Marcos Felipe, integrante da Companhia Mungunzá de Teatro, coletivo à frente do espaço cultural. “Em vez disso a prefeitura destrói esse equipamento, com toda simbologia que existe em destruir um teatro, para construir um prédio, mais um prédio na nossa cidade. E defendem que seria para a comunidade vulnerável, mas sabemos que não é. É um processo de higienização do centro.”
🎧 Podcast
“Tem que ter fascínio e curiosidade sobre a trajetória da pessoa”, afirma o jornalista e escritor Lira Neto, autor de biografias de personalidades importantes da história brasileira, como Getúlio Vargas, Castello Branco e Oswald Andrade. Atualmente, Lira Neto está produzindo a biografia do cantor, compositor e multi-instrumentista Luiz Gonzaga. As Cunhãs recebem o escritor para falar sobre o trabalho de biografar, o cenário cultural brasileiro e as transformações da política. “Enquanto nosso povo não considerar a cultura um bem altamente necessário e não como uma perfumaria, vamos sempre ter dificuldade [de valorização do setor]. Nos últimos tempos, tem um movimento anti cultura, anti intelectualismo e um certo orgulho da própria ignorância, o que é prejudicial a todo mundo que trabalha com cultura.”
💆🏽♀️ Para ler no fim de semana
Prestes a completar 75 anos, Lala Laurenti é referência em atendimento estético para mulheres trans. Seu interesse pelo setor começou a partir de sua própria transição, enfrentando o desafio da remoção dos pelos faciais. A Agência Diadorim resgata a trajetória de Lala, que atualmente trabalha de segunda a sábado na clínica que conta com o dermatologista Luiz Paulo Barbosa como responsável técnico. Entre as clientes da nova geração estão a modelo Lea T, a socialite Roberta Close, a ex-BBB Ariadna Arantes e a influencer Maya Massafera. “Trabalho como se tivesse 30 anos. Aqui é onde encontro as pessoas e faço amizade”, afirma. Neste ano, Lala recebeu o Prêmio Claudia Wonder, que reconhece o trabalho de pessoas trans em prol da população LGBTQIA+ no país.
Uma pequena correção. No segundo parágrafo, está escrito "Comissão Interamericana de Direitos Humano". Falta o "s" após "humano".