Os bastidores de Eduardo Bolsonaro nos EUA e um radar de discurso antigênero
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🔸 “Pai, você me garante que eu não vou ser preso?” Eduardo Bolsonaro fez a pergunta a Jair Bolsonaro (PL) duas semanas depois de se mudar para o Texas. Era março, e ele temia ser preso se voltasse para o Brasil. “O senhor vai obrigar meus filhos e minha mulher a me visitarem na cadeia? E quando é que eu vou sair de lá?”, completou. O pai não lhe deu nenhuma garantia. Eduardo então concluiu que a única maneira de “destruir o sistema” seria “agindo de fora para dentro”. Desde então, passou a articular com o youtuber Paulo Figueiredo uma ofensiva junto ao governo Trump. O repórter João Batista Jr. detalha na revista piauí os passos do deputado brasileiro no lobby intenso que passou a fazer nos EUA. Ele abriu portas em ao menos 47 gabinetes de congressistas republicanos e frequentou podcasts de extrema direita, como os de Steve Bannon e Tucker Carlson, repetindo a narrativa de que o Brasil vive uma “ditadura” sob Alexandre de Moraes.
🔸 O julgamento de Bolsonaro nesta semana movimentou as redes, mas sem ultrapassar as bolhas da direita e da esquerda. É o que mostra levantamento da Palver feito com exclusividade para a Agência Pública. Entre 29 de agosto e esta quarta-feira, foram cerca de 2 mil mensagens a cada 100 mil grupos no WhatsApp e 5 mil no Telegram. Apesar do alto volume, o cofundador da Palver, Luis Fakhouri, afirma que o “linguajar jurídico” limitou o alcance. Ele explica que “essas mensagens ficaram restritas ao debate dos grupos bolsonaristas, ao debate dos grupos de esquerda”, e não viralizaram entre o público geral. A narrativa bolsonarista predominou: 68% das menções foram contrárias à condenação, contra 23% favoráveis. Enquanto a esquerda defende a democracia, a direita mantém a linha de perseguição ao ex-presidente. O julgamento também é citado para impulsionar a “convocação para manifestações em defesa do ex-presidente”, marcadas para domingo, 7 de setembro.
🔸 A propósito: a Abin vai instalar um Centro de Inteligência para monitorar o 7 de setembro. A estrutura funcionará em Brasília e terá como foco identificar ameaças e incidentes que possam afetar direitos fundamentais ou a segurança de autoridades e participantes. O Congresso em Foco explica que também haverá atuação das superintendências estaduais, responsáveis por monitorar as celebrações em suas capitais e repassar informações ao Centro de Inteligência. O discurso da busca por anistia deve marcar os eventos de apoiadores de Bolsonaro.
🔸 Falando em anistia… Líder do PL na Câmara, o deputado Sóstenes Cavalcante articula um novo projeto de lei que prevê anistia ampla para todos os investigados, processados ou condenados a partir de 14 de março de 2019 – data em que foi instaurado o inquérito das fake news no Supremo Tribunal Federal, ainda no início do governo Bolsonaro. A CartaCapital teve acesso à proposta, ainda não protocolada, e conta que o texto busca anular, além de sentenças criminais, multas, indenizações, medidas cautelares e, principalmente, as inelegibilidades determinadas pela Justiça Eleitoral. O projeto inclui de forma explícita os acampamentos realizados diante de quartéis e os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 ao estender a anistia aos condenados pelos ataques contra as sedes dos Três Poderes, em Brasília.
🔸 Lula, por sua vez, tenta mobilizar apoiadores contra a anistia. Em encontro com ativistas em Belo Horizonte, o presidente disse ver o risco de o Congresso aprovar um projeto sobre o tema, informa o Notícia Preta. “O Congresso, vocês sabem, não é um Congresso eleito pela periferia. O Congresso tem ajudado o governo, o governo aprovou quase tudo o que o governo queria, mas a extrema direita tem muita força ainda. É uma batalha que tem que ser feita também pelo povo”, disse Lula.
🔸 O avanço da anistia, aliás, não tem relação com a inelegibilidade de Bolsonaro, definida por duas condenações no TSE com base na Lei da Ficha Limpa. O Correio Sabiá destaca que, mesmo que o Congresso aprove uma anistia pelos atos de 8 de janeiro de 2023, a medida não tornaria Bolsonaro apto a disputar a Presidência em 2026. E, em caso de a proposta passar, a anistia seria vetada por Lula e provavelmente considerada inconstitucional pelo STF. Apoiada pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e considerada difícil de barrar pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), a anistia tem mais peso político do que jurídico. Para especialistas, trata-se de sinalizar lealdade ao eleitorado bolsonarista e disputar quem herdará seus votos.
📮 Outras histórias
Disputada no Pacaembu, a final da Taça das Favelas recebeu torcedores vindos de todas as partes de São Paulo – Guarulhos, Brasilândia, Cidade Tiradentes, Vila São José, entre outras – que transformaram o estádio numa festa popular, com batuques, fogos, bandeiras e vibração antes mesmo de a bola rolar. A Periferia em Movimento relata como foi a final, no último sábado, entre a Favela da 13, de Guarulhos, e a Vila São José. Com uma torcida que mistura gerações, a partida mostrou que o futebol de várzea é mais do que esporte: é um espaço de pertencimento, onde se projeta o orgulho da comunidade e se vive intensamente o que não aparece nos campeonatos milionários.
📌 Investigação
Humor depreciativo, mobilização do medo, ameaças e teorias da conspiração são algumas das estratégias de discurso antigênero – forma de atacar ou desacreditar pessoas, direitos e políticas relacionadas a gênero e sexualidade –, com impacto direto na vida de mulheres e da população LGBTQIA+. O “Radar Antigênero”, ferramenta da Gênero e Número em parceria com a Novelo Data, analisou 5.332 vídeos publicados entre janeiro de 2018 e agosto de 2025 no YouTube sobre essa temática.O resultado revela que 65% dos conteúdos defendem papéis tradicionais de gênero, 25% trazem mensagens antifeministas e 20% acionam argumentos ligados à moralidade. Apenas no último mês, foram identificados 586 vídeos com discurso antigênero.
🍂 Meio ambiente
O sapinho-admirável-de-barriga-vermelha pode ser reconhecido como patrimônio genético do Rio Grande do Sul, a partir de um projeto de lei que tramita na Assembleia Legislativa do estado. Segundo o Colabora, essa espécie de linhagem milenar vive em um pequeno trecho de Mata Atlântica no estado e está ameaçada pelo avanço do agronegócio e pelos eventos climáticos extremos. “Até pouco tempo atrás, quando a gente avaliava os riscos da espécie, não conseguíamos encaixar mudanças climáticas de maneira evidente. E agora vemos que aquelas chuvas [de 2024] afetaram a área que a espécie ocorre”, afirma Márcio Borges-Martins, professor e pesquisador Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) que estuda o anfíbio desde 2010. Outros fatores de risco para o animal são a biopirataria e seu habitat ser fora das áreas de unidades de conservação. A espécie é classificada como criticamente em perigo, maior categoria de risco de extinção. A estimativa é de que existam entre mil e dois mil sapinhos na natureza.
📙 Cultura
“Se a gente não falar de economia cultural e criativa, vamos continuar vendo os recursos sendo distribuídos de forma centralizada, sem equidade, sem justiça social”, afirma Daniele Canedo, coordenadora do Observatório de Economia Criativa (Obec-BA). Em parceria com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a organização desenvolveu a pesquisa “Patrimônio Cultural, Economia e Sustentabilidade”, que analisou 12 bens materiais e imateriais de oito estados brasileiros em suas esferas econômicas. O Nonada ressalta a importância de olhar para os fatores que envolvem a economia do patrimônio cultural para a formulação de políticas públicas e profissionalização dos atores envolvidos. “A pesquisa também é importante para que se fale sobre as dificuldades financeiras de quem trabalha no setor. Se fosse pra viver do samba de roda, a gente morreria de fome, porque não dá. A gente faz por amor, porque a gente quer ver acontecer”, relata Alexnaldo dos Santos, coordenador financeiro da Associação dos Sambadores e Sambadeiras do Estado da Bahia (Asseba).
🎧 Podcast
Durante o ciclo da borracha na Amazônia, entre o fim do século 19 e início do 20, indígenas Puyanawa, do Acre, foram escravizados e privados de suas vestimentas tradicionais, língua e rituais. A retomada da ancestralidade e da cultura Puyanawa levou décadas para acontecer. Em 2010, durante um Fórum Indígena, oito meninas do povo manifestaram os mesmos sintomas: gritavam, convulsionavam e corriam – quase sempre em direção à água. Acostumados com a presença evangélica, os indígenas tentaram rituais de expulsão de demônios, mas não resolveram. O “Rádio Novelo Apresenta”, produção da Rádio Novelo, narra como o episódio se tornou um chamado para que os Puyanawa retornassem às suas tradições ancestrais e se reconectassem com suas origens e com a natureza.
💆🏽♀️ Para ler no fim de semana
“Na minha época, sair da aldeia significava enfrentar críticas da comunidade, já que, tradicionalmente, nós, meninas Krahôs, somos criadas para casar e constituir família. No entanto, eu não segui essa regra. Escolhi trilhar o caminho da academia em busca de conhecimentos não indígenas”, afirma Letícia Jôkahkwyj Krahô, historiadora e doutora em Antropologia pela Universidade Federal de Goiás. A jovem é uma liderança Krahô que coordena a escola da Aldeia Sol, na Terra Indígena Kraolândia, em Tocantins, e atua para a valorização dos conhecimentos tradicionais em diálogo com a educação não indígena. Em depoimento ao Conversation Brasil, a pesquisadora compartilha sua trajetória acadêmica. “Nós, os mehî, levamos mais tempo para compreender certas palavras, sinais gráficos, símbolos e siglas presentes nas formas de comunicação tradicionais dos não indígenas. Em nossas comunidades, aprendemos a reconhecer objetos que também são símbolos.”