Os avanços no caso Marielle e a queda na produção científica do país
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🔸Um novo capítulo na investigação do caso Marielle Franco foi aberto ontem. Em delação premiada à Polícia Federal (PL), o ex-PM Élcio de Queiroz confessou sua participação no brutal assassinato da vereadora carioca, em 14 de março de 2018, numa emboscada que também tirou a vida de seu morotista, Anderson Gomes. Élcio também confirmou que Ronnie Lessa, preso desde 2019, bem como ele próprio, foi quem efetuou os disparos. A piauí destaca que, na delação, o ex-PM ainda revelou que no final de 2017 houve uma primeira tentativa de assassinar Marielle, detalhou a origem da submetralhadora usada no crime e o percurso desde o condomínio Vivendas da Barra, na Barra da Tijuca, de onde partiu o Cobalt com Ronnie Lessa, até a Casa das Pretas, na Lapa, onde a vereadora fazia um encontro com mulheres negras. Segundo o ministro da Justiça, Flávio Dino, a delação encerra a investigação sobre os autores do crime. Uma pergunta, porém, segue sem resposta: quem mandou matar Marielle?
🔸 A delação de Élcio de Queiroz levou à prisão do ex-bombeiro Maxwell Simões Corrêa, o Suel, que também teria participado do planejamento do crime. O Metrópoles conta que ele já havia sido preso em 2022, por integrar uma organização criminosa de jogos de azar no Rio de Janeiro. Seu sócio no negócio era Ronnie Lessa. Suel cedeu seu próprio carro como esconderijo para o armamento usado no crime contra a vereadora, que depois foi descartado no mar. Outra revelação feita pelo ex-PM diz respeito ao intermediário do crime, informa a CartaCapital. Segundo Élcio, o responsável por apresentar o mandante do assassinato a Lessa foi o sargento da Polícia Militar Edimilson Oliveira da Silva, conhecido como Macalé, executado em 2021 na zona oeste do Rio.
🔸 Hoje é Dia da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha, data instituída em 1992 quando mulheres se reuniram na República Dominicana para denunciar o racismo e o machismo. Daquele encontro, surgiu a Rede de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-Caribenhas, que tem hoje Caren Paola Yañez Inofuentes como coordenadora geral. Em entrevista à revista Afirmativa, ela explora os desafios da região e a importância das organizações de mulheres negras. “Somos nós que enfrentamos o racismo sem hierarquizar as opressões, que refletimos sobre democracia, direitos, bem viver, estado multinacional. É o amplo movimento de mulheres negras que é a força do movimento negro. É da América Latina que pensamos, refletimos, sentimos e projetamos um mundo com justiça social e racial”, afirma.
🔸 Em 14 anos, a presença de mulheres negras nos dez cursos universitários mais procurados pelo Programa Universidade para Todos (ProUni) mais do que dobrou. É o que revela levantamento inédito feito pela Gênero e Número e pela Agência Pública. Os dados foram obtidos a partir de informações sobre gênero e raça das matrículas entre 2006 e 2020, tanto de bolsas integrais quanto parciais, concedidas pelo ProUni. A participação de nordestinas e nortistas negras no ProUni também aumentou no período – um crescimento de 233% no acesso a bolsas por mulheres negras do Norte e de 216% no Nordeste.
🔸 Goleada na estreia. A seleção brasileira fez quatro gols contra o Panamá ontem, em sua primeira partida da Copa do Mundo de futebol feminino. O grande nome do jogo foi Ary Borges, de 23 anos. A meio-campista marcou três gols e fez assistência para a atacante Bia Zaneratto completar o placar. O Notícia Preta detalha a partida e lembra que a goleada faz o Brasil manter sua marca de estreias positivas na Copa – o país nunca perdeu o primeiro jogo da competição.
🔸 A propósito: a newsletter do Nós, Mulheres da Periferia reúne uma série de conteúdos sobre os desafios e os dribles que as atletas deram para conquistar espaço num meio historicamente dominado por homens. A história de Ary Borges, aliás, está entre os destaques.
📮 Outras histórias
O Parque Farroupilha, ou da Redenção, já é tombado como patrimônio histórico e cultural de Porto Alegre desde 1997. Agora, integrantes do coletivo Preserva Redenção reivindicam o tombamento em nível nacional. Eles temem que o parque seja alterado ou descaracterizado a partir de mudanças de legislação no âmbito municipal. Segundo o Sul21, o coletivo alega que o prefeito Sebastião Melo (MDB) tem planos para conceder a gestão da Redenção para a iniciativa privada por até 35 anos, o que permitiria intervenções de impacto paisagístico, ambiental e cultural. Um parecer elaborado a pedido do coletivo pelo professor Carlos Fernando de Moura Delphim, idealizador do conceito de jardim histórico no Brasil, mostra que a Redenção já teve sua área reduzida. Originalmente, o parque tinha 69 hectares – e hoje são 37,51 hectares.
📌 Investigação
Pela primeira vez, o número de produções científicas no país caiu desde que os dados começaram a ser reunidos, em 1996. A publicação de artigos diminuiu 7,4% em 2022, em comparação a 2021, segundo levantamento da Agência Bori, realizado em parceria com a Elsevier, organização especializada em conteúdo científico. No período, o trabalho produzido em nível mundial cresceu 6,1%. O decréscimo foi observado em 23 países. A queda na quantidade de materiais da ciência brasileira, porém, assemelha-se à da Ucrânia, que está em guerra desde janeiro do ano passado. Com exceção da Universidade Federal de Santa Maria, todas as instituições de pesquisa do país sofreram redução importante na produção.
🍂 Meio ambiente
Maior ilha fluvial do mundo, a Ilha do Bananal, localizada no sudoeste do Tocantins, na divisa com Mato Grosso e Goiás, está ameaçada. Estudos do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), em parceria com o MapBiomas, mostram que, nas últimas quatro décadas, os dois rios – Araguaia e Javaés – que configuram o local vêm secando e que o Bananal – território cortado por vários outros rios e naturalmente alagado no período chuvoso – já perdeu cerca de um terço da água em seu interior. O Eco ouve especialistas e explica que as causas são multifatoriais, como queimadas, desmatamento, assoreamento e avanço da pecuária.
Apesar de os biocombustíveis serem apontados como alternativas sustentáveis à matriz energética dos combustíveis fósseis, altamente poluentes e agravantes da crise climática, o etanol de milho tem inúmeros impactos socioambientais em sua cadeia produtiva, como aberturas de novas áreas, desmatamento, contaminação das águas e do solo, redução de áreas de produção de alimentos e ameaças aos povos tradicionais. O Joio e O Trigo conta que o setor foi impulsionado pelo mercado financeiro e cresceu 800% em cinco anos.
📙 Cultura
Filmes com pelo menos uma diretora possuem uma equipe feminina maior, segundo o relatório anual “The Celluloid Celing”, que investiga a empregabilidade de mulheres na indústria cinematográfica. É o caso de “Barbie”, de Greta Gerwig, que estreou nos cinemas na semana passada e tem causado alvoroço nas redes sociais. Em artigo ao Projeto Colabora, a jornalista Júlia Pessôa avalia que as reações machistas ao longa acabaram por reforçar o próprio roteiro, que debocha de estereótipos da masculinidade frágil e de privilégios patriarcais. “Nada do que se vê no capitalismo é espontâneo, muito menos a nostalgia da Barbie. O que aconteceu de fato espontaneamente foi a transição de gênero do filme, de uma comédia ficcional para documentário.”
Artista e líder religiosa, a Mãe Beth de Oxum foi reconhecida como Patrimônio Vivo do estado de Pernambuco, no ano passado. Ela mantém há 25 anos a tradicional manifestação artística do Coco de Roda, ao lado do marido, o percussionista Mestre Quinho Caetés, no Coco de Umbigada, no bairro de Guadalupe, em Olinda (PE). A Agência Pública perfila a Ialorixá, que participou da criação do primeiro grupo de Maracatu exclusivamente feminino da cidade, em 1983. Até então, mulheres não eram ensinadas a tocar as alfaias – tambores de madeira tradicionalmente utilizados em ritmos como o maracatu e o coco. “Éramos mulheres de diferentes terreiros que, aos poucos, fomos nos apropriando desse conhecimento que diziam ser proibido. Era uma revolução silenciosa”, lembra Mãe Beth.
🎧 Podcast
Embora o futebol seja frequentemente um espaço pouco acolhedor para pessoas LGBTQIA+, Jaqueline atravessou o processo de transição de identidade de gênero aos 40 anos e conseguiu manter sua paixão pelo esporte e atuar no mesmo time de várzea que jogava, o União Lapa, de São Paulo. No “Dissidentes”, produção da Rádio Guarda-Chuva, ela conta como passou a se entender enquanto uma mulher trans e como foi entrar em campo antes e depois desse processo.
🙋🏾♀️ Raça e gênero
“Sobrevivemos e vivemos porque sonhamos e construímos outras possibilidades de mundo”, escreve a jornalista e ativista Thais Folego, em coluna na revista AzMina. Ela explica que compreendeu a resistência e a permanência – apesar de todas as políticas de extermínio – de mulheres negras no país a partir do “bem viver”, um conceito nomeado por indígenas do continente americano, mas que pode ser encontrado na prática também entre povos africanos. Essa visão de mundo de comunidades tradicionais traz uma concepção de organização social baseada na coletividade e no cuidado com o outro. “Todo dia 25 de julho, tomamos as ruas do centro da maior metrópole do hemisfério sul para reivindicar condições de vida dignas. É luta política e momento de grande afeto”, completa.