O avanço da Petrobras na Foz do Amazonas e os grevistas do setor cultural
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🔸 O Ibama aprovou uma das últimas etapas do licenciamento para que a Petrobras possa perfurar um poço no bloco 59 da Foz do Amazonas. A decisão foi anunciada na segunda à noite e vai contra parecer técnico assinado por 29 servidores do órgão, que alertaram sobre riscos ambientais e dificuldades logísticas na região. Presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho assinou o documento que aprova o Plano de Proteção à Fauna Oleada – proposta de socorro a aves e animais marinhos apresentada pela Petrobras. Agora, só falta um teste prático: a simulação, pela estatal, da resposta a um acidente com vazamento de petróleo. A Sumaúma teve acesso ao documento e detalha a decisão do Ibama. No texto, Agostinho alega que “a forma mais efetiva de se sanar as incertezas levantadas” pelos técnicos “é através da realização” do teste prático.
🔸 Servidores do Ibama criticaram duramente a decisão, classificando-a como política e um “grave retrocesso institucional”. A CartaCapital informa que, em nota, a associação da carreira de especialistas em meio ambiente, Ascema, condenou a atitude do presidente do Ibama, mesmo após parecer técnico apontar falhas no plano de emergência da estatal. Rodrigo Agostinho, aliás, pode estar em seus últimos dias à frente do Ibama. O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), pressiona pela sua demissão. A possível saída se dá no contexto de preparação do leilão de 47 blocos da Foz do Amazonas, marcado para 17 de junho.
🔸 A propósito: a decisão do Ibama ocorre no momento em que avança o “pacote da destruição”, como ficou conhecido o projeto de lei 2.159, de 2021. Parada havia anos no Senado, a proposta foi aprovada ontem pela Comissão de Meio Ambiente da Casa, e a votação em plenário está na pauta de hoje. O texto não só flexibiliza normas de licenciamento, como também permite o autolicenciamento para empreendimentos de médio impacto. A InfoAmazonia destaca que, segundo nota do Instituto Socioambiental (ISA), se aprovado, o texto pode retirar a exigência de estudos de impacto ambiental para mais de 3 mil áreas protegidas – entre elas, 259 terras indígenas, 1,5 mil territórios quilombolas e 1.195 unidades de conservação. “Mexer no licenciamento ambiental é mexer em toda a base de sustentação ecológica do país. Ao enfraquecer esse instrumento, o Brasil estará pavimentando o caminho para mais desastres socioambientais, perda de vidas e o agravamento da crise climática”, avalia Antonio Oviedo, um dos autores da nota do ISA.
🔸 Nos últimos dois anos, 27 indígenas do povo Pataxó foram mortos no sul da Bahia. Foram vítimas de conflitos fundiários na região, sobretudo nas ações pacíficas pela retomada de territórios tradicionalmente seus, mas que foram usurpados ao longo do tempo por fazendeiros e ocupações não indígenas. “A violência nos atinge diretamente e não para. Desde que eu nasci e me entendi por gente, a violência já estava presente”, conta José Mucugê Pereira Conceição, 63 anos, avô do adolescente Gustavo da Silva Conceição, morto aos 14 anos na Aldeia Vale Verde, extremo sul baiano. A Ponte mostra que não só pistoleiros, mas também policiais têm envolvimento com os casos. Enquanto os indígenas costumam avisar os ocupantes das terras e dar tempo para que retirem seus pertences, a polícia da Bahia trata as retomadas como ações criminosas, acusando lideranças de integrar facções armadas – sem apresentar provas. Nos inquéritos, delegados e promotores usam termos como “supostos indígenas”, mas deixam de fora o caráter político e social das retomadas.
🔸 No território indígena mais invadido por garimpos na Amazônia, a violência também está sempre à espreita. Nas duas últimas semanas, o governo começou a desintrusão da terra Kayapó, no Sul do Pará. “Claro que eles [os garimpeiros] vão ficar insatisfeitos e vão buscar algum culpado”, afirma O-é Kaiapó Paiakan, primeira mulher indígena a assumir o cargo de coordenadora da regional da Funai no território Kayapó. A área onde ela cresceu tem 3,2 mil hectares e abriga 6,3 mil indígenas. Em entrevista à Repórter Brasil, ela conta que a TI está invadida por facções criminosas associadas ao garimpo ilegal, que levam drogas, prostituição e violência para dentro das aldeias. O-é comemora a atual operação de desintrusão do governo, mas ressalta que só isso não basta: “É preciso o fortalecimento das políticas públicas dos governos federal, estadual e municipal e a conscientização desses gestores sobre a importância do povo indígena”.
📮 Outras histórias
Os moradores de Fortaleza elegeram o forró e as festas juninas como suas manifestações culturais preferidas. É o que mostra a Cultura nas Capitais, maior pesquisa quantitativa sobre hábitos culturais realizada no Brasil. A Eco Nordeste destrincha o estudo e mostra que há um forte interesse dos fortalezenses pela cultura, embora ainda existam obstáculos no acesso e na consolidação de referências culturais na cidade. Na pesquisa, 44% dos entrevistados não souberam citar um espaço cultural que frequentam com regularidade, o que indica um desafio simbólico e de engajamento. Em termos musicais, o forró lidera a preferência com 39%, seguido por gospel (28%) e sertanejo (27%). Já o baião de dois é unânime: foi o prato mais citado como símbolo da identidade gastronômica local.
📌 Investigação
Anunciantes no Facebook vendem deepfakes para manipular falas de uma gravação original. Por valores a partir de R$80, é possível comprar, por exemplo, um vídeo adulterado de um médico famoso para elogiar um determinado suplemento alimentar. Há também a opção de criar um indivíduo do zero – apenas um avatar de inteligência artificial sem estar associado a uma pessoa real. A Lupa identificou ao menos três anunciantes que promovem o serviço de manipulação, com o objetivo de que vendedores de qualquer tipo possam ter acesso a anúncios de um produto através de um conteúdo falso. Além de não existir qualquer marcador nas plataformas de que é um vídeo gerado por IA, as vendas são oferecidas por meio de propagandas pagas, ou seja, em última instância, a Meta também lucra com a veiculação desses serviços.
🍂 Meio ambiente
Com 65 metros de altura e 5,5 metros de circunferência, o jequitibá-rosa encontrado por pesquisadores na Reserva Biológica da Mata Escura, no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, é o maior da espécie ainda em pé no país. Unidade de conservação de proteção integral, a reserva ocupa uma área de cerca de 50 mil hectares, em uma zona de transição entre o Cerrado e a Mata Atlântica, e tem mil espécies de fauna e flora registradas. O Projeto Preserva informa que a descoberta do maior jequitibá-rosa no local foi feita durante uma expedição de monitoramento de fauna e flora, liderada pelo professor da Universidade Federal de Viçosa, Fabiano Rodrigues de Melo. “Se a gente não tivesse criado a reserva, aquela área poderia hoje estar bem desmatada. São vales profundos, a travessia do rio era de balsa e isso ajuda a explicar porque aquela mata ficou tanto tempo sem ser desmatada.”
📙 Cultura
Depois de quase um mês de greve, servidores do setor cultural fizeram uma manifestação ontem na reinauguração do Palácio Gustavo Capanema, no Rio de Janeiro, onde estavam o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e a ministra da Cultura, Margareth Menezes, para a entrega da Ordem do Mérito Cultural. A premiação, que não acontecia desde 2019, reconheceu 111 personalidades brasileiras e 14 instituições, uma das distinções mais importantes do setor cultural no país. Segundo o Farofafá, os grevistas, que fazem parte da Funarte, Biblioteca Nacional, Iphan, Ibram, Fundação Palmares e outras de 12 estados e do Distrito Federal, ligados ao MinC, tem como principal reivindicação a falta de um plano de carreira para os servidores da cultura. Como reflexo da mobilização, a Agência Nacional de Cinema (Ancine) não teve expediente em sua sede, em frente ao palácio.
🎧 Podcast
Cem anos depois da publicação de “Mrs Dalloway”, o mais conhecido romance da escritora inglesa Virginia Woolf (1882-1941), chegam novas traduções de suas obras ao Brasil: a escritora Sofia Nestrovski traduziu “Um Quarto Só Para Mim” e o poeta Leonardo Fróes, “Ensaios Seletos”. No “451 MHz”, produção da Quatro Cinco Um, os dois tradutores falam do processo de traduzir a prosa revolucionária da autora britânica e da atualidade de seus escritos. “Ela é capaz de fazer coisas que eu traduzindo tinha que parar e me afastar do computador porque estava em choque com o que ela faz com as palavras”, afirma Nestrovski. Já Fróes destaca o papel de Woolf na exaltação de figuras femininas: “Ela faz uma espécie de arqueologia literária, ressuscitando muitas mulheres escritoras do passado que tinham caído no oblívio, no esquecimento total”.
🙋🏾♀️ Raça e gênero
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu abrir um processo administrativo disciplinar contra a juíza Maria Socorro de Souza Afonso da Silva, da Vara da Infância e Juventude de Goiânia, e contra a desembargadora Doraci Lamar Rosa da Silva Andrade, do Tribunal de Justiça de Goiás, por terem negado o aborto legal a uma menina de 13 anos, vítima de estupro. Segundo o Catarinas, a juíza foi afastada até a conclusão do processo. Já a desembargadora responde sem afastamento. Apesar dos obstáculos judiciais, a mobilização social sobre o caso conseguiu assegurar o direito à adolescente. “Para nós, daqui de Goiás, é uma grande vitória. Foi uma peleja danada para garantir o direito da menina. A decisão do CNJ é uma grande conquista porque não aceitamos mais violências contra crianças, muito menos violências institucionais decorrentes de sentenças de juízas e magistradas”, afirma a psicóloga Cida Alves, coordenadora do bloco feminista Não é Não.