O avanço da PEC do aborto na Câmara e os jovens negros na ditadura
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🔸 A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou a PEC que proíbe o aborto no Brasil. A sessão foi marcada por tumulto: manifestantes contrários à Proposta de Emenda à Constituição foram expulsos pela deputada Caroline de Toni (PL-SC), enquanto Simone Marquetto (MDB-SP) puxou uma “ave maria” em coro com Chris Tonietto (PL-RJ), descreve o Congresso em Foco. O placar terminou em 35 votos a favor e 15 contra o texto, informa a CartaCapital. Ainda é preciso o aval de uma comissão especial, antes de o projeto seguir para o Plenário. De autoria de Eduardo Cunha, a PEC é considerada inconstitucional por alguns parlamentares. “Ao proibir o aborto em quaisquer circunstâncias, esse texto é incompatível com os direitos fundamentais e com os princípios da dignidade da pessoa humana”, afirmou o deputado Bacelar (PV-BA).
🔸 “Eu só consigo ver como misoginia. Eu já tentei dar outras explicações, mas isso é um lugar de ódio ao corpo feminino. A discussão sobre o aborto não é sobre a vida como os pró-vida colocam. Ela é sobre o ódio às mulheres.” A diretora Elisa Capai precisou fazer um aborto em 2020, depois de receber o diagnóstico de que o feto tinha uma má-formação que impossibilitava sua vida fora do útero. Ela narra a jornada no documentário “Incompatível com A Vida”, que reúne relatos de outras mulheres em situação semelhante. Também criou um site com informações, canais de acolhimento, e um passo a passo para quem busca judicializar um pedido de aborto no Brasil. Em entrevista à revista AzMina, ela diz que sempre teve certeza de que jamais iria abortar. “Eu diria que nunca a gente tem controle, que nenhum aborto é desejado. Ninguém quer abortar.”
🔸 O inverno na Amazônia costuma começar em outubro, com chuvas – o que quase não aconteceu. Como o Oceano Atlântico Tropical Norte está muito aquecido, as chuvas no bioma estão muito abaixo do normal para o período, explica Leonardo Vergasta, meteorologista e pesquisador da Universidade do Amazonas (UEA). A escassez hídrica de setembro se manteve em outubro e seguiu em novembro, informa o Amazonas Atual. “Para que os níveis dos rios dentro da região amazônica voltem ao seu padrão de normalidade é preciso que chova em janeiro do próximo ano. Por enquanto, os 62 municípios do Estado do Amazonas se encontram em condições de emergência, devido à seca”, afirma o meteorologista.
🔸 A propósito: a Amazônia teve temperaturas máximas até 5,1ºC acima da média dos últimos 30 anos, entre janeiro e outubro. A InfoAmazonia analisa os dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) e explica que o aumento – uma “anomalia”, segundo especialistas – se deve ao El Niño, a mudanças climáticas globais e a fatores locais, como desmatamento e expansão agrícola. Para os trabalhadores da região, os efeitos são severos. A técnica de enfermagem Maria do Socorro de Oliveira, que faz atendimentos numa “ambulancha” na ilha de Cotijuba (PA), conta que uma das ocorrências mais comuns é a queda de pessoas que trabalham na colheita de açaí, escalando as árvores. Na zona urbana, o problema é outro: “Quase todo dia a gente atende esses casos. São idosos que precisam andar no calor e, quando vê, desmaiam”.
📮 Outras histórias
“A gente não vê só o paciente. A saúde está condicionada a vários fatores, como o ambiente em que ele vive e o apoio da família. Quando estamos na casa da pessoa, conseguimos ver esses fatores e melhorar o tratamento.” O relato de Alexandre Mendes, 48 anos, agente comunitário de saúde, resume bem o trabalho que aproxima o Sistema Único de Saúde (SUS) das favelas. Na Rocinha, na zona sul do Rio de Janeiro, 640 moradores recebem visitas domiciliares de agentes de saúde, conta o Fala Roça. “Nós somos o elo entre o atendimento e a comunidade. Conhecemos bem a realidade local, o que facilita o acesso às casas, mas isso não significa que seja sempre fácil”, diz Mendes. Ele explica ainda que o vínculo com o paciente se constrói aos poucos, e a proximidade permite identificar demandas que podem não aparecer numa consulta tradicional.
📌 Investigação
Para “libertar famílias do progressismo”, a produtora ultraconservadora Brasil Paralelo lançou um programa de membros que financia escolas e instituições filantrópicas para exibirem os “documentários” e cursos para os alunos. São “mecenas” que pagam valores superiores a R$ 1.000. O Intercept Brasil obteve mensagens e vídeos das informações repassadas aos membros e revela como funciona essa economia paralela, que aumenta o domínio da produtora em instituições de ensino e a base de assinantes com um discurso de caridade.
🍂 Meio ambiente
“Eu sou contra a exploração de petróleo porque ela ameaça o território e a história do meu povo”, escreve a ativista e comunicadora indígena Luene Karipuna. Violentada na infância, a jovem encontrou no ativismo contra a devastação socioambiental uma razão para viver e é uma das principais lideranças indígenas na luta contra a exploração de combustível fóssil na foz do Amazonas. Na Sumaúma, Luene revisita sua trajetória e entrelaça seus traumas do passado às dores do presente – entre as várias ameaças que sofre diariamente por defender a Amazônia. “Tenho a certeza de que essas violações contra os nossos direitos e os nossos corpos serão constantes, pois o branco não consegue olhar para o território e enxergar algo além de mercadorias.”
📙 Cultura
Em áudio: revolucionários e clandestinos, os jovens negros que enfrentaram a ditadura normalmente ficam fora dos livros de história e das obras sobre o período. No “Chumbo e Soul”, audiolivro da Rádio Novelo, o jornalista, roteirista e escritor carioca Gilberto Porcidonio narra os “anos de chumbo” do ponto de vista da população negra no país e mostra como a música está interligada a essa resistência. Entre remoções e prisões, os bailes black reuniam uma ideia que o regime combatia: a beleza, a emancipação e o poder que emanavam do povo preto – uma consciência que contrariava o mito da “democracia racial” que os militares defendiam.
🎧 Podcast
Reconhecido por lei como manifestação cultural brasileira desde outubro, o Sairé é uma das festas mais antigas da Amazônia, com mais de 300 anos de história. O festejo começou como ritual indígena do povo Borari, população que vive às margens dos rios Tapajós e Maró-Arapiuns, no oeste do Pará, e incorporou elementos das culturas africanas, além de influências dos jesuítas da região. O “Cirandeiras”, produção da Rádio Guarda-Chuva, conversa com dona Augusta Pontes, de 93 anos, uma das matriarcas do Sairé. Ela fala sobre as festas de que participou e sobre as mudanças e perdas de algumas tradições.
✊🏽 Direitos humanos
“Ser indígena no meu estado é ser vista como selvagem, sem dignidade. A sociedade nos marginaliza de tal forma que, muitas vezes, nem nos reconhece como indígenas. Por ser LGBTQIA+, essa invisibilidade se agrava, já que em Roraima as discussões sobre direitos LGBTQIA+ são associadas a uma agenda política conservadora”, afirma Lilith Cairú, cineasta e militante indígena de Roraima, é mulher trans da etnia Wapichana. A Agência Diadorim detalha como a intersecção entre orientação sexual, identidade de gênero e etnia pode impactar a saúde mental indígena — população que registra alto índice de suicídio entre jovens.