O aumento dos conflitos no campo e os esquemas de grilagem na Amazônia
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🔸 Em 2023, o Brasil registrou o maior número de conflitos no campo desde 1985. Foram ao todo 2.203 conflitos, dos quais 78% estão relacionados a disputas por terras. Grileiros e empresários lideram as agressões, mas as violências causadas por agentes do governo mais do que dobraram com relação a 2022. O levantamento, divulgado ontem pela Comissão Pastoral da Terra, é uma das únicas bases de dados do tipo no país. A Agência Pública detalha e organiza em gráficos os números do relatório. O estado que mais concentrou conflitos foi a Bahia, seguida do Pará e do Maranhão. Embora de forma geral os assassinatos nos confrontos tenham sofrido uma queda, o número de mulheres mortas em disputas no campo aumentou 16%. Um dos casos mais emblemáticos foi a execução de Mãe Bernadete, líder quilombola morta a tiros na Bahia, em agosto do ano passado.
🔸 Maior mobilização indígena do país, o Acampamento Terra Livre (ATL) começou ontem, em Brasília. O encontro reúne indígenas de diferentes etnias para debater direitos e políticas públicas. Sua origem remonta a 2004, no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). No Instagram da Sumaúma, a repórter Letícia Leite resgata a origem do ATL, que sempre termina com uma carta. Mas, nesta edição, o texto foi lançado logo no início do acampamento, para deixar claro ao governo Lula o recado deste ano: os indígenas querem novas demarcações de terra.
🔸 O ato bolsonarista no Rio de Janeiro mobilizou menos do que se esperava: foram cerca de 32 mil pessoas, muito menos que as 185 mil que se reuniram na avenida Paulista em fevereiro. “Foi uma manifestação política com um forte viés eleitoral, pelos pré-candidatos que estavam ali e pelo reforço das pautas que são caras ao bolsonarismo”, analisa Glauco Faria, em artigo no Outras Palavras. Ele afirma que o ato deixou evidente uma das prioridades da extrema direita neste ano: eleger o máximo possível de vereadores e, assim, fazer das “câmaras municipais um lugar para ecoar as mensagens de cunho moralista que agradam suas bases e preparar um salto para 2026”.
🔸 Desde o início da atual gestão até abril deste ano, os ministros de Lula fizeram 1.660 viagens. Os destinos mais frequentes foram as capitais – com destaque para Rio de Janeiro e São Paulo. A “Don’t LAI to Me”, newsletter da Fiquem Sabendo, esmiúça as informações obtidas no Portal da Transparência. Ao todo, o governo gastou R$ 8,53 milhões em diárias pelas viagens a trabalho. Os ministros que mais viajaram no período foram Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar), seguido de Nísia Trindade (Saúde) e Camilo Santana (Educação).
🔸 Num cenário em que são cada vez mais raros os empregos com vínculo pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), qual será o papel da Justiça do Trabalho? “Será que essa instituição estará preparada para acompanhar essas mudanças e garantir a proteção dos direitos dos trabalhadores?”, pergunta Claudia Abdul Ahad Securato, mestre em Direito dos Negócios pela FGV. Em artigo no Jota, ela lembra que o ministro Gilmar Mendes vem questionando o tamanho e as atribuições da Justiça do Trabalho nos próximos anos, num contexto de novas relações laborais. Para a advogada, porém, é preciso reconhecer a expertise da Justiça do Trabalho na defesa dos trabalhadores. “Ao invés de propor o fim ou a redução do escopo dessa instituição, seria mais adequado buscar formas de fortalecê-la e de ampliar sua abrangência”, avalia.
📮 Outras histórias
Na Ilha de Itamaracá, em Pernambuco, só 2,3% da população tem rede de esgoto. É a menor cobertura de saneamento básico do estado. A maioria das ruas não tem asfalto e calçamento. Nos dias de chuva, as poças de lama tomam conta das vias. A Marco Zero narra como é a vida na ilha de estrutura precária e conversa com moradores. O metalúrgico aposentado Oxis Pereira, que vive na Ilha de Itamaracá há 20 anos, acrescenta à falta de saneamento o problema do abastecimento de água. “Os moradores que querem ter acesso a água precisam cavar poço porque se depender da rede vive faltando”, afirma.
📌 Investigação
Fazendeiros se escondem atrás de “laranjas” para grilar e desmatar terras públicas na Amazônia. O objetivo é dificultar as investigações das autoridades. O Cadastro Ambiental Rural (CAR) normalmente está em nome de pessoas que não estão totalmente cientes das consequências e não têm dinheiro para pagar as multas aplicadas pelos órgãos ambientais. Segundo a Repórter Brasil, o uso de “laranjas” pode ser o caso de José Carlos Bronca. Entre 2016 e 2019, o Ibama emitiu multas no valor de R$ 28,7 milhões por desmates em uma fazenda chamada Nova Liberdade, no sul do Amazonas. No papel, a propriedade teve sua área dividida em várias parcelas menores, registradas no CAR em nome de parentes ou empregados de Bronca.
🍂 Meio ambiente
Em expedição realizada em março, pesquisadores da Iniciativa Nacional para a Conservação da Anta Brasileira do Instituto Brasileiro de Pesquisas Ecológicas (Incab-Ipê) encontraram vestígios da anta (Tapirus terrestris) na Caatinga, bioma onde ela é considerada extinta desde 2012. O Fauna News explica que os rastros do mamífero foram encontrados tanto na Área de Proteção Ambiental do Rio Preto, na Bahia, quanto em algumas localidades no entorno do Parque Nacional da Serra das Confusões, no Piauí. Além de pegadas, os pesquisadores encontraram também amostras fecais. A descoberta deve alterar os planos de conservação da espécie, incluindo o bioma para ações de proteção.
📙 Cultura
“Para nós, a serpente é um oráculo de sabedoria”, diz Merremii Karão Jaguaribaras, artista visual que mora na divisa dos municípios de Aratuba e Canindé, no Ceará, sobre o significado das cobras para diversos povos originários do Brasil. O Nonada descreve como o animal está presente na cultura indígena – das artes visuais à sabedoria ancestral –, a partir das perspectivas de diferentes artistas, escritores e pesquisadores, e se afasta da noção ocidental da representação de perigo. “A cobra está presente e sempre estará porque ela faz parte do nosso mito de criação. Inconscientemente, fui escrevendo sobre ela e, só depois, compreendi meu processo de criação na literatura”, conta o escritor Tiago Hakiy, nascido na margem do rio Andirá, no estado do Amazonas, e descendente do povo Sateré-Mawé.
🎧 Podcast
Em 1977, quatro anos após a morte de Alexandre Vannucchi Leme, o Minhoca, estudante de Geologia na Universidade de São Paulo, pelas forças repressivas da ditadura, sua família ainda buscava a exumação e o traslado de seus restos mortais para Sorocaba (SP), o que só aconteceu em 1983. O “Eu Só Disse Meu Nome”, produção da NAV Reportagens, em parceria com o Instituto Vladimir Herzog, narra como o movimento estudantil e outros setores da sociedade aumentaram a voz contra o regime no fim da década de 70 e reuniram uma multidão no Largo de São Francisco, na capital paulista, em um protesto pela redemocratização do país.
🧑🏽🏫 Educação
No Nordeste, ao menos 796 mil crianças de 0 a 3 anos não frequentam creche ou escola por alguma dificuldade de acesso, segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Anual (PNAD Contínua) de 2023. O número representa 25% do total de crianças nessa faixa etária na região, enquanto a média do país é de 20,5%, como mostra a Agência Tatu. Entre os 20% mais pobres no país, 28% não frequentam as creches por dificuldade de acesso. Já entre os 20% mais ricos, o percentual é de 7%. No Brasil, apenas 23,2% da população infantil está nesses espaços – índice muito distante da meta do Plano Nacional de Educação (PNE), que havia planejado atender, no mínimo, 50% das crianças nessa faixa de idade até o final deste ano.