Os ataques criminosos em Brasília e o código usado para a convocação
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🔸 Numa série de ataques criminosos ao longo da tarde de ontem, apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) invadiram e depredaram o Palácio do Planalto, o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional, três prédios públicos símbolos da democracia em Brasília. Pareciam caminhar escoltados pela Polícia Militar, sem resistência, pela Esplanada dos Ministérios. Um pequeno contingente de agentes tentou impedir o grupo com spray de pimenta, mas a barreira foi facilmente rompida, e a Praça dos Três Poderes, tomada. Pouco antes das 18h, como informa o Nexo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) decretou intervenção federal na segurança pública do Distrito Federal até 31 de janeiro, apontou negligência da polícia do Distrito Federal e afirmou que “todas as pessoas serão encontradas e punidas”, sobretudo os financiadores dos bolsonaristas.
🔸 “Desprezíveis ataques terroristas.” Assim o ministro Alexandre de Moraes, do STF, referiu-se aos atos no texto em que determinou, no início da madrugada, o afastamento do governador Ibaneis Rocha (MDB) do cargo por 90 dias. Responsável pela segurança na área, Ibaneis demitiu o secretário de Segurança Pública, Anderson Torres, e chegou a gravar um vídeo pedindo desculpas a Lula. Não funcionou. Segundo Moraes, os ataques de ontem “somente poderiam ocorrer com a anuência, e até participação efetiva, das autoridades competentes pela segurança pública e inteligência, uma vez que a organização das supostas manifestações era fato notório e sabido, que foi divulgado pela mídia brasileira”. O Jota avalia que os ataques fortalecem Moraes e dão legitimidade para o Supremo agir de forma mais severa. Além disso, os riscos aumentam para Bolsonaro: “Isso é tudo que o inquérito [das fake news] precisava para se encaminhar para um direcionamento ao ex-presidente”, analisa Felipe Recondo, diretor de Conteúdo do Jota.
🔸 Na manhã de hoje, a Polícia Militar começou a desmontar o acampamento bolsonarista em frente ao quartel general do Exército em Brasília. O Antagonista explica ainda que as cerca de 300 pessoas detidas ontem começaram a ser transferidas. Os homens vão para o Complexo da Papuda, e as mulheres, para a Colmeia, Penitenciária Feminina do DF.
🔸 Em áudio: como Anderson Torres estava de férias nos Estados Unidos, o secretário da Segurança Pública em exercício era Fernando de Sousa Oliveira. Uma hora antes da invasão aos prédios públicos do DF, ele tranquilizou Ibaneis Rocha. Áudio obtido com exclusividade pelo Metrópoles mostra que ele usou dez adjetivos para comunicar a Ibaneis que não haveria riscos de a manifestação sair do controle. Afirmou que o clima estava “bem tranquilo, bem ameno”, com movimentação “bem suave” e falou repetidamente em “manifestação totalmente pacífica”.
🔸 A convocação para os ataques vinha desde a semana da posse de Lula. Mensagens nesse sentido eram compartilhadas desde o dia 3 e ainda permanecem no ar, como mostra levantamento do Aos Fatos. Grupos no Telegram com cerca de 20 mil membros também trocaram versões diversas da convocatória para ocupar a capital federal. Em monitoramento ontem, o Radar Aos Fatos revelou ainda que os bolsonaristas que transmitiram lives dos atos criminosos no YouTube lucraram, arrecadando dinheiro via doações ou mecanismos da plataforma. Algumas das lives foram retiradas do ar pelos próprios canais.
🔸 “Temos ônibus gratuito para Brasília (...) a volta está prevista para o dia 15 (...) Tudo pago água, café, almoço, janta.” Um grupo de Telegram com mais de 11 mil pessoas oferecia o “pacote” para os bolsonaristas interessados na tarde de ataques a Brasília. A Lupa monitorou conversas em que vândalos sugeriam acampamentos nos prédios públicos invadidos no DF: “Tem que acampar dentro dos prédios. Dormir, usar cozinha, os banheiros. Sem quebradeira. Não sair de lá até os FFAA intervir. Pedir intervenção militar já”.
🔸 Foi só à noite que Jair Bolsonaro, direto dos Estados Unidos, apareceu: usou o Twitter para se afastar da responsabilidade pelos crimes no DF e atacar a esquerda. Escreveu: “Manifestações pacíficas, na forma da lei, fazem parte da democracia. Contudo, depredações e invasões de prédios públicos como ocorridos no dia de hoje, assim como os praticados pela esquerda em 2013 e 2017, fogem à regra”. Enquanto isso, como lembra a CartaCapital, deputados democratas pediram sua extradição. “Terroristas domésticos e fascistas não podem usar a cartilha de Trump para minar a democracia. Bolsonaro não deve se refugiar na Flórida, onde está se escondendo da responsabilidade por seus crimes”, disse Joaquin Castro. No Twitter, Alexandria Ocasio-Cortez engrossou o coro: “Os EUA devem parar de conceder refúgio a Bolsonaro na Flórida”.
🔸 A destruição em vídeos e imagens: vidraças foram quebradas, mobílias, atiradas pelas janelas, e obras de arte, depredadas. O Congresso em Foco reúne cenas da depredação do patrimônio público e também de roubo – na sala do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), fotos mostram maletas vazias que armazenavam armas e munições. O arsenal ainda não foi localizado.
🔸 Ainda em imagens: a Polícia Militar foi flagrada conversando amistosamente com os apoiadores de Bolsonaro durante os ataques ou deixando a barreira de segurança para comprar água de coco, como exibe o Portal Terra. A aparente omissão da PM, no entanto, não condiz com sua ação em manifestações pacíficas. A Ponte tem uma lista das 20 vezes em que a polícia atacou e prendeu manifestantes por nada.
📮 Outras histórias
Enquanto agências de viagens fomentam o medo das favelas, guias turísticos locais propiciam uma experiência única para turistas brasileiros e estrangeiros que visitam a Rocinha, no Rio de Janeiro. “A Rocinha já foi considerada a maior favela da América Latina, e isso desperta a curiosidade dos turistas”, conta o guia Gilmar Fernandes, nascido e criado na comunidade. O Fala Roça detalha as atividades de turismo local.
📌 Investigação
“Festa da Selma.” Este foi o código usado por bolsonaristas para combinar as últimas etapas de invasão da Praça dos Três Poderes em redes sociais abertas. “Selma” é uma alusão à “selva”, expressão empregada por militares brasileiros. A Agência Pública revela que o uso do termo cresceu no Twitter a partir de quinta-feira passada, acompanhado de instruções sobre o que deveria ser feito no domingo. Ao contrário de outros atos promovidos pelos apoiadores de Bolsonaro, a presença de crianças e idosos – utilizada para demonstrar suposto caráter popular e pacífico – foi desestimulada. Os perfis que mais adotaram a expressão são diferentes dos já conhecidos nas redes, apresentam indícios de automatização e criaram suas próprias bolhas de influência, em vez de se conectarem entre si.
🍂 Meio ambiente
Entre as estruturas de governo mais modificadas na primeira semana do governo Lula, está o Ministério do Meio Ambiente, cujo nome teve o acréscimo do termo “Mudança do Clima”. Durante a gestão anterior, autarquias importantes como a Agência Nacional das Águas (ANA), o Serviço Florestal Brasileiro e o Cadastro Ambiental Rural (CAR), haviam sido retirados da pasta. O Eco avalia que Marina Silva assume um ministério novamente empoderado e que também terá a criação de uma autarquia para tratar das mudanças climáticas.
Berçários da vida marinha, os manguezais são também grandes capturadores de carbono. Estudo publicado na revista “Frontiers in Forests and Global Change” indica que um hectare de manguezal no Brasil pode armazenar entre duas e quatro vezes mais carbono do que o mesmo hectare de outro bioma qualquer, incluindo a Amazônia. Apesar do destaque para combater as mudanças climáticas, esse bioma costeiro sofre com o avanço da construção civil. O InfoSãoFrancisco apresenta artigo do “Jornal da USP” que detalha a importância dos mangues e seu conflito com a infraestrutura humana.
📙 Cultura
Não é apenas a escolha da direção da Agência Nacional de Cinema (Ancine) que merece a atenção do novo governo. A atual diretoria do órgão mudou até mesmo as regras do Programa Especial de Apoio ao Pequeno Exibidor (PEAPE) para entrada em editais públicos, o que fez com que grandes redes exibidoras de cinema recebessem recursos em detrimento de pequenas salas que exibem filmes nacionais. O Farofafá revela que, entre as grandes empresas que receberam dinheiro da Ancine, está a Rede Cine Gracher, que possui 30 salas de cinema dentro das lojas Havan, do empresário bolsonarista Luciano Hang.
Na última quinta-feira, o presidente Lula (PT) assinou a lei que incluiu Antonieta de Barros no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria. Nascida em 1901, em Florianópolis, Santa Catarina, Antonieta de Barros foi a primeira deputada negra eleita no Brasil, além de professora, escritora e jornalista. A Revista Afirmativa narra a história da mulher que abriu o caminho para que mulheres negras entrassem e mudassem a política. Após o reconhecimento, a editora Skript trouxe de volta ao Catarse a campanha de financiamento coletivo do livro “Farrapos de Ideias”, de sua autoria, como descreve a revista O Grito.
🎧 Podcast
Hora do silêncio. Aproveitando as reflexões do início de ano, a Rádio Escafandro, produção da Rádio Guarda-Chuva, reprisa um episódio para quem precisa se acalmar e pensar. O jornalista Tomás Chiaverini convida especialistas para tratar de sons – e da ausência deles – do canto da baleia jubarte, dos estalos poderosos do camarão pistola, do sabiá que invadiu as madrugadas em São Paulo (e canta cada vez mais cedo) e de um retiro de dez dias sem falar. O podcast fez descobertas sobre ruídos sonoros e as diferenças das espécies na hora de proclamar seus cantos e se adaptarem à cidade.
🏃🏾♂️ Esporte
Ex-jogador do Vasco da Gama, Carlos Roberto de Oliveira, conhecido como Roberto Dinamite, morreu ontem, aos 68 anos, vítima de um câncer no intestino, descoberto em 2021. Dinamite é considerado um dos maiores ídolos do clube carioca – é o maior artilheiro da história vascaína, além de ser também o maior goleador da história do Campeonato Brasileiro e do Campeonato Carioca. O Diário do Rio lembra que, ao lado de Pelé e Rogério Ceni, ele é o único atleta do futebol brasileiro a ter disputado mais de mil jogos por uma única equipe. O Esporte News Mundo conta que o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, deve publicar no Diário Oficial da próxima terça um decreto que altera o nome da Avenida General Américo de Moura no trecho em frente ao Estádio São Januário para Avenida Roberto Dinamite.