O apagão em São Paulo e os indígenas do Pantanal contra o fogo
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🔸 Ontem, dois dias depois das chuvas que deixaram sete mortos e causaram um apagão em São Paulo, mais de 900 mil pessoas seguiam sem energia elétrica no estado. O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, determinou que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) apresente hoje um plano de emergência para remediar o problema, segundo o Metrópoles. Silveira afirmou que a agência “tem o dever de atuar de maneira proativa, com todos os rigores da lei, para fiscalizar e autuar a distribuidora Enel por todas as falhas já identificadas em diversos eventos como este que se repete”.
🔸 A propósito: a ideia de enterrar a fiação elétrica de São Paulo voltou a ser discutida nas redes sociais como uma possível solução para os apagões. Apesar do apelo, especialistas ouvidos pelo Terra afirmam que se trata de uma saída muito cara e complexa. Segundo o diretor-executivo do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Pedro Rodrigues, o custo seria dez vezes maior que o de uma rede aérea – e o impacto recairia diretamente sobre os consumidores. “O consumidor já paga uma tarifa alta demais de energia no Brasil. Talvez a gente pague uma das tarifas mais altas do mundo”, afirma Rodrigues. Soluções mais simples, como a poda de árvores com o uso de tecnologias, poderiam ser mais eficazes e baratas.
🔸 O caso de contaminação por HIV em seis pacientes transplantados no Rio de Janeiro reacende um trauma antigo e levanta dúvidas sobre a gestão da saúde pública. Em artigo no Conversation Brasil, Elize Massard da Fonseca, doutora em Política Social, e Guilherme Nogueira Bittar Celestino, doutor em Estudos Brasileiros, lembram a morte do cartunista Henfil e a de seu irmão, o sociólogo Betinho, ambos contaminados por HIV após uma transfusão de sangue para tratamento da hemofilia. Apesar de avanços nas últimas décadas, muitos problemas persistem, em especial quanto à falta de transparência em contratos público-privados no Sistema Único de Saúde (SUS). O envolvimento de empresas privadas – como o laboratório PCS Lab Saleme, responsável pelos exames errados de doadores de órgãos infectados com HIV no Rio – revela fragilidades na terceirização de serviços essenciais e como os pacientes estão expostos a riscos.
🔸 Embora tenha registrado o maior número de candidaturas indígenas, a Amazônia Legal elegeu apenas 107 delas no primeiro turno, ou seja, 8% do total. O estado do Amazonas lidera o ranking, com 47 indígenas eleitos. A InfoAmazônia destaca a eleição em São Gabriel da Cachoeira, município com o maior número de candidatos indígenas eleitos. Aos 25 anos, Egmar Saldanha (PT), conhecido como “Curubinha”, do povo Tariana, obteve mais de 47% dos votos na cidade. “Foi uma campanha difícil, muita gente da cidade não me conhecia, mas foi na conversa, no diálogo, que eles deram a chance para um jovem indígena como eu”, conta o prefeito recém-eleito. Já a nova vereadora Jackeline Vieira (Rede), do povo Tukano, lembra que, embora o município consiga acolher candidaturas indígenas, no caso das mulheres, há que se enfrentar o machismo: “Em algumas etnias a gente ainda é desprezada, mas a gente está cada vez ocupando nosso espaço. Eu sei que nós, como mulheres indígenas, podemos chegar mais à frente e podemos mostrar nossa competência”.
🔸 Em todo o país, as candidaturas indígenas aumentaram 50,3% entre 2016 e 2024, com destaque para o dobro de candidatas mulheres. O aumento é resultado de um processo de mobilização para “aldear a política”, como contam Marina A. R. M. Vieira e Andressa Zanin Rovani, em análise no Nexo. Elas lembram que a inclusão do campo “raça ou cor” pelo Tribunal Superior Eleitoral, em 2014, facilitou o monitoramento dessas candidaturas. Já neste ano, um novo campo de identificação indígena foi adicionado ao registro de candidaturas: o de etnia. Com isso, é possível saber que os 2.578 candidatos registrados nas eleições municipais são de 170 povos indígenas diferentes.
📮 Outras histórias
“Nise da Silveira, psiquiatra alagoana dos anos 1920, acreditava na cura por meio da arte. Eu sou a prova disso.” Manu Melo sofreu queimaduras numa fogueira de São João quanto tinha 11 anos. Enquanto se recuperava, descobriu o crochê como forma de terapia. Mais tarde, em 2013, ela lançou sua própria marca, que incorpora referências culturais e naturais do Nordeste. Em entrevista ao Eufêmea, a estilista lembra os eventos de moda dos quais participou e conta dos desafios que encontrou pelo caminho. “Levantar a bandeira do Nordeste, especialmente de Alagoas, nem sempre é bem visto em um país que ainda valoriza pouco suas raízes. Já sofri muito preconceito, mas é justamente a esperança de que essa valorização vai crescer que faz minha marca continuar em Alagoas”, afirma a estilista.
📌 Investigação
Indígenas pantaneiros, os povos Guató e Boe Bororo se veem diante de um segundo fim do mundo. O primeiro ocorreu quando os brancos chegaram às suas terras e promoveram chacinas, por volta do século 18. O segundo está em curso: desde que, no início de agosto, um incêndio atingiu mais da metade da Terra Indígena Perigara, em Mato Grosso, quatro brigadistas do povo Boe Bororo visitam todos os dias a área para contabilizar as perdas. A Sumaúma narra a luta dos indígenas pantaneiros contra o fogo que sitia o bioma e contra a extinção de seus próprios povos, que carregam quase nove mil anos de história. “Fui ao rio e tomei um susto. Vi um bando de quatis queimados boiando na água. Nunca tinha visto tantos mortos dessa forma”, conta a professora Rosinete Marido.
🍂 Meio ambiente
Quando escutam a palavra “futuro”, as crianças do povo Kaingang logo falam de suas preocupações com a destruição do planeta. “Eu queria que acabasse a poluição, para o mundo se manter mais bonito, para as matas não serem derrubadas e para ter mais árvores no futuro”, diz Sophia Padilha Trindade, de 10 anos. A etnia tem maior concentração no Rio Grande do Sul, mas vive também em terras de Santa Catarina, Paraná e São Paulo. O Nonada visitou os indígenas que habitam a região de Porto Alegre e perguntou a sete crianças Kaingang o que pensam e sentem sobre o futuro e a crise climática. “Eu, como uma jovem, pretendo cuidar da natureza aqui na aldeia”, relata Beatriz Gomis Dhil Metej, de 13 anos. “Minha vó me ensinou a respeitar outros seres, vegetais e animais.”
📙 Cultura
Ao longo dos séculos, a imagem de Nossa Senhora de Nazaré, alvo da devoção do Círio de Nazaré, se transformou em múltiplas faces que representam a fé e a identidade amazônica. Em artigo na Amazônia Latitude, o pesquisador Márcio Couto explica que originalmente ela era uma senhora portuguesa e branca, mas, desde os anos 1970, a imagem da peregrina – em que ganha os traços físicos mais parecidos com as de mulheres da Amazônia – passou a ocupar o imaginário popular. “Mais do que a imagem, o que importa para os devotos é o que ela representa: transcendência e fé. Várias imagens, diferentes representações de Maria e seu filho Jesus. Imagens que contam parte significativa da história da Amazônia, de sua ligação com o português colonizador, do modo como os devotos da região se apropriaram da devoção e da relação afetuosa de grande parte dos paraenses com sua ‘Nazinha’”, escreve Couto.
🎧 Podcast
Em uma época em que a política era ainda mais dominada por homens, Joana Rocha dos Santos, a Dona Noca, tornou-se em 1934 a primeira mulher prefeita do Maranhão – à frente do município de São João dos Patos – e a segunda do Brasil. A série “Nós, Prefeitas”, do “Conversa de Portão”, produção do Nós, Mulheres da Periferia, conversa com Mayjara Costa, mestre em História Social pela Universidade Federal do Maranhão, que investigou a trajetória de Dona Noca. Com reconstrução de estradas e apoio à educação, a prefeita deixou sua marca na sua cidade e na política da época.
🧑🏽⚕️ Saúde
“A ginecologia e a obstetrícia são ciências relativamente modernas que foram roubadas das mulheres. Antes já existiam as parteiras, as mulheres que se cuidavam e usavam os seus próprios remédios”, afirma Priscila Amorim, médica especialista em ginecologia. Ao Desenrola e Não Me Enrola a profissional fala sobre ginecologia natural, uma prática conectada aos saberes ancestrais nos cuidados de saúde das pessoas com útero. A ginecologia natural tem como base o funcionamento do ciclo menstrual e como ele se relaciona com a vida e contribui para atendimentos mais humanizados. “Quando acabei a residência, eu achava que a ginecologia não era muito resolutiva para as mulheres. O que eu via era muito anticoncepcional e cirurgias. Eu não via as pacientes felizes, elas voltavam com novos problemas”, conta.