O legado de Antonio Cícero e a biopirataria em discussão na COP16
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🔸 Com chuva forte no fim da tarde de ontem, São Paulo voltou a temer um apagão. Perto das 18h, segundo boletim da Enel, mais de 30 mil imóveis estavam sem energia elétrica. O receio da falta de luz tem fundamento no histórico da concessionária em São Paulo nos últimos anos. O valor pago aos clientes da Enel em compensações por falta de energia elétrica cresceu 29% entre 2022 e 2023, informa a Agência Pública. O salto de R$ 80,9 milhões para R$ 104,8 milhões indica uma tendência de aumento dos prejuízos causados à população. Sem contar o último apagão, a quantidade de compensações em 2024 já representa 53% do total registrado em 2023. “É um indicador claro de que o sistema está se deteriorando continuamente. Mas, de longe, as compensações não cobrem o prejuízo verdadeiro aos clientes”, diz Ildo Sauer, vice-diretor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE-USP). Pagas sob a forma de desconto na conta de luz, as compensações são feitas automaticamente e consideram o número de horas que o cliente ficou sem energia elétrica.
🔸 A poucos dias do segundo turno em São Paulo, o atual prefeito Ricardo Nunes (MDB) tem 44% das intenções de voto, e o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL), 35%. O Congresso em Foco lembra que, na pesquisa Quaest anterior, feita logo após o apagão na capital, Nunes tinha 45% ante 33% de Boulos. Agora, o número de indecisos caiu de 3% para 2%.
🔸 A propósito: o que os candidatos a prefeito de São Paulo propõem para as periferias? Depois do primeiro turno, os territórios periféricos, afinal, entraram na prioridade das campanhas. A Periferia em Movimento mergulhou nos programas de governo de Nunes e Boulos para entender as propostas de cada um. No plano do candidato do PSOL – que nasceu na zona oeste e hoje mora no Campo Limpo –, a periferia é citada 19 vezes ao longo de 40 páginas. Temas como trabalho e renda, economia solidária e moradia estão na lista de promessas de Boulos para as periferias. Já Nunes, que se diz “cria” da periferia na propaganda eleitoral e afirma que o esforço individual foi fundamental para prosperar, cita periferias, favelas e suas variações 18 vezes em 35 páginas. Quando fala em trabalho e renda, inclui parcerias com a iniciativa privada no pacote.
🔸 “Meu mundo você é quem faz.” O verso eternizado na voz de Marina Lima é do poeta Antonio Cícero, um dos mais profícuos colaboradores da música brasileira. Mas não só: filósofo, escritor e crítico literário, é autor de ensaios, livros de poemas e coletâneas. “Foi um grande poeta, em livro e em letra de canção. Era um dos que sabiam que letra de música pode ser boa poesia, e que alguns poemas não têm poesia nenhuma. Isto é, não hierarquizava essas coisas. Letra de música ou poema? Tanto faz. O que importava para ele era que a poesia viesse à tona”, afirma o escritor Fabrício Corsaletti. O Nexo lista cinco letras de músicas de Cícero, gravadas por nomes como Lulu Santos, Marina Lima e Caetano Veloso. O poeta enfrentava o mal de Alzheimer e morreu ontem, aos 79 anos.
🔸 “A contribuição de Cícero não se limitou à música. Como poeta, ele foi autor de obras fundamentais como ‘Guardar’ (1996) e ‘A Cidade e Os Livros’ (2011), que consolidaram sua posição como um dos maiores poetas de sua geração. Seus poemas, marcados pela precisão da linguagem e pela profundidade filosófica, são meditações sobre o tempo, o amor e a existência”, escreve Alejandro Mercado, em artigo na Escotilha. Ele lembra a posse do escritor na Academia Brasileira de Letras (ABL), em 2017. “Sua entrada na ABL simbolizou a consagração de um intelectual que soube transitar por diferentes linguagens artísticas sem abrir mão da profundidade e do rigor estético.”
📮 Outras histórias
O bairro Cristo Rei, na zona sul de Teresina, tornou-se um dos mais procurados da capital do Piauí para a compra de imóveis. A boa localização, o fácil acesso a serviços e o custo-benefício são atrativos da região, como descreve o Piauí Negócios. Moradores destacam a proximidade ao centro da cidade e às principais escolas. “É um bairro tranquilo, até parece ser interiorano, com pessoas nas calçadas, bares a céu aberto”, diz o empresário Cláudio Sales, carioca morador de Teresina há 20 anos. Para Klenisson Gonçalves, professor do estado do Piauí, a vantagem do bairro está sobretudo na localização: “O principal motivo de ter escolhido a região do Cristo Rei foi por ficar próximo do centro e das melhores escolas”.
📌 Investigação
Além da constante luta para existir, o povo Fulkaxó batalha pela educação. Depois de 18 anos, a comunidade indígena conseguiu recuperar parte de seu território tradicional. Localizados em Pacatuba, a quase 100 km de Aracaju, no litoral norte de Sergipe, os Fulkaxó tiveram que processar a União e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) para que adquirissem as terras e criassem o território indígena. A Mangue Jornalismo aponta as atuais reivindicações por garantias mínimas de infraestrutura, como uma escola dentro da reserva. A comunidade tem de 30 a 40 crianças e adolescentes, e não quer que eles tenham atraso no ensino. “Tentamos colocar três adolescentes e cinco crianças para estudar em uma escola em Neópolis [cidade vizinha]. Porém, vinha um transporte pequeno e ainda deixavam elas no meio da estrada para que pegassem um ônibus. Achamos perigoso deixar nossas crianças na estrada. (...) Por medo, decidimos mandá-las para estudar em Alagoas”, lamenta Demivalda Vieira Cruz, a Yetçamym, como é conhecida na comunidade.
🍂 Meio ambiente
As crises climáticas afetam no presente o futuro: as crianças. Em 2023, o Comitê de Direitos das Crianças na Organização das Nações Unidas (ONU) alertou que cada país é responsável por proteger os direitos de crianças e adolescentes contra os danos climáticos. Na série especial sobre crise climática, o Colabora mostra como as crianças já são impactadas por essas mudanças. O direito à natureza é o primeiro a ser ferido. Neste ano, as enchentes no Sul, as queimadas no Norte e no Centro-Oeste e o desmatamento desgovernado corroeram o direito básico de meninas e meninos a um meio ambiente limpo, saudável e sustentável. E, por causa das desigualdades sociais, os que se encontram em situação de vulnerabilidade enfrentam cenários mais críticos. Maria do Carmo Maciel Pinheiro, avó de quatro netos e moradora de uma casa flutuante em Parintins (AM), conta que faltou água para a casa flutuar e para o transporte à canoa, além de água potável para beber e comida: “Eu falo para os meninos: a hora que tem, a gente come. A hora que não tem, a gente não pode fazer nada”.
📙 Cultura
Ao salvar uma mulher que tentou realizar um aborto em si mesma, Hazel Sinnett acaba presa. O episódio permeia a vida da protagonista dos livros de ficção da estadunidense Dana Schwartz: “Anatomia – Uma História de Amor” e “Imortalidade”. Em entrevista ao Catarinas, a autora fala sobre a construção da personagem – uma jovem dama que vive no Reino Unido do século 19 e deseja se tornar cirurgiã – e discute alguns temas que atravessam a história dela, como liberdade feminina e aborto: “É sempre tentador para leitores de ficção histórica colocar todos os eventos desagradáveis firmemente no passado: ‘Ora, com certeza já fizemos progresso até agora!’. Infelizmente, a lei horrível no Brasil e os retrocessos recentes em relação à autonomia corporal das mulheres nos Estados Unidos provam que esse não é, de forma alguma, o caso. Eu queria que os leitores sentissem visceralmente a escolha e a punição de Hazel e que, com sorte, permanecessem conscientes de que essas são batalhas que ainda precisamos lutar”.
🎧 Podcast
Os canais de irrigação que ceifam a vida de lobos-guará no oeste da Bahia são subsidiados por financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Para garantir uma boa safra, a produção de grãos da Fazenda Alto Jaborandi conta com longos canais, revestidos com uma lona escorregadia. Ao entrar para beber água, os animais não conseguem mais sair e morrem afogados. O oitavo episódio do “RB Investiga”, produção da Repórter Brasil, conta que o Parque Nacional Grande Sertão Veredas, unidade de conservação de espécies ameaçadas, está rodeado por cercas ineficazes de fazendas de soja, algodão e tabaco. “O pessoal da fazenda já sabia que era um animal monitorado, não tinha muito o que esconder. Mas você imagina a quantidade de outros animais que vão morrendo nessas estruturas e a gente não tem conhecimento, porque depende do report da própria fazenda”, afirma Rodrigo Gerhardt, gerente de vida silvestre na Organização Proteção Animal Mundial.
🧑🏽⚕️ Saúde
Tramita na COP16 proposta de “legalização da biopirataria”, como é descrito por ativistas do Sul Global um projeto de mecanismo multilateral de compartilhamento de representações digitais dos materiais genéticos de plantas, animais e microrganismos. “O mecanismo, [se aprovado] em sua atual forma, vai efetivamente transferir o controle dos recursos genéticos dos países em desenvolvimento para os países desenvolvidos”, afirma em artigo Nithin Ramakrishnan, pesquisador indiano da Rede do Terceiro Mundo (TWN, na sigla em inglês). Segundo o Outras Palavras, o que está em discussão é a criação de bancos de dados digitais de materiais genéticos, compartilhados entre os países e que poderão ser utilizados sem o “consentimento prévio” das nações de origem. “Se a COP16 não tomar as decisões corretas, ela legitimará uma grande pilhagem”, afirma Ramakrishna.