A anistia e a democracia no 7 de Setembro e a corrida pela 'energia limpa'
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🔸 A avenida Paulista foi palco ontem de mais um ato bolsonarista, desta vez marcado pela defesa da anistia ampla aos envolvidos nos ataques de 8 de janeiro de 2023 e pelo protagonismo de Tarcísio de Freitas (Republicanos). O governador de São Paulo assumiu a linha de frente do ato na capital, informa o Metrópoles. Pressionou o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), a pautar o projeto de anistia e chamou Alexandre de Moraes de “tirano”. Tarcísio afirmou que não há provas contra Jair Bolsonaro (PL), réu no Supremo Tribunal Federal (STF), e defendeu que apenas ele pode ser o candidato da direita em 2026: “Deixa o Bolsonaro ir para a urna, qual o problema?”, perguntou aos apoiadores na avenida Paulista. O pastor Silas Malafaia elogiou o governador por se tornar um “leão” na defesa da anistia. Michelle Bolsonaro, por sua vez, chorou no palanque ao dizer que o marido está “amordaçado em casa”.
🔸 Apropriado pela direita, o lema da anistia é historicamente ligado à esquerda e à volta de presos e exilados políticos da ditadura. O termo, que em 1979 simbolizou a luta pela democracia, hoje é usado como bandeira por quem tentou um golpe, apropriado pelo bolsonarismo para defender os réus do 8 de janeiro e o próprio Bolsonaro. A anistia é o mote de um projeto de lei em discussão no Congresso e que pretende retroagir até 2019, data de abertura do inquérito das fake news, o que ampliaria o alcance da medida. A Agência Pública explora o contraste histórico entre a Lei da Anistia de 1979 e o atual projeto defendido por bolsonaristas. “O mesmo grupo que saiu impune da anistia em 1979 é o que tentou o golpe em 8 de janeiro”, afirma Marcelo Uchôa, conselheiro da Comissão de Anistia no Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. “Em vez de chamar de PL da Anistia, melhor dizer PL da Impunidade. Porque seria uma anistia para aqueles que tentaram golpear o Estado, matar presidente, matar vice-presidente, matar ministro do Supremo, fazer uma intervenção com as Forças Armadas. Ou seja, romper a estabilidade institucional e aplicar uma ditadura no país.”
🔸 Não só a anistia, mas também os ataques ao STF e as tentativas de minimizar o 8 de janeiro de 2023 marcaram as manifestações de ontem. Em prisão domiciliar, Bolsonaro não pode comparecer aos atos, e o destaque para o clã ficou nos discursos de aliados e de Michelle Bolsonaro. A Agência Lupa checou algumas das declarações que eles deram nos eventos. Michelle, por exemplo, voltou a colocar sob suspeita as urnas eletrônicas, já reconhecidas como seguras por testes e auditorias. No Rio de Janeiro, o governador Cláudio Castro inflou a votação de Bolsonaro no estado em 2022.
🔸 No sábado, véspera do Dia da Independência, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez um pronunciamento em rede nacional de rádio e televisão. O mote dele foi a defesa da soberania nacional. O Correio Sabiá analisa as “entrelinhas” do pronunciamento de Lula. Ele rejeitou a interferência estrangeira e destacou o papel do multilateralismo. Sem citar nomes, chamou de “traidores da pátria” políticos que incentivam sanções externas contra o Brasil, em referência indireta a Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Lula apresentou ainda conquistas do governo, como o programa Pé-de-Meia, a retomada do Bolsa Família, a saída do Mapa da Fome e a menor taxa de desemprego da História. Defendeu também a regulação das plataformas digitais, lembrando que não estão acima da lei e não podem permitir crimes, fake news ou discurso de ódio.
📮 Outras histórias
Criada para proteger áreas da zona norte de Recife da pressão imobiliária, a Lei dos 12 Bairros está em risco. A Prefeitura de Recife pretende revogar a medida e diluir o texto na nova Lei de Parcelamento Uso e Ocupação do Solo do Recife (LPUOS), com mudanças que ampliam o adensamento e reduzem a proteção ambiental, segundo especialistas ouvidos pela Marco Zero. As mudanças diminuem a taxa de solo natural de 60% para até 30% nas áreas ribeirinhas do Capibaribe e elevam a taxa de ocupação para até 80%, o que pode dobrar a área construída em terrenos. “Há um aumento absurdo da taxa de ocupação do solo”, afirma a arquiteta e urbanista Luciana Gomes. Já Norma Lacerda, que coordenou a lei original, argumenta que o projeto significa o fim da norma e alerta: “Esse projeto da prefeitura do Recife é um crime ambiental”.
📌 Investigação
A violência doméstica cometida por policiais militares aumentou 366% em Santa Catarina nos últimos seis anos. Entre 2019 e 2024, PMs homens cometeram, em média, 20,16 crimes enquadrados na Lei Maria da Penha. Ao todo, foram 121 registros, revela levantamento do Portal Catarinas realizado com dados da Secretaria de Segurança Pública de Santa Catarina obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI). Os dados são referentes a boletins de ocorrência registrados por três crimes: feminicídio, descumprimento de medida protetiva de urgência e violência psicológica. A arma de fogo, um dos principais instrumentos de trabalho dos policiais militares, frequentemente é utilizada como ferramenta de ameaça, coerção e violência contra mulheres, sobretudo em contextos domésticos. “A chance de uma situação de violência doméstica escalar para um feminicídio é muito maior com uma arma de fogo ao alcance do agressor. O poder que ela dá a qualquer pessoa é enorme, tanto na atividade profissional quanto no ambiente familiar”, afirma Íris Rosa, pesquisadora do Fogo Cruzado.
🍂 Meio ambiente
A corrida por fontes de “energia limpa” para a transição energética repete “as mesmas práticas violentas, exploratórias e insustentáveis que definiram a era dos combustíveis fósseis”, diz um relatório da Coalizão Florestas e Finanças. O estudo mapeou 130 empresas de mineração produtoras dos minerais classificados como de transição (alumínio, cromo, cobalto, cobre, grafite, ferro, lítio, manganês, níquel e zinco) e os bancos e investidores que financiam essas companhias. Integrante da da Coalizão, a Repórter Brasil mostra que a Vale ficou em quinto lugar no ranking global de mineradoras beneficiadas entre 2016 e 2024, apesar de seu histórico de violações socioambientais. O relatório revela que 65% do financiamento à mineradora aconteceu após o rompimento da barragem em Brumadinho (MG), em 2019. “O Bank of America, maior credor da Vale nesse período, concedeu US$ 1,1 bilhão de dólares em 2020. O Bradesco foi outro banco que aumentou seu financiamento após Brumadinho, oferecendo US$ 334 milhões em 2020”, afirma Stephanie Dowlen, da Rainforest Action Network.
📙 Cultura
“O cangaço divide opiniões porque já nasceu cheio de contradições. Para uns, era rebeldia diante da fome e da injustiça; para outros, pura violência. O sertão sempre foi feito dessas nuances: o mesmo homem que ajudava um pobre num dia, podia cometer um crime bárbaro no outro”, afirma Robério Santos, jornalista, pesquisador, professor e escritor. Ele também é criador do canal O Cangaço na Literatura, foi consultor da novela “Guerreiros do Sol” e ator do filme “Zé da Cupira, o Cangaceiro de Poço Redondo”. Em entrevista à Cajueira, Santos fala sobre a história do cangaço e como surgiu seu interesse sobre o tema – comum no dia a dia em Nossa Senhora Aparecida, onde cresceu. “As histórias do cangaço estavam em todo canto: nas conversas de família, nas fotos antigas, nos cordéis que rodavam nas casas dos amigos. Desde menino me encantei com esse universo e comecei a juntar tudo o que encontrava. O que era curiosidade de garoto virou paixão de pesquisador, e hoje é missão de vida.”
🎧 Podcast
“Os Estados Unidos, seus intelectuais e políticos nunca acreditaram que a China com seu sistema político particular chegaria aonde chegou em termos de inovação tecnológica e capacidade de ameaçá-los na fronteira de conhecimento e de tecnologia”, afirma o geógrafo Elias Jabbour, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e uma das maiores referências do Brasil sobre o desenvolvimento econômico da China. No “Diálogos com a Inteligência”, produção do Canal Meio, Jabbour fala sobre os confrontos comerciais e tecnológicos entre os EUA e a China e como o país asiático lidera uma “globalização B” focada na construção de uma infraestrutura global, com um projeto que mira o desenvolvimento mútuo sem imperialismo militar. O pesquisador também aborda a necessidade de o Brasil desenvolver um projeto nacional para resistir às pressões externas e se integrar de forma mais vantajosa nesse novo cenário multipolar da economia global.
👩🏾⚕️ Saúde
“Nós gays conseguimos ocupar muitos lugares, exceto o nosso próprio corpo”, afirma Thiago Parcelles, que viralizou ao falar sobre a pressão estética entre homens gays. “Em 2021, lembro de ter passado 48 horas sem comer para tirar uma foto de sunga.” O tipo de corpo não só pode influenciar os relacionamentos, mas também define o tipo de ambiente frequentado. A Agência Diadorim mergulha nas razões de cobrança em torno do corpo entre homens gays: a busca pelo “shape” perfeito, os transtornos alimentares e a rejeição em aplicativos de relacionamento. Enquanto os transtornos alimentares são estigmatizados como “coisa de mulher”, um em cada três diagnosticados com anorexia nervosa são homens. A incidência pode ser até 15 vezes maior no caso de gays e bissexuais. “O ideal de corpo mais definido e com um grau mais elevado de muscularidade parece ter tomado o lugar de todas as outras características da identidade. Porém, é um corpo difícil de conquistar, pois exige dietas e exercícios e leva a uma insatisfação permanente com a própria aparência”, diz Pedro Carvalho, profissional de Educação Física e doutor em Psicologia.