Uma ameaça legal às terras indígenas e os masculinistas no YouTube
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🔸 Dos 20 municípios com pior qualidade de vida, 18 estão na Amazônia Legal. É o que mostra o Índice de Progresso Social (IPS Brasil), elaborado pelo Imazon e parceiros. O ranking, que avalia 5.570 municípios com base em 57 indicadores sociais e ambientais, revela profundas desigualdades regionais, informa a Carta Amazônia. Uiramutã (RR) lidera a lista negativa, seguido por cidades do Pará e de Roraima. Já Gavião Peixoto (SP) tem a melhor nota do país. Belém, sede da COP30, aparece apenas na 1.044ª posição. Segundo o índice, o progresso social é “a capacidade da sociedade em satisfazer as necessidades humanas básicas, estabelecer as estruturas que garantam qualidade de vida aos cidadãos e dar oportunidades para que todos os indivíduos possam atingir seu potencial máximo”. Entre as capitais com melhores resultados, destacam-se Curitiba, Campo Grande, Brasília, São Paulo e Belo Horizonte.
🔸 Milhares de pessoas protestaram ontem pelo Brasil contra o “PL da devastação”, como ficou conhecido o projeto de lei 2.159/2021, que flexibiliza as regras do licenciamento ambiental no país. As manifestações ocorreram de Porto Alegre (RS) a Belém (PA). A Sumaúma reúne informações sobre os atos que reuniram indígenas, ativistas, artistas e famílias em várias capitais do país. O maior dos protestos ocorreu na Avenida Paulista, em São Paulo. Organizado por mais de 80 coletivos, reuniu cerca de 5 mil pessoas. Para o deputado federal Nilto Tatto (PT-SP), representante da Frente Parlamentar Ambientalista na Câmara, não há como melhorar o texto na Câmara com emendas. Os movimentos pressionam o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para que ele vete parcial ou integralmente o texto. Novas manifestações estão previstas para esta quinta-feira.
🔸 A propósito: a Frente Parlamentar Ambientalista tenta impedir que o projeto seja votado com pressa na Câmara, última etapa antes de o projeto seguir para a sanção presidencial. A Agência Pública apurou que deputados enviaram ofícios ao presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), pedindo tempo para debate. O grupo propõe abandonar o texto atual e iniciar um novo projeto ou medida provisória que enfrente os gargalos sem retrocessos ambientais. Segundo a frente parlamentar, vários trechos do projeto atual são inconstitucionais e, se aprovado, ele “tem potencial de agravar a degradação ambiental, representando grave ameaça a direitos humanos fundamentais”.
🔸 Falando em licenciamento… nos últimos 10 anos, o Ibama concedeu mais de 6 mil licenças, das quais 68% foram para os setores de petróleo, hidrelétricas e mineração. Levantamento da Lupa mostra ainda que só a Petrobras recebeu 622 licenças e lidera o ranking de empreendedores beneficiados – além de encabeçar a lista de maiores infratores ambientais. A série histórica indica que o Ibama emite, em média, 49 licenças por mês. Em 2024, houve um recorde: 151 licenças para o setor de petróleo, mais que o dobro de 2022 e 2023. Neste ano, só até maio, 219 licenças já haviam sido emitidas. O PL aprovado no Senado pode acelerar ainda mais esse ritmo ao permitir renovação automática de licenças, análises simplificadas para projetos estratégicos e autodeclaração de empreendimentos via Licença por Adesão e Compromisso (LAC), um dos dispositivos previstos no novo regramento.
🔸 O Senado também aprovou um texto que desmonta o atual modelo de demarcação de Terras Indígenas (TIs) no país. O Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 717/2024 revoga um artigo do decreto que é a base legal para os procedimentos técnicos da Funai, além de anular a homologação de duas TIs em Santa Catarina: Toldo Imbu (povo Kaingang) e Morro dos Cavalos (povo Guarani), reconhecidas e homologadas em 2024 após mais de 30 anos de luta. O Colabora conta que a proposta foi aprovada em poucas horas, com apoio da base do governo e sem debate no plenário. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e o Instituto Socioambiental (ISA) classificam a medida como inconstitucional e alertam para os riscos de paralisia nos 291 processos de demarcação ainda em curso no país. Segundo as organizações, o PDL cria um vácuo jurídico, ameaça decisões administrativas anteriores e é visto como uma resposta à Lei do Marco Temporal, sancionada em 2023, mas considerada inconstitucional pelo STF.
📮 Outras histórias
“Uma mãe também morre quando perde um filho. E o Estado continua sendo falho porque nem atendimento psicológico adequado tem pra nós que estamos em luto. Se chegamos em algum local com dor de luto, saudade ou qualquer sofrimento, nós somos dopadas”, afirma Sandra de Jesus. Em 2023, ela perdeu o filho Luiz Fernando, de 20 anos, assassinado por agentes da Rota, a unidade especial da Polícia Militar do Estado de São Paulo. A Periferia em Movimento narra a história de Sandra, que transformou a dor em luta contra o genocídio da juventude negra e periférica. Com apoio de organizações como o Mães de Maio e a Rede de Proteção e Resistência contra o Genocídio, ela hoje atua como pesquisadora social no projeto Enfrentação, da Unifesp, acompanhando outras mães vítimas da violência estatal. “Acho que esse virou o meu legado, honrar a memória não só do meu filho, mas também de outros jovens que estão sendo executados pelo Estado”, diz.
📌 Investigação
Canais masculinistas no YouTube usam inteligência artificial e o conceito filosófico de estoicismo para propagar conteúdos misóginos monetizados pela plataforma. O Núcleo identificou 21 desses perfis, que somam, juntos, 2.882 vídeos, com mais de 87 milhões de visualizações, sendo 95% (2.738) deles gerados por IA. Os conteúdos orgânicos representam apenas 8,7% das visualizações. Os vídeos são semelhantes, com narração em timbre masculino grave, imagens em alusão ao homem greco-romano e falas construídas de forma a gerar impacto no espectador, carregando valores ligados à machosfera como o ideal masculinista. Esses conteúdos se apresentam como neoestoicismo aplicado ao autocuidado, ao desenvolvimento pessoal e ao alto rendimento no trabalho e em atividades físicas, mas, na prática, promovem isolamento social e misoginia.
🍂 Meio ambiente
O desvio de água de 130km na Volta Grande do Xingu, no Pará, para a construção de duas barragens da Usina Hidrelétrica de Belo Monte criou períodos de seca extrema prolongada na região, afetando os padrões de deslocamento sazonais, a desova e a saúde de peixe, a sobrevivência da vegetação e a segurança alimentar da população. É o que mostra um artigo publicado na revista científica “Conservation Biology” que analisou ciclos ecológicos locais, como as piracemas. A Agência Bori destaca que, segundo o estudo, os conhecimentos indígenas e ribeirinhos devem ser considerados para reformular a operação da usina. Os pesquisadores defendem também a necessidade de um novo plano hidrológico que equilibre a geração de energia e a manutenção socioecológica.
📙 Cultura
De junho a julho, o bumba meu boi do Maranhão invade as ruas com grupos e estilos diferentes, como matraca, zabumba, orquestra, baixada e costa de mão. Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, o espetáculo surgiu no século 18, a partir da mistura de tradições indígenas, africanas e europeias. A série “Tamborim”, da Cajueira, reúne bens culturais imateriais do estado: além do bumba meu boi, está a toada “Maranhão, meu tesouro, meu torrão”, composta por Humberto de Maracanã na década de 1970 e canção-símbolo do São João no estado; e o Tambor de Crioula, uma expressão afro-brasileira com dança, canto e percussão de tambores cujo ápice é a umbigada.
🎧 Podcast
“Algumas questões ambientais hoje precisam passar a ser inegociáveis. Quando eu digo que uma área não é desmatável, ela não é desmatável, ponto. Independe de um novo projeto econômico. Certos setores terão realmente que diminuir ou ser menos invasivos. É o caso dos combustíveis fósseis”, afirma Ely Jose de Mattos, professor da Escola de Negócios da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). O “Fim do Futuro”, produção do Matinal, em parceria com o Vós Social, reflete sobre as possibilidades de futuro para a humanidade a partir das enchentes históricas que completaram um ano no último mês, ao mesmo tempo que a realidade de prevenção a novas tragédias ainda está distante.
🙋🏾♀️ Raça e gênero
“A violação dos corpos de mulheres racializadas, negras e indígenas foi, e ainda é, um projeto em curso nessa nação. É por isso que precisamos reafirmar cotidianamente que nossos corpos nos pertencem”, afirma Beatriz Sousa, ativista no Odara – Instituto da Mulher Negra, sobre um estudo do Programa Genomas Brasil, que teve artigo publicado na revista “Science” no último mês. A pesquisa revelou que o Brasil é o país com a maior diversidade genética do mundo, resultado, em grande parte, da violência sexual praticada por homens europeus contra mulheres negras e indígenas no período colonial. O Nós, Mulheres da Periferia ouviu três pesquisadoras e ativistas que olham para as consequências da colonização e para a luta do feminismo negro.