Amazônia e Cerrado em chamas e a relação da Folha com a ditadura
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🔸 Numa decisão histórica, a Justiça usou o conceito de racismo estrutural para condenar os envolvidos na morte do menino Miguel, em Recife. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) considerou culpados Sergio Hacker Corte Real e Sari Mariana Costa Gaspar, ex-prefeito e ex-primeira dama de Tamandaré (PE). Miguel era filho de uma das empregadas domésticas do casal, Mirtes Renata Santana. O garoto de 5 anos morreu quando estava sob os cuidados da patroa depois de cair do 9º andar de um prédio de luxo na capital pernambucana. “[A morte de Miguel] é o desfecho de uma cadeia de problemas estruturais envolvendo as violações trabalhistas sofridas pela família de Mirtes”, afirma à Repórter Brasil o ministro Alberto Balazeiro, relator do caso no TST. O julgamento se refere não ao processo criminal, ainda em andamento, mas sim à contratação fraudulenta de Mirtes e sua mãe. Mulheres negras, elas trabalhavam como domésticas durante a pandemia, “sem qualquer adoção de medidas de segurança e de defesa para a saúde delas”. “Em virtude dessa ideologia racista operante no mundo do trabalho, mantiveram-se intocados os benefícios usufruídos pelas pessoas brancas que ao longo da história lucraram em cima da mão de obra negra”, escreveu o relator na decisão.
🔸 A polícia fez ontem a 15ª operação deste ano no Complexo da Maré. Por volta de 5h, os agentes já circulavam em veículos blindados e faziam disparos no conjunto de 16 favelas na região norte do Rio de Janeiro. Um jovem de 18 anos foi morto e três pessoas foram baleadas, informa o Maré de Notícias. Mais uma vez, as crianças tiveram seu direito à Educação desrespeitado pelo Estado: 39 unidades escolares suspenderam as atividades, impactando 13.729 alunos. Clínicas da família na região também deixaram de atender pacientes.
🔸 Dez anos atrás, a pergunta-denúncia “Onde Está Amarildo?” ganhava o mundo após o assassinato do pedreiro por policiais militares, na Rocinha. O questionamento agora dá título a um documentário sobre o caso. O corpo do trabalhador nunca foi encontrado, bem como o de outros mortos pelo tráfico, pela polícia ou pela milícia no Rio de Janeiro, como retrata o documentário. O Fala Roça lembra que, todos os anos, o estado registra cerca de 5 mil desaparecidos, parte deles assassinados. Sem os corpos, as famílias são privadas da despedida.
🔸 O Senado aprovou ontem projeto de lei que inclui formação em direitos humanos e combate ao racismo para policiais. Os currículos das polícias Federal, Militar e Civil, do Corpo de Bombeiros e de outros agentes de segurança, passarão a incluir também módulos sobre o enfrentamento à violência de gênero, xenofobia, intolerância religiosa, entre outros. Segundo a CartaCapital, o projeto foi apresentado em 2020, na sequência do assassinato de João Alberto Silveira Freitas, morto pelos seguranças do supermercado Carrefour.
🔸 O Ministério da Saúde na mira do Centrão. Uma das que têm maior fatia do Orçamento federal, a pasta é comandada atualmente por Nísia Trindade, que não é filiada a partidos políticos e chegou ao cargo como uma das indicações técnicas do governo, por ter sido presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), uma das instituições científicas mais prestigiadas do país. Do outro lado, está o Centrão, grupo liderado por Arthur Lira (PP-AL). O Nexo explica que, ceder ou não o Ministério da Saúde, é parte da disputa de forças Lula-Lira. O presidente resiste em trocar a ministra. No entanto, precisa do Centrão para aprovar, por exemplo, a reforma tributária, em pauta na Câmara nesta semana.
📮 Outras histórias
Um trecho racista do hino do Rio Grande do Sul volta à pauta. Ontem, a Assembleia Legislativa do estado votaria a chamada PEC dos símbolos, projeto do deputado Rodrigo Lorenzoni (PL), que prevê a imutabilidade da bandeira e do hino do Rio Grande do Sul. Com manifestantes contra e a favor nas galerias do plenário, como conta o Sul21, a sessão chegou a ser interrompida e, por fim, foi adiada por falta de quórum. Não há propostas na assembleia pela retirada do trecho racista do hino, o que, para a deputada Laura Sito (PT), “reforça a ideia autoritária da PEC de tentar silenciar uma opinião crítica”. Já Bruna Rodrigues (PCdoB) questionou o momento escolhido para o projeto de imutabilidade – a PEC é proposta justamente quando a Casa tem uma bancada negra.
📌 Investigação
Contrariando a versão dos antigos donos da Folha de S. Paulo, Octavio Frias de Oliveira e Carlos Caldeira Filho, documentos e depoimentos revelam que a empresa mantinha relações íntimas com a ditadura militar brasileira. A Agência Pública teve acesso às informações que foram obtidas pelo Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (Caaf), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), e detalha que o grupo Folha teria emprestado carros de distribuição de jornais para que agentes da repressão os usassem para disfarçar operações. “A Folha participava, dava colaboração às operações de rua, especialmente aquelas (…) de cobertura de pontos, onde as pessoas que entravam morriam”, declarou o ex-sargento Marival Chaves do Canto, que atuou no DOI-CODI (Destacamento de Operações e Informações e Centro de Operações de Defesa Interna) do Exército, em Brasília, e que, entre 1968 e 1985, conheceu por dentro as engrenagens da ditadura.
🍂 Meio ambiente
Amazônia e Cerrado em chamas. Os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que junho deste ano registrou o maior número de queimadas para o mês dos últimos 16 anos nos dois biomas. Na Amazônia, foram 3.075 focos de incêndio, enquanto no Cerrado foram 4.472 ocorrências. O Projeto Colabora explica que o resultado é ainda mais preocupante pelo fato do período mais crítico de seca ainda não ter chegado. Segundo o coordenador do Programa Queimadas do Inpe, junho costuma ter um número de focos 12 vezes menor que setembro, o auge da temporada de fogo – o que será intensificado pelo fenômeno do El Niño, que já atinge o Oceano Pacífico.
O Parque Estadual Nascentes do Paranapanema é um dos maiores remanescentes da Mata Atlântica em São Paulo. Localizado na serra de mesmo nome, o local abriga mais de 200 espécies de árvores, sendo 21 ameaçadas de extinção – em nível estadual, nacional ou global – e até mesmo uma espécie que já era classificada como extinta no estado, como conta O Eco. Além de um refúgio para a flora, o parque protege um conjunto de nascentes que compõem as cabeceiras do rio Paranapanema, um dos principais rios em termos de geração de energia e abastecimento no estado de São Paulo.
📙 Cultura
A partir da fotografia e fotomontagens, o artista visual Joelington Rios reencontrou sua ancestralidade. Nascido no Jamary dos Pretos, quilombo localizado no município de Turiaçu, no Maranhão, o jovem de 24 anos relata que por muito tempo sua família foi praticante do Tambor de Mina, uma religião afro-brasileira, mas depois se converteu à igreja evangélica. Foi nesse momento que o artista sentiu uma ruptura com a cultura quilombola. Ao Nonada Joelington explica como a arte foi um modo de reviver e redescobrir sua identidade ancestral, com uma memória ligada ao quintal de sua casa, das idas aos terreiros e às festas de paredão de reggae e tambores de crioula.
Escritora do roteiro do primeiro longa-metragem gravado em Santa Catarina, Eglê Malheiros tem uma trajetória marcada pelo pioneirismo e pela luta e ganha agora, aos 95 anos, um documentário sobre sua vida. Autora de livros de poesia e infantis, Eglê foi também a primeira mulher a se formar em direito no estado. O Portal Catarinas conta que ela acompanhou o processo de produção do documentário. “Nossa escolha foi buscar todos os caminhos para que Eglê narrasse seus percursos em todo o filme. Entrevistas para a televisão dos anos 1980, fitas cassete dos anos 1990, fotografias, documentos históricos, textos de todas as décadas, entrevistas atuais: é a partir dela que conhecemos sua história”, afirma a diretora do longa, Adriane Canan.
🎧 Podcast
Os caminhoneiros são um elo essencial do caminho dos alimentos, atravessando o Brasil de um lado a outro com os produtos. O novo episódio do “Prato Cheio”, produção d’O Joio e O Trigo, acompanha a saga dos trabalhadores que passam a vida nas estradas, principal modo de escoamento de mercadorias no país. A reportagem percorreu 800 quilômetros de Cosmorama, no interior de São Paulo, até Rondonópolis, no Mato Grosso, com toneladas de laranja. Longas esperas, poucas horas de descanso, precariedade e solidão marcam a rotina de milhares de caminhoneiros.
👩🏾⚕️ Saúde
“Você acha que eu quero me matar por que vou menstruar?” Maya Barreto lembra da questão que fez ao seu parceiro após passar por uma crise e ter chegado a pedir internação psiquiátrica por lutar por dias contra a ideia de colocar um fim na própria vida. O caso de Maya era de Transtorno Disfórico Pré-Menstrual (TDPM), enfrentado por muitas pessoas que menstruam, mas pouco abordado, o que pode levar a vários anos sem o diagnóstico. Segundo a revista AzMina, o transtorno pode aparecer em qualquer momento da vida fértil e causa alterações comportamentais, emocionais e físicas tão graves e intensas que podem acabar em suicídio.