As alucinações de IA em ações judiciais e as lacunas na agenda da COP30
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🔸 O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vetou 63 trechos do “PL da Devastação”, como ficou conhecido o Projeto de Lei 2.159/2021, que altera as regras de licenciamento ambiental no país. “Nós fizemos vetos estratégicos para preservar a integridade do licenciamento e isso ficou assegurado. Nossas metas em relação a desmatamento zero, em relação a reduzir entre 59% e 67% de emissão de CO2, estão perfeitamente mantidas”, afirmou a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. O Eco detalha os principais pontos modificados. O governo barrou o uso da Licença por Adesão e Compromisso (LAC) para atividades de médio potencial poluidor, limitou a autonomia de estados e municípios para evitar “competição antiambiental” e manteve a obrigatoriedade de consulta a comunidades tradicionais.
🔸 Já a polêmica Licença Ambiental Especial (LAE) foi mantida, com mudanças: seguirá mais rápida, mas em múltiplas fases, e terá prazo de até 12 meses. A LAE acelera o licenciamento para atividades e empreendimentos considerados “estratégicos”. A Agência Pública destaca que o novo formato deve abrir caminho para projetos questionados, mas vistos como prioritários pelo governo, como a exploração de petróleo na Margem Equatorial e a construção da BR-319. O presidente Lula editou ainda uma Medida Provisória e enviou um novo PL com urgência para tratar de pontos vetados. Organizações da sociedade civil consideram os vetos bem-vindos, mas ressaltam que ainda é preciso analisar os textos oficiais para uma avaliação completa. Agora, o texto volta para análise do Congresso, onde pode sofrer novo revés. Para Gabriela Nepomuceno, especialista de Políticas Públicas do Greenpeace Brasil, “a decisão do governo é uma vitória da mobilização social”. E completa: “Convocamos o Congresso Nacional, nessa nova chance, a honrar sua responsabilidade, priorizar a proteção de vidas e ecossistemas no apoio aos vetos presidenciais e conduzir um debate qualificado centrado no interesse público, acima de pressões setoriais”.
🔸 Um terço do estado do Amazonas apresenta alta ou muito alta vulnerabilidade à erosão, sobretudo quando há desmatamento ou manejo inadequado. Municípios como São Gabriel da Cachoeira, Boca do Acre e Eirunepé estão entre os mais suscetíveis, devido a características como solos arenosos ou ricos em silte. É o que mostra estudo da Embrapa Solos, conduzido pelos cientistas Maurício Rizzato Coelho e Gustavo de Mattos Vasques. Eles analisaram características intrínsecas do solo, como textura, teor de matéria orgânica e camadas impermeáveis, e mediram o risco de erosão hídrica causada pelo impacto das chuvas. O Amazonas Atual mergulha no estudo e revela que, além da erosão agrícola, o estado enfrenta o fenômeno “terras caídas”, que provoca desmoronamentos nas margens dos rios – tragédia que ocorreu em 2024 no porto de Manacapuru e levou a duas mortes. “A presença de vegetação reduz, mas não elimina a possibilidade de processos erosivos, sobretudo em solos com características frágeis”, alertam os autores do estudo.
🔸 Desde 2023, ao menos 255 casos de alucinações de IA foram registrados em peças jurídicas em tribunais ao redor do mundo. São petições e outros documentos que incluem leis e precedentes jurídicos que não existem. Os dados integram um levantamento realizado pelo pesquisador e cientista de dados francês Damien Charlotin. “Alucinação” é o nome popularmente usado para se referir a situações em que modelos de Linguagem de Grande Escala (LLM, ou Large Language Models, no inglês) pura e simplesmente inventam fatos. O Núcleo ressalta que, só em 2025 no Brasil, há seis casos emblemáticos – e, provavelmente, outros ainda não identificados. Em Santa Catarina, por exemplo, um advogado usando ChatGPT citou casos fabricados e referências inexistentes na doutrina jurídica em uma ação de reintegração de posse. Ele recebeu uma sanção de 10% do valor da causa. Já em Minas Gerais, no mês passado, um advogado usou IA e citou precedentes jurídicos inventados. O juiz o puniu por litigância de má-fé e aplicou uma multa de 5% do valor total da ação.
📮 Outras histórias
Espécie encontrada apenas no Rio Grande do Sul, a margarida-da-praia (Grindelia atlantica), está em risco próximo de extinção – ou criticamente ameaçada, segundo estudo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e da Embrapa Clima Temperado. Restam apenas 633 exemplares no estado: 513 em Pelotas e Rio Grande, e 120 em Jaguarão. Segundo o Sul21, a espécie, antes presente em cinco áreas, sofreu redução de cerca de 80% devido à perda de habitat causada pela expansão urbana, pelas monoculturas e inundações extremas. Os pesquisadores alertam que erros em registros mascararam a gravidade da situação – e fazem um apelo: “sem ações imediatas, essa margarida nativa e exclusiva do estado pode desaparecer para sempre. A criação de uma unidade de conservação no Pontal da Barra é mais do que uma medida técnica, é um gesto de responsabilidade ética com o patrimônio natural da região”.
📌 Investigação
Comunidades indígenas e ribeirinhas convivem com o medo diário da violência nas fronteiras Brasil-Colômbia-Venezuela, ao longo do Rio Negro. A InfoAmazonia mostra que, em meio ao garimpo e à presença de grupos armados, povoados ficaram desertos, há casos de extorsão e restrições a viajantes, além de insegurança dentro das comunidades. Em Puerto Colombia, dissidentes das Forças Armadas Revolucionáras da Colômbia (Farc) circulam livremente depois do anoitecer, impondo tensão constante aos moradores. “Não há segurança aqui. Os grupos armados querem viver na comunidade. Eles costumavam fazer seus negócios na mata; agora patrulham aqui com armas e nos colocam em risco. Amanhã outros virão e nos acusarão de sermos colaboradores”, afirma o comerciante Gilberto Elías (nome fictício).
🍂 Meio ambiente
A agenda de negociação da COP30 está repleta de lacunas. A conferência deste ano ignora pontos cruciais para conter o colapso climático, como a eliminação dos combustíveis fósseis e metas mais ambiciosas de corte de emissões. A Sumaúma esmiúça a agenda que, como ocorreu em edições anteriores, herdou diversos pontos de outras conferências. A pressão por mudanças no documento cresceu após decisão histórica da Corte Internacional de Justiça, que determinou ser obrigação legal dos países a ação contra a mudança do clima e a cooperação entre si, sob risco de responsabilização. Em 1º de agosto, o presidente da conferência no Brasil, o embaixador André Corrêa do Lago, e a diretora executiva, Ana Toni, anunciaram consultas com outros países e grupos regionais para propor ajustes. “Isso está no topo de nossa prioridade para os próximos cem dias”, afirmou Toni.
📙 Cultura
“Sabíamos que era muito importante contar a partir do nosso olhar, porque a gente via muitas imagens distorcidas sobre o nosso povo”, afirma Patrícia Ferreira Pará Yxapy, cineasta e professora, sobre a criação do Coletivo Mbyá-Guarani de Cinema, em 2007. Nascida na aldeia Kunha Piru, na província de Misiones, na Argentina, Patrícia vive hoje na aldeia Ko’enju, município de São Miguel das Missões, no interior do Rio Grande do Sul. Em entrevista ao Colabora, a cineasta conta que as primeiras produções foram marcadas pela experimentação, apoio de projetos e a resistência de guaranis mais velhos às gravações. Ao citar os principais desafios, menciona o preconceito dos não indígenas e a dificuldade de acessar recursos. “Você não tem equipamento e precisa comprar; às vezes, não há como se deslocar de um lugar para o outro a pé, então é preciso ter recursos”, explica.
🎧 Podcast
A cefaleia em salvas afeta apenas 0,1% da população, mas, segundo pacientes, sua intensidade pode superar até a dor do parto. A primeira vez que sofreu uma crise, Danilo Silvestre tinha 18 anos, estava dentro de um ônibus e precisou conter os movimentos para não assustar os passageiros. “Achei que meu olho estava doendo muito, no fundo do olho, uma dor forte, como se alguma coisa tivesse sido fincada”, conta ao “Rádio Escafandro”, produção da Rádio Guarda-Chuva, no episódio “144: A Mãe de Todas as Dores”. As crises costumam durar, em média, de 30 a 40 minutos, mas, em alguns casos, podem se estender por até quatro horas. Por ser frequentemente confundida com sinusite, enxaqueca ou até dor de dente, a raridade da doença dificulta o diagnóstico, que muitas vezes acontece com oito a dez anos de atraso após a primeira crise.
🙋🏾♀️ Raça e gênero
Passados 19 anos da Lei Maria da Penha, os avanços tecnológicos, somados à ausência de educação para novas masculinidades, têm levado muitos jovens a buscar conselhos em inteligências artificiais e nas redes sociais. Além disso, a repressão emocional e a naturalização de comportamentos machistas sustentam a base da violência de gênero. É o que alertam, em coluna da revista AzMina, Amanda Sadalla e Graziela Santos, da Serenas, organização que apoia governos na prevenção da violência contra meninas e mulheres. Elas destacam que a pesquisadora inglesa Laura Bates vê neste momento um fenômeno inédito: pela primeira vez na história, o machismo é maior entre os mais jovens. Plataformas como TikTok e YouTube viraram “salas de aula” para estereótipos de gênero violentos, enquanto escolas e políticas públicas ainda falham em adotar medidas antissexistas e antirracistas.