O acordo na Favela do Moinho e a reconstrução desigual do RS
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🔸 Num dos pontos mais vulneráveis de Manaus, a comunidade do Beco Ayrão enfrenta os impactos das chuvas intensas. As ruas estão alagadas e há esgoto correndo a céu aberto. Como solução emergencial, a prefeitura decidiu construir uma ponte de madeira na entrada da comunidade. O Amazonas Atual conversou com moradores sobre a construção – considerada um retrocesso de 40 anos. Eles lembram que, na década de 1990, as pontes de madeira do Beco Ayrão foram substituídas por ruas asfaltadas sobre a tubulação do igarapé do Mestre Chico. Sem manutenção há décadas, a estrutura entope, e a comunidade sofre com inundações. Agora, os moradores temem que a ponte sirva como pretexto para adiar obras estruturais de drenagem e saneamento. “No passado, o Beco Ayrão era cortado por pontes, e a comunidade conquistou a construção das ruas para melhorar a locomoção, entre outros aspectos. Hoje a ponte apenas deu condições para as pessoas passarem em um determinado trecho do beco, cuja água do esgoto tomou conta da rua por causa do entupimento das tubulações. Mas penso que o poder público enxerga essa ‘solução’ como resolução do problema”, diz o geógrafo Victor Gama, morador da comunidade.
🔸 No Maranhão, uma decisão histórica para comunidades quilombolas: a Justiça determinou a suspensão imediata de todas as atividades de criação de camarão (carcinicultura) na Área de Proteção Ambiental (APA) da Baixada Maranhense. A medida anula o decreto estadual que criou o programa “Podescar I” e a Lei Municipal de Anajatuba que regulamentava a atividade. A Agência Tambor explica que a região é reconhecida internacionalmente como Sítio Ramsar – designação que identifica zonas úmidas de importância global. São manguezais e áreas de transição que funcionam como berçário natural para inúmeras espécies. Numa relação ancestral com o território, comunidades tradicionais vivem e retiram dali seu sustento. A Justiça apontou irregularidades nas obras, como a ausência de licenciamento adequado e a falta de consulta prévia às comunidades da região.
🔸 Falando em licenciamento ambiental… Nesta quarta, o Senado discute um projeto que permite a isenção de licença para obras com alto potencial de impacto, como estradas, e cria um modelo sem a análise de órgãos ambientais. Segundo ambientalistas, é o mais nocivo dos textos do chamado “pacote da destruição”, conjunto de propostas que tramitam no Congresso e que, se aprovadas, causarão dano irreversível aos ecossistemas brasileiros. “Essa proposta significará o maior retrocesso na legislação ambiental dos últimos 40 anos, desde a Constituição de 1988. O projeto de lei realmente implode com o licenciamento ambiental no Brasil”, afirma a coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo. O Colabora detalha a nota técnica da organização que alerta para as graves ameaças da proposta. “Praticamente 90% dos processos de licenciamento no Brasil vão passar a ser um apertar de botão e a licença está impressa”, completa Araújo. Já Malu Ribeiro, da SOS Mata Atlântica, lembra que o projeto poderá liberar obras em florestas, mangues e matas ciliares sem qualquer controle: “Isso certamente vai acelerar e muito o desmatamento da Mata Atlântica, que já é impactada por várias estruturas urbanas”.
🔸 “Foi terrorismo o que vivemos aqui.” Leidivania Domingas Teixeira se refere à Favela do Moinho. A maranhense de 30 anos construiu uma família na comunidade: há 11 anos, ela vive na última favela do centro de São Paulo com o marido e os filhos Vanderlison, 9 anos, e a pequena Valentina, de quase 2 anos. Nos últimos dias, sua rotina virou pesadelo: sob ordens da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), a Polícia Militar invadiu a favela com bombas e ameaças, forçando famílias a deixarem suas casas. A Agência Pública mostra como é a vida na comunidade que está entre a pressão imobiliária e a violência. O Moinho é alvo de forte disputa: o governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) quer construir um parque no local, argumentando que as habitações não podem permanecer na área porque ficam próximas das linhas de trem. Já a prefeitura alega que a favela é um “QG para o crime organizado”. Há ainda o interesse do mercado, já que o Moinho está situado em uma das áreas mais valorizadas da capital.
🔸 A propósito: depois do anúncio do acordo entre União e Estado para reassentar as famílias da favela, os moradores celebravam o presidente Lula e criticavam a truculência da gestão Tarcísio de Freitas. Cada família terá a compra assistida de um imóvel de até R$ 250 mil. A União vai bancar R$ 180 mil, e o estado pagará os R$ 70 mil restantes. Apesar da comemoração, o acordo ainda não foi formalizado, e a favela segue com presença policial. A Ponte relembra o caso e destaca que a União, que detém o terreno, só se posicionou com firmeza depois de confrontos com a polícia em que moradores foram feridos.
📮 Outras histórias
“Minha existência enquanto LGBT por si só já é política. Em cada sala, encontro alunos que me veem como exemplo ou apoio emocional”, conta a professora Dani Sioline, de Natal (RN). Mulher trans formada em dança pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, ela ganhou projeção quando passou a fazer vídeos para as redes sociais em que mostra sua rotina com os estudantes na escola. Os conteúdos ultrapassaram a marca de meio milhão de visualizações – e fortaleceram seu vínculo com os alunos, conta a Saiba Mais. “A reação deles [à performance dos vídeos] foi eufórica! Para comemorar, fiz uma surpresa com dois bolos, um com a temática Instagram e outro TikTok. Tinha fotos nossas e os números de visualizações. Teve gritaria, emoção e, claro, eu chorando muito”, diz a professora, que completa: “Acredito muito na educação empática, respeitosa e afetiva. Entender quem são esses adolescentes é essencial para que a aprendizagem aconteça”.
📌 Investigação
Mesmo financiando negócios envolvidos em grilagem e desmatamento, os Fiagros – fundos de investimentos que financiam a agropecuária no Brasil – agora podem receber 10% do patrimônio dos fundos de pensão, conforme uma normativa do Conselho Monetário Nacional. O Joio e O Trigo revela que, se apenas os três maiores fundos de pensão brasileiros – o Previ, dos funcionários do Banco do Brasil; o Petros, da Petrobras; e o Funcef, dos economiários federais – investissem em fundos do agro, os valores mais que dobrariam em relação aos últimos quatro anos, com um aporte de R$53,9 bilhões. Ao somar todos os 270 fundos de pensão, o investimento pode chegar a R$ 130,9 bilhões, aumentando em até três vezes o atual patrimônio dos Fiagros. Como resultado, bilhões de reais podem ser despejados em instrumentos financeiros sem regras ambientais fortes – ou seja, esse dinheiro pode potencializar ainda mais a devastação de ecossistemas ameaçados, como a Amazônia e o Cerrado.
🍂 Meio ambiente
Enquanto as comunidades humanas são protegidas por protocolos básicos e políticas públicas emergenciais durante desastres ambientais, a fauna silvestre é negligenciada e convive com ferimentos, fome, desidratação, queimaduras, desorientação e perda de território. Em coluna no Fauna News, especialistas do Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal explicam que “os planos de contingência não contemplam medidas específicas para o resgate e o cuidado dos animais – e quando contemplam, faltam estrutura, orçamento e articulação interinstitucional”. “O resgate de animais, em especial os silvestres, em situações de desastre exige muito mais do que boa vontade. São necessárias habilidades técnicas, conhecimento sobre o comportamento e a biologia das espécies, preparo físico e psicológico para lidar com ambientes de alto risco e protocolos bem estabelecidos para garantir o bem-estar dos animais e das pessoas envolvidas.”
📙 Cultura
A partir do suco de caju clarificado e cozido em banho-maria é feita a cajuína, bebida típica do Piauí, cuja produção e práticas socioculturais associadas é patrimônio cultural imaterial do país. Na série “Tamborim”, a Cajueira reúne bens culturais imateriais piauienses, dos modos de fazer e da culinária às manifestações populares como danças e festejos. Entre elas, está a capoeira, declarada patrimônio cultural do Piauí em fevereiro deste ano. A prática foi reconhecida como parte essencial da cultura e da história do estado, e não apenas uma forma de arte e luta. Aos toques do berimbau, os movimentos guardam a herança afro-brasileira no cotidiano. Neste mês, também foi reconhecido como patrimônio o Balé da Cidade de Teresina. Há mais de 30 anos, o grupo carrega elementos regionais em suas coreografias e leva a arte piauiense a festivais nacionais e internacionais.
🎧 Podcast
Embora o Guaíba tenha inundado e adentrado quase todas as localidades de Porto Alegre em maio de 2024 sem distinção, a desigualdade se revela na reconstrução da cidade. Desde a enchente histórica, Francine Conde Cabral, nascida e criada na Ilha da Pintada, uma das ilhas da capital gaúcha, por uma família de pescadores, foi viver do outro lado da margem, no bairro de classe média alta Menino Deus, também altamente impactado. O “Fim do Futuro”, produção do Matinal em parceria com o Vós Social, mostra como o evento extremo já é uma lembrança distante dos moradores de Menino Deus, já reconstruído, enquanto Francine não consegue voltar à ilha onde nasceu. Lá, as casas seguem destruídas e há areia nas ruas.
✊🏾 Direitos humanos
Em vídeo: “A Comissão Nacional da Verdade trouxe uma lista de torturadores e dois dos torturadores dos meus pais não estavam nesta lista, estão aqui no livro, ou seja, a apuração não é completa, faltou muita coisa”, afirma o escritor e jornalista Matheus Leitão, filho de Míriam Leitão e Marcelo Netto, torturados durante a ditadura civil-militar no Brasil. Em entrevista ao MyNews, ele fala sobre seu livro “Em Nome dos Pais”, um extenso trabalho de investigação em busca de respostas sobre a tortura sofrida por seus pais: “Ficava achando que faltava alguma coisa porque eu investigava todas essas histórias, fazia grandes trabalhos e gastava um tempo enorme da minha vida atrás de histórias do regime, mas as respostas em relação à minha família eu não tinha”, relata. “O Estado brasileiro deveria ter me respondido quem foram os torturadores dos meus pais, e não eu, como filho e jornalista, ter ido e descoberto quem eram.”